O sucesso da minissérie Maid (2021) se explica pela direção impecável de Molly Smith Metzler e pelo enredo baseado no livro “Superação: Trabalho Duro, Salário Baixo e o Dever de Uma Mãe Solo”, onde Stephanie Land conta a sua história de vida.
Muita gente taxa a série como “sentimental” demais. Mas quem diz isso é porque não tem a exata noção da dureza enfrentada por uma mulher que luta para sair de um relacionamento abusivo. Enfrentar a violência sem ter independência econômica torna tudo ainda mais complicado. Tanto que uma das principais bandeiras do movimento feminista busca a independência econômica.
A minissérie exibida pela Netflix em dez episódios convida as espectadoras e espectadores a se pôr no lugar da protagonista Alex (interpretada com brilhantismo por Margaret Qualley). Mesmo sendo homem, isso é possível porque o audiovisual e a literatura têm a capacidade de nos transportar para a história contada e tentar entender a personagem.
O crescimento da personagem Alex vai se evidenciando a cada episódio. Ela vai compreendendo a sua situação e busca a ajuda necessária para sair da situação de abuso psicológico em que vive. Alexa era uma dona de casa, mãe de uma menina e suportava praticamente calada as reclamações do companheiro, alcoólatra e desleixado com as questões domésticas como a maioria dos homens.
Na maioria dos episódios o choro corre solto porque o sofrimento impingido a Alex é um verdadeiro martírio. Ela começa a trabalhar como faxineira diarista e a brigar pela guarda da filha de menos de 3 anos. E mesmo quando pensava ter um amigo com quem contar, o preço cobrado é muito alto e ela se vê sem moradia novamente.
Maid mostra com clareza a expropriação do trabalho pelo capital e de uma maneira ainda muito pior, sem direitos trabalhistas. Sem descanso remunerado, sem direito a ficar doente ou a cuidar da filha adoecida. Até se pode deixar de trabalhar para esse necessário cuidado, mas não recebe. E aí tem que contar com a ajuda de familiares. No caso de Alex, essa possibilidade era muito pequena porque sua mãe, também vítima de violência doméstica, escolheu o escapismo para tentar enganar a realidade.
Fica muito claro que as mulheres precisam de uma séria de políticas públicas para serem respeitadas O patriarcado não perdoa, o machismo mata e a saída de um relacionamento abusivo necessita de amplo apoio material e psicológico.
Tudo muito bem colocado para raciocinarmos como o sistema é cruel com quem vive do trabalho, mas é ainda muito mais cruel com as mulheres e com as pessoas em maior vulnerabilidade. Como afirma Belchior (1946-2017) “a vida realmente é diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior”. A chamada uberização do trabalho que o diga.
Impossível não lembrar do filme “Que Horas Ela Volta?” (2015), de Anna Muylaert, que mostra a vida de uma mansão com o olhar da cozinha. Igualmente à minissérie apresenta a invisibilidade a que são submetidas as trabalhadoras domésticas, num mundo hostil à classe trabalhadora. Assim é o capitalismo.
Mas vem muito forte à memória a página de Facebook “Eu, Empregada Doméstica”, criada pela rapper Preta Rara, em 2016, que virou livro em 2019, contando histórias escabrosas vivenciadas por várias trabalhadoras domésticas, num país onde a elite econômica mantém mentalidade praticamente escravocrata.
Em Maid, como na vida, as mulheres trabalhadoras enfrentam muito mais dificuldades porque são jogados sobre os seus ombros todos os afazeres domésticos e o cuidado com os filhos. Muitas vezes suportando violências de todos os tipos e tendo que se virar para gerir o que chamam “lar” com grande falta de tudo. Fica claro que a luta pela emancipação feminina é um aspecto intrínseco à luta de classes, sem a qual jamais haverá uma democracia plena para quem vive do trabalho.
Fonte: Vermelho, por Marcos Aurélio Ruy