Por Mirella Nunes(*)
Em nota técnica na 21ª Carta de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) tratei do que podemos aprender do modelo sueco de licença parental. O objetivo da nota foi apresentar o modelo de licença parental da Suécia, analisar quais partes do modelo podem eventualmente servir de inspiração para ajudar a mulher na sua reintegração ao mercado de trabalho. Aqui, uma versão resumida da nota, que pode ser obtida na íntegra em https://www.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs.
A reintrodução da mulher no mercado de trabalho depois da licença parental é um problema que afeta muitas mulheres: uma pesquisa “Licença maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil”, da FGV/EPGE mostra que quase metade das entrevistadas estavam fora do mercado de trabalho 12 meses após o início da licença maternidade; demissão e falta de vagas em creches são os motivos mais comuns apontados pelas entrevistadas.
Hoje as mulheres têm direito a 120 dias de licença-maternidade. Mas seria ela suficiente para garantir à mulher os seus direitos como trabalhadora? Existe uma diferença impactante no período da licença-maternidade em comparação com a licença-paternidade, que hoje é entre 5 a 20 dias, o que pode afetar o reingresso da mãe no mercado de trabalho.
Com o avanço da luta pelos direitos das mulheres no Brasil, a licença-maternidade começou a ser paga pela Previdência Social. Mesmo assim, a mulher como trabalhadora era exposta pela falta de garantias trabalhistas, correndo o risco de perder seu emprego ao voltar da sua licença ou sendo dispensadas ainda grávidas. Hoje, as mulheres têm 120 dias de licença pagos pela Previdência e certas seguranças trabalhistas estabelecidas pela Constituição de 1988, mas apenas as trabalhadoras com carteira assinada podem ser beneficiadas pelas leis trabalhistas, algo que não é atual para uma em cada duas pessoas no mercado de trabalho (1). Já a licença-paternidade no Brasil está longe de chegar ao alcance da licença-maternidade, já que os pais têm direito apenas a 5 dias por lei, o que foi estabelecido pelo artigo 7º da Constituição Federal de 1988.
Licença de 68 semanasA Suécia é hoje um dos países com melhor licença-paternidade do mundo, podendo chegar até 68 semanas (2). Isso se dá ao sistema igualitário, que oferece aos pais 480 dias de licença remunerada, que são divididos igualmente entre os pais. Além disso, apenas 150 desses 240 dias podem ser transferidos de um progenitor para o outro, até a criança completar um ano. Esses direitos são iguais para quem também tem a guarda exclusiva da criança. O Seguro Social oferece também uma ajuda financeira aos pais que, por alguma razão, tinham uma baixa renda ou nenhuma renda durante o período da gestação, que tenham empresa própria ou sejam estudantes. As regras também permitem os pais de tirar licença ao mesmo tempo por até 30 dias (3).
A Suécia é conhecida por ser um dos países que mais prezam pela igualdade de gênero: desde os salários até a licença maternidade. Os primeiros sindicatos femininos surgiram a partir do fim do século 19 e foi a partir dessa época que começou a luta das mulheres pelo direito de trabalhar em outras áreas. Em 1960, surgiu a lei que dava direito a salários iguais para homens e mulheres. A partir dos anos 70, o assunto “igualdade de gênero” começou a ser obrigatório nas escolas, e foi quando o direito da mulher começou realmente a evoluir. A lei que dá direito aos pais de dividir a licença remunerada surgiu em 1974.
Primeiramente o pai, ou o outro progenitor, pode tirar 10 dias de licença pagos após o nascimento da criança. Essa licença é remunerada por até 80% do salário do progenitor e é paga pela Agência Sueca de Seguro Social (Försäkringskassan). A Agência também é responsável por remunerar os 480 dias de licença estipulados por lei, e o valor recebido é dividido em duas partes:
O nível de auxílio-doença (sjukpenningnivå), com base no salário do progenitor nos primeiros 390 dias. O valor no nível de auxílio-doença corresponde a cerca de 80% da renda, caso o progenitor receba o benefício parental 7 dias por semana, com um valor máximo de 1027 coroas suecas por dia, o que corresponde a cerca de 550 reais por mês.
O nível mínimo (lägsta nivå), que são os 90 dias restantes da licença, onde os pais têm direito a 180 coroas suecas por dia, o equivalente a cerca de 90 reais.
Salário paternal
Além da licença remunerada da Agência Sueca de Seguro Social, caso você seja membro de algum sindicato, você pode ter direito a receber um salário da empresa que você trabalha, chamado salário paternal (föräldralön), que dá direito a cerca de 10% do salário do progenitor antes da licença abaixo do teto estabelecido, ou entre 80-90% do salário acima do teto estabelecido, oferecendo assim uma segurança extra aos pais durante a licença (de acordo com o SACO, um dos maiores coletivos de sindicatos da Suécia).
Na Suécia existem também leis contra a discriminação no local de trabalho, o que abrange também a discriminação contra trabalhadores com filhos. Em 1991 surgiu a lei de igualdade de gênero (Jämställdhetslagen), que garantia direitos iguais para homens e mulheres. Essa lei foi logo depois substituída pela lei contra a discriminação (Diskrimineringslagen) no ano de 2008, abrangendo todas as pessoas independentemente do gênero, identidade, etnia, religião ou outra crença, deficiência, orientação sexual ou idade. Ela também se aplica no âmbito trabalhista e proíbe qualquer tipo de discriminação no local de trabalho. Um trabalhador que seja demitido ou dispensado pelo fato de ter filhos, tem direito a ser ressarcido pela empresa. A lei contra discriminação também tem como função promover a igualdade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho, seja em relação ao salário, as tarefas de trabalho ou qualquer outro termo trabalhista.
Mesmo com a evolução do direito trabalhista no Brasil e uma licença-maternidade de 120 dias, muitas mulheres no Brasil enfrentam dificuldades de reintegração no mercado de trabalho após a licença parental. Uma das causas pode se dar pelo fato de muitas empresas não contratarem mães, sendo pelo longo período de pausa do mercado de trabalho durante a licença, ou por avaliarem que a mãe não pode ser capaz de conciliar a maternidade com o trabalho. Na Suécia, por exemplo, esse tipo de discriminação não é permitido pela lei, que abrange também candidatos a uma vaga de trabalho que se sintam discriminados durante o processo de recrutamento.
Reintegração ao trabalho
Uma alternativa para facilitar a reintegração da mulher no mercado de trabalho depois da gestação é investir em métodos de recrutamento adaptados à situação atual da mulher; especialistas já apontam a importância de processos seletivos exclusivos para mulheres com filhos e o reconhecimento de habilidades desenvolvidas durante a maternidade, a fim de dar mais oportunidades para as mães se reintegrarem no mercado de trabalho.
A possibilidade de uma divisão igualitária dos dias da licença-maternidade, como é feito no modelo sueco de licença parental, é uma maneira de não apenas promover a igualdade de gênero, mas também de proporcionar à mulher uma reintegração ao mercado de trabalho mais cedo, além de possibilitar uma licença prolongada ao outro progenitor. Outro fator que pode ser determinante para a reintegração da mulher no mercado de trabalho depois da gestação, é a possibilidade de ajuda financeira para mulheres que não têm carteira assinada ou que não tinham renda fixa antes da gravidez, que geralmente são as mais afetadas financeiramente depois do fim da licença-maternidade.
* Mirella Nunes – Jurista com bacharel em direito financeiro formada na Suécia pela Linköpings University, mestranda em direito trabalhista. Colaboradora e membra da BrazilCham Sweden e líder do Comitê Empreendedorismo do Grupo Mulheres do Brasil, núcleo Estocolmo; artigo publicado no portal da Rede Brasil Atual