Tomou corpo nas últimas semanas uma movimentação de empresários junto a deputados e senadores – comentado e confirmado por vários parlamentares – com intuito de conseguir apoio para aprovação do Projeto de Lei 4.330, de 2004, que regulamenta a terceirização de mão de obra no país. O PL é objeto de críticas por parte das centrais sindicais e de especialistas em relações de trabalho, inclusive, por magistrados do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O ministro Maurício Godinho Delgado, declarou recentemente que, caso venha a ser aprovada da forma como está, a matéria terá “efeito avassalador” nas conquistas dos trabalhadores e pode vir a reduzir a renda destes em até 30%.
O corpo a corpo partiu de empresários que contratam e que vendem serviços terceirizadas, depois que as tentativas de votação do PL, no plenário da Câmara, falharam. Devido à pressão de entidades de representação dos trabalhadores, o relator, Arthur Maia (SDD-BA), o autor, Sandro Mabel (PMDB-GO), e o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), não conseguiram garantir a aprovação da matéria. Críticos do lobby da bancada empresarial associam o assédio a possíveis financiamentos de campanhas em 2014.
Gabinetes de deputados e senadores teriam sido procurados por interlocutores da Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse), de operadoras de telecomunicações e de call centers e de empresas de frotas de veículos que atendem conglomerados empresariais. À frente das intermediações estariam o próprio autor do PL, Sandro Mabel (PMDB-GO), o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), o senador Francisco Dornelles (PP- RJ) e a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) – também presidenta da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA).
A reportagem tentou contatar representantes das empresas e parlamentares. O gabinete de Kátia Abreu informou que a senadora está fora do país e se manifestará quando retornar. O senador Francisco Dornelles, segundo informou sua assessoria, passou a tarde em reunião e disse que responderia à reportagem. O deputado Sandro Mabel, empresário do ramo alimentício, confirmou, também por meio da assessoria, que vem mantendo conversas com representantes do empresariado, parlamentares e integrantes do Executivo para discutir o PL. Segundo ele, os encontros têm o propósito de esclarecer pontos do texto considerados motivos de discórdia e buscar um consenso que permita a votação.
De acordo com Mabel, que também é empresário do ramo alimentício e dono da marca de biscoitos que levam seu sobrenome, dos 21 itens do projeto de lei que elaborou, 19 são de proteção ao trabalhador, “estabelecendo cláusulas que dão segurança jurídica aos trabalhadores terceirizados”. A assessoria informou desconhecer qualquer relação entre os passos do parlamentar e possibilidades de financiamento de campanha para 2014.
O deputado Espiridião Amin (PP-SC), único a confirmar ter recebido um grupo de representantes empresariais em seu gabinete com o intuito específico de tratar do assunto, disse que a conversa se limitou a apresentação de argumentos sobre a importância de o projeto ser votado da forma como defendem esses segmentos. “Se por acaso estão sendo tratados, nas conversas com os demais parlamentares, outros itens que superam estas questões, não foram objeto da reunião que tiveram comigo no meu gabinete”, acentuou.
Jantares e simpósios
A crítica a esse lobby surgiu durante uma reunião do grupo técnico que tratou do anteprojeto de lei para a reforma política na Câmara dos Deputados. Na reunião, circulou a informação de que representantes empresariais e deputados teriam discutido meios de fazer andar o PL da terceirização, em jantar no restaurante Fasano, em São Paulo. O suposto encontro acabou sendo tomado como argumento contrário ao modelo de financiamento de campanhas, que associa as contribuições eleitorais de empresas à proteção de seus interesses pelo legisladores.
A argumentação ventilou pelo Congresso e foi confirmada por pelo menos dois deputados, que pediram para não ter seus nomes divulgados, um do PSDB e outro do PDT. O tucano, ex-senador, embora não tenha participado de jantar para o qual foi convidado, soube que o evento foi realizado e que os assuntos em questão estiveram no cardápio. O pedetista confirmou ter recebido representantes empresariais em seu gabinete, mas negou qualquer abordagem sobre “troca de favores”. E ratificou que a notícia, entre os deputados, sobre as articulações do grupo ansioso pela aprovação do projeto “não é novidade nas comissões técnicas da Câmara”.
O gabinete de Sandro Mabel confirmou que o deputado esteve em São Paulo no dia 30 de outubro para falar sobre o projeto, não no restaurante Fasano, mas como participante de um simpósio jurídico realizado no Hotel Blue Tree Morumbi, organizado pela Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica. Na ocasião, Mabel também teria mantido entendimentos não apenas com empresários do setor, como com outros deputados presentes. O presidente da associação organizadora do simpósio, Alexei Vivan, afirmou, em nota, que o deputado teria dado um depoimento sobre o projeto de lei que se destacou por ser “diferenciado, equilibrado, bem escrito e de bom senso, privilegiando o trabalhador sem inviabilizar a atividade empresarial e sem contrariar a tendência mundial de prestação de serviços”.
O relator do projeto, deputado Arthur Maia (SDD-BA), disse por intermédio de sua assessoria que tem cumprido o “seu papel” de receber a todos os que o procuram para conversar sobre a matéria, incluindo nessa lista entidades sindicais e empresas do setor de terceirização. Maia acrescentou, ainda, que não chegou a organizar ou participar de jantares ou almoços, mas teve variados encontros dentro do próprio Congresso para tratar da matéria.
Pontos discordantes
Em meio ao imbróglio, prossegue no Congresso a discussão sobre o teor do PL. A matéria, que é criticada pela CUT e outras entidades sindicais, foi objeto de uma comissão quadripartite, formada por representantes do Congresso, governo, empresariado e trabalhadores (por meio das centrais sindicais), mas as negociações – iniciadas em julho – pouco evoluíram. Uma das principais divergências está no fato de o texto admitir a terceirização todas as atividades da empresa contrante, inclusive as chamadas atividades-fim, e não só para trabalhos secundários, as chamadas atividades-meio. Na visão de magistrados do TST que têm se posicionado contra o projeto da forma como está, a proposição abre as portas não para regulamentar a terceirização, mas legalizar práticas hoje entendidas como irregulares.
Outra divergência está na definição sobre a responsabilidade da empresa contratante em relação às obrigações trabalhistas da contratada. O projeto, na avaliação de técnicos que participaram da discussão sobre o tema, não assegura responsabilização solidária da empresa contratante, caso a contratada viole direitos de seus funcionários. Ou seja, a empresa que contratar uma segunda, ficará livre de ser fiadora da contratação.
Fazem parte das dúvidas existentes entre os vários setores, também, a questão da garantia dos direitos trabalhistas aos terceirizados – em especial sobre como deve ficar a representação sindical. Isso porque, nos termos em que está colocado, o PL não dá ao funcionário da empresa terceirizada o direito de ser enquadrado na mesma categoria a que estão ligados os empregados diretos da para a qual presta serviço.