Moro numa localidade rural, na Grande BH. No lado quente, como diria o escritor e cronista Eduardo Almeida Reis para definir o outrora promissor vetor norte da região metropolitana. Até alguns anos atrás, eu não sabia o que era falta de luz. Eram os tempos em que a Cemig fornecia “a melhor energia do Brasil”.
Para fazer jus ao slogan, a estatal tinha um eficiente quadro próprio de funcionários que, pouco antes da estação das chuvas, fazia a manutenção da rede elétrica, conferindo as condições dos transformadores e reduzindo a envergadura de árvores que pudessem cair sobre os fios, entre outras providências.
Na última década, o quadro começou a mudar. Era só cair uma chuva mais forte que a luz caía com ela. Nos primeiros tempos, o serviço era prontamente restabelecido e a ocorrência não chegava a incomodar. Aos poucos, porém, a coisa piorou. Há cerca de cinco anos, a energia começou a faltar por qualquer ventinho e por muito tempo. Naquela época, ligávamos para o 116, número de telefone que a Cemig disponibiliza para comunicar a falta de luz e éramos prontamente atendidos.
O operador anotava os dados e nos dizia em quanto tempo o serviço seria restabelecido. Nunca erravam; às vezes, a luz até voltava algum tempo antes do previsto. Nos últimos anos, a falta de luz passou a ser rotina na estação chuvosa e até o contato virtual com a concessionária piorou. Começamos a conviver com longos períodos sem luz e igualmente longos períodos pendurados no telefone para ter alguma notícia. Quando conseguíamos finalmente falar com algum atendente, ele simplesmente dizia que não havia previsão para a volta da energia.
Chegamos na estação das chuvas de 2019. Neste sábado (26), a ventania que precedeu uma chuva modesta apagou tudo no lugar onde moro às 16:30 horas. A luz voltou às duas da manhã, com evidente desconforto para quem enfrenta este calor senegalês – com todo o respeito ao povo de Dacar. Durante todo esse tempo, nenhuma linha do 116 estava disponível. Não foi possível sequer comunicar a queda da energia.
Nestes últimos anos, muita coisa aconteceu, como o aumento perceptível das tarifas de energia elétrica e a terceirização em massa dos serviços da concessionária. Quando os funcionários da Cemig faziam manutenção na rede para evitar queda de energia, eles não só se preocupavam com o usuário como também consigo mesmos – com perdão da redundância. Afinal, nada pior do que levantar no meio da noite e debaixo de chuva para consertar a rede elétrica.
E aí começam a pipocar as perguntas que não querem se calar. Se prevenção é sempre mais barato, porque as empresas “a serviço da Cemig” não fazem mais a manutenção preventiva? Se, nas mãos dessas empresas, a manutenção da rede está tão lastimável, o que vai acontecer quando privatizarem tudo?
Junto às perguntas incômodas, chegam as teorias da conspiração. Será que um serviço tão caro e fuleiro, que produz desconfortos tão grandes e seguidos, não é uma estratégia para convencer os mineiros de que a Cemig não presta e que é melhor vendê-la, como quer o governador Romeu Zema? Afinal, a privatização prevê uma consulta pública e nada melhor que uma população irritada para aprová-la, não é?
Fonte: por Bianca Alves, no blog Os novos Inconfidentes - ela é editora do site Novos Inconfidentes, é formada em Comunicação Social pela UFMG, trabalhou na revista Isto É e no jornal O Tempo e colaborou como cronista e redatora em várias publicações.