Justiça anula demissão de trabalhadora que não tinha com quem deixar filho



Justiça anula demissão de trabalhadora que não tinha com quem deixar filho

Com o filho recém-nascido e sem conseguir vaga em creche ou alguém para cuidar da criança, a auxiliar de operações Daiane Gonzales, de Araraquara (SP), se viu obrigada a pedir demissão do trabalho. Antes, ela tentou negociar com a direção da empresa, a Gutierre Central de Compras Odontológicas -, ‘alguns dias a mais’ de licença para cuidar do bebê. A empresa negou e, apesar de estar em período de estabilidade, garantido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pediu demissão e o pedido foi aceito.

Após o pedido de demissão, a trabalhadora entrou com uma ação na Justiça para garantir seus direitos trabalhistas e verbas rescisórias. Após quatro anos de tramitação (o processo foi ajuizado em 2018), a 5ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) declarou a nulidade da demissão convertendo-a para “imotivada por iniciativa do empregado”, ou seja, responsabilizou a empresa e garantiu os mesmos direitos dos casos de demissão sem justa causa.

Com a decisão, além de verbas como saldo de salário, aviso-prévio indenizado, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) acrescido de 40% e as multas previstas na CLT, a empresa terá de pagar à trabalhadora uma indenização pelo período de cinco meses a título de estabilidade pós-parto.

Em seu despacho, o relator do processo, desembargador Lorival Ferreira dos Santos levou em consideração a condição de vulnerabilidade e necessidades especiais de gestantes e lactantes.

“Há que ser entendida a situação da gestante sob a ótica de gênero para melhor compreender o que passa com a gestante nesse período”, afirmou o magistrado.

“É relevante ponderar que no período gestacional a mudança no corpo da mulher é significativa, com alteração hormonal que pode provocar uma grande instabilidade emocional, havendo também a preocupação em garantir o nascimento seguro da criança. Após o parto, essa preocupação permanece, desta feita, com os cuidados da criança. Daí a preocupação constitucional e ordinária em assegurar a proteção à maternidade”, afirmou o desembargador na sentença.

Justiça

Apesar de ser uma decisão favorável à trabalhadora e a jurisprudência mostrar que as sentenças do TRT têm trilhado o mesmo caminho, há ainda muitas mulheres que, nessas situações, acabam não reclamando seus direitos. A afirmação é da secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, que alerta as mulheres.

“Essa decisão tem que chegar ao conhecimento de todas. A Justiça foi feita. Ela pediu demissão para ficar alguns dias a mais com o filho”, ela diz.

Estabilidade

Em sua defesa, a empresa alegou que o pedido de demissão partiu da própria trabalhadora, portanto, era válido e estaria dentro das conformidades da lei, ainda que Daiane estivesse em período de estabilidade.

A primeira análise feita no caso, disse o desembargador, foi a aplicação da ‘formalidade prevista no artigo 500 da CLT’ que diz que o pedido de demissão de empregado estável só será válido quando feito com a assistência do sindicato da categoria ou de representante do Ministério do Trabalho ou Justiça do Trabalho.

E não foi o que ocorreu com a trabalhadora. Desta forma, sem assistência, o magistrado anulou o pedido de demissão. “Não pode ser reputado válido e eficaz, devendo ser reconhecida a dispensa sem justa causa por iniciativa da reclamada [a empresa] e o direito à estabilidade provisória da gestante”, diz a decisão.

Ele justificou ainda a aplicação do artigo 500, que perdeu validade coma reforma Trabalhista de 2017, aprovada pelo governo de Michel Temer (MDB), e que entre os diversos retrocessos extinguiu a obrigatoriedade de homologação de rescisões serem feitas com a participação do sindicato ou da Justiça do Trabalho.

“O Tribunal Superior do Trabalho, mesmo depois da reforma trabalhista continuou aplicando o artigo 500 da CLT nos casos em que há controvérsia quanto aos motivos relativos ao pedido de demissão da empregada gestante, que não obteve a assistência sindical”, afirmou Lorival Ferreira dos Santos.

Para o especialista em Direito do Trabalho, José Eymard Loguércio, da LBS Advogados, escritório que presta assessoria jurídica à CUT, a decisão do TRT-15 confirma o esforço do Judiciário em delinear perspectiva de gênero para decisões judiciais, ou seja, levar em consideração as questões de desigualdade e vulnerabilidade das mulheres.

Sindicalização

Casos como o de Daiane reforçam a necessidade de trabalhadoras e trabalhadores procurarem orientação nos sindicatos de suas categorias.

O caso serve de alerta para negociações coletivas, diz Eymard. “Algumas negociações já incorporam período estendido de licença para gestante”, disse o advogado.

Fonte: CUT, por Andre Accarini

item-0
item-1
item-2
item-3