Há algumas semanas, a gestão da Cemig anunciou uma medida que levou mais que apreensão aos trabalhadores da área operacional da empresa. Provocou terror. O fechamento das localidades irá gerar prejuízos para os consumidores mineiros, o que é muito grave. Mas os eletricitários e suas famílias serão os primeiros a sofrer as consequências de mais essa arbitrariedade da Cemig.
Localizada a cerca de 200 quilômetros de Belo Horizonte, Lagoa da Prata, município com mais de 50 mil habitantes, foi a primeira cidade visitada pela reportagem do Chave Geral.
Com uma economia baseada nas indústrias de leite, açúcar e produtos farmacêuticos, o município do Centro Oeste mineiro, assim como vários outros, depende dos serviços prestados
pela Cemig.
Em 2015, de acordo com dados do Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged), Lagoa, como é chamada pelos moradores, foi uma das 50 cidades que mais geraram
empregos no país. Entretanto, o crescimento pode estar ameaçado se o município não tiver um fornecimento de energia adequado.
“Aqui, aonde já chegou a ter oito eletricistas, hoje só trabalhamos eu e mais um colega”, explica o eletricista de linhas e redes, João Ricardo, que após 27 anos de Cemig, traça um panorama do sucateamento provocado pela política de pessoal da empresa. “Se um de nós sair daqui, a localidade vai fechar, porque a Cemig não vai manter a localidade com apenas
um trabalhador”, sentencia.
Intenção
Como a estatal não discutiu o fechamento das localidades com o Sindieletro ou com os trabalhadores, e sequer apresentou dados ou estudos que teriam baseado a decisão, a análise
do Sindicato deste processo se baseia nos documentos a que tivemos acesso e no relato dos eletricitários. E a conclusão a que se chega é que a situação é verdadeiramente preocupante.
Ao que tudo indica, a empresa quer centralizar os trabalhadores do quadro próprio em cidades polos (não se sabe o critério ou se houve estudo de viabilidade), transferindo parte dos serviços para empreiteiras.
Para João Ricardo, nenhuma das alternativas (transferência e centralização) é suficiente. “Hoje, aqui em Lagoa, por causa da distância que temos que percorrer, dependendo do serviço, demoramos um dia inteiro para atender a apenas uma ocorrência,” conta. “Se a nossa localidade for centralizada, esse tempo vai ser ainda maior, já que as empreiteiras não atendem a população com o padrão de qualidade e rapidez que a Cemig,” prevê.
O que são as localidades?
São postos de trabalho onde a Cemig mantém um quadro de eletricitários para atender demandas de manutenção e emergências na rede elétrica. Ficam localizadas em cidades estratégicas para garantir atendimento aos consumidores.
Gestão Pimentel se esquece da vida dos eletricitários
Outro município visitado pela reportagem do Sindieletro foi Campo Belo, cidade a 122 quilômetros de Lagoa da Prata. Por lá, encontramos as situações mais preocupantes do ponto de vista da saúde do trabalhador. Eletricitários que estão prestes a encerrar a trajetória profissional na Cemig, receberam, “de presente”, o comunicado de que terão que abandonar suas casas, famílias e relações de amizade, pois serão transferidos compulsoriamente para outras cidades.
A equipe que já teve 23 eletricistas (de campo e/ou na linha viva) hoje reúne apenas oito eletricistas e dois agentes de comercialização que, além de Campo Belo, atendem 16 municípios da região.
Para os trabalhadores de Campo Belo, em nenhum momento a Cemig pensou no prejuízo que o fechamento de localidades e transferências vai causar. “Tem gente que criou raízes nas cidades onde trabalhou por 20, 30 anos, e que agora a empresa simplesmente diz que vai mandar pra outro lugar”, diz um eletricista.
É o caso de um eletricista, último dos filhos que continua em Campo Belo, próximo dos pais, e que está sofrendo um baque com a mudança forçada de cidade. “Não me deram sequer a opção de ir para uma cidade próxima daqui,” reclama.
Outro trabalhador pergunta como será possível se manter em outra cidade, deixando família, sogro, sogra, que dependem dele ou os pais acamados em Campo Belo.
Um eletricista diz que não tem cabimento a Cemig tirar suas equipes da localidade e colocar empreiteira no lugar. “Aqui na região (de Campo Belo) nós já encontramos consumidores há dias sem luz, com a empreiteira afirmando que realizou quatro visitas técnicas. Aí, quando chegamos lá, o consumidor fala que ninguém tinha aparecido para resolver o problema antes. Se tudo for entregue às empreiteiras, como vai ficar?,” questiona.
Risco dobrado
Da forma como é feito, a reestruturação também aumenta o risco do trabalho operacional para os eletricistas que, com tudo isso na cabeça e pensando na família, sobe no poste e trabalha com a rede energizada.
A equipe presenciou um colega ter taquicardia no dia da notícia que ia ser transferido. “Nem as chefias e nem a direção da Cemig, ninguém pensou em nós,” alerta um trabalhador.
Após muita pressão do Sindicato, a empresa fala que a mudança é opcional. Mas os trabalhadores de Campo Belo receberam como opção de cidade mais próxima para serem transferidos, Formiga, que fica a 80 quilômetros. “Aí você pergunta a um colega que trabalha numa cidade perto de Formiga se ele também recebeu essa opção: a resposta é não! Para ele, deram uma opção distante também! Então, parece que essa história de reestruturação é para fazer a gente sair de onde está ou sair da Cemig,” desabafa o trabalhador.
Reportagem de Vinícius Avelar e Benedito Maia