Fora de Mim, eu mesmo é o primeiro livro de poemas de Pedro Vieira Homem, estudante de Literatura na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Para um jovem, não deve ser fácil ter ânimo para fazer poemas em meio às dificuldades sociais do momento e as incertezas que estão postas sobre o futuro da humanidade, mas é preciso que eles sejam feitos, mesmo aos trancos e barrancos, e há coragem em quem se arrisca por esse caminho.
Crítico da situação ele crava em um poema: “No saguão do país, um anti-divã para uma coleção de neuroses, cabelos em pé por tantas aberrações”. Em outro, declara otimista: “a primavera nunca é muito tarde”. Ou seja, venha quando vier, a primavera trará consigo o encantamento da esperança.
Quatros anos depois de Bolsonaro como presidente, sua derrota eleitoral é realmente uma oxigenação no ambiente. Essa sensação de paralisia e perda de tempo que o Brasil viveu, poderia ser resumida por essa frase de um poema de Pedro: “a sensação é de que estou no mesmo dia, há muito tempo”. Agora, é apressar o passo e a edição de “Fora de mim, eu mesmo” parece ser parte desta arrancada.
Segundo o jovem poeta, o Brasil é um país “de pensar com o fígado” por isso escreve assertivo, em um papo reto: “Se o índio virar artigo de museu jazerá a selva, E na jazida o minério será mais vivo que a vida”.
São bofetadas “ao gosto do povo” como as que apreciava desferir o poeta russo Maiakovski. Irônico, Pedro ataca como um moleque debochado: “…de tanto querer acelga no yakisoba, me orientei, o capitalismo é que é amargo, com seus capítulos atrozes de toda vez”.
Mas Pedro não tem somente pedras a atirar, é também um poeta que traz rosas nas mãos. Como em Nobreza da Simplicidade, onde termina liricamente assim: “O conforto daquilo que sempre conspira a nosso favor, meu sorriso tocando áureo teu sorriso”. E “sonhando pelos cotovelos” afirma sutilmente erótico em outra passagem: “A estrela mais quente do universo é teu umbigo”.
Novo período no país
Indagado sobre como a mudança no país, com o início do governo Lula, pode afetar a perspectiva da criação literária, Pedro fez esta reflexão a pedido da RBA:
Considero que a poesia é autônoma e suficiente por si mesma. Não necessitaria de toques em tom de denúncia ou de crítica política e social. Mas ela tem também essa potência. Também pode explorar esse terreno. Embora corra-se até o risco para o poeta que se aventura nessa jornada, de escrever panfletos, perdendo por vezes muito do lirismo.
Porém, quando estão na ordem do dia as questões da fome, do genocídio, das contrarreformas, da carestia, das mazelas, do desmatamento da floresta, dos povos originários sendo assolados, dentre outros tantos absurdos, num cenário de terror que obedece a agenda do capital, como é e foi deliberadamente o governo Bolsonaro, creio que o artista ou o poeta nesta condição e minimamente comprometido anseia que sua poesia seja para além das flores, armas de combate.
Que a palavra em seu potencial criador sirva para cutucar, ou despertar sensações mesmo que aparentemente subliminares, de insatisfação social.
Penso que num novo governo Lula abre-se um caminho de maior apoio cultural, de maior valorização do artista, e por conseguinte, a longo prazo, surja poetas e escritores cada vez mais equipados e leitores mais interessados. Diria esperançosamente que essa é a tendência.
Mas frisando sempre que a poesia não pode perder de vista uma certa inconformidade, mesmo nos momentos de maior avanço político e social. Acredito que cada poeta tem a tarefa íntima e coletiva de advogar para as utopias. Para sempre um vislumbrar mais além.
O livro foi publicado por uma editora fora do circuito comercial, de Curitiba, chamada Terra sem Amos, tem 70 páginas e acurado tratamento gráfico. A apresentação é do poeta e crítico Ademir Demarchi e a foto da capa, do fotógrafo Tasso Scherer. Quem desejar adquirir um exemplar, ele custa R$ 30 e pode ser solicitado pelo e-mail pedrovhomem@gmail.com
Fonte: RBA