“Já vivemos tempos de política de igualdade racial e de gênero no Brasil (…) Tudo isso sofre retrocessos e riscos hoje“, afirma a ex-ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes. Ela participou no dia 25 do seminário “Diversidade de Gênero e Raça” promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Nilma foi ministra durante os anos de 2015 e 2016, sob a presidência de Dilma Rousseff. A pedagoga, primeira mulher negra a ser reitora de uma universidade pública federal no Brasil, comentou sobre o cenário atual das políticas públicas de igualdade no país.
Nilma elencou algumas políticas importantes na área, que cumpriram papel de redução das desigualdades no Brasil. Políticas que passaram a ser atacadas e desmontadas a partir do governo golpista de Michel Temer (MDB) e depois, com Jair Bolsonaro (PL). “A agenda neoliberal de negação de direitos, retomada com o golpe de 2016, tem cumprido um papel de desmonte do Estado de bem-estar social. Vemos a tentativa da destruição das políticas públicas e uma série de ameaças ao Estado Democrático de Direito. Isso afeta o campo das ciências e da igualdade”, argumenta.
“No contexto destas políticas que já foram realizadas, algumas estão interrompidas e outras totalmente destruídas neste momento. De 2003 a 2016 tivemos a criação do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que assessorava, junto da Assessoria de Promoção da Igualdade Racial, as políticas a serem construídas. Temos o decreto 487 de 2003 que regulamenta o procedimento de identificação, reconhecimento e demarcação de terras quilombolas. Tivemos o Projeto Brasil Quilombola”, lembra.
Tempos melhores
A ex-ministra participou do debate ao lado de acadêmicos da área de promoção da igualdade como parte da série “Projeto para um Novo Brasil“, da SBPC. A ideia da entidade é discutir temas relevantes para a sociedade e, a partir destes encontros, consolidar documentos a serem entregues aos candidatos dos diferentes cargos em disputa no pleito de outubro. “O objetivo desta série de seminário é chegarmos a respostas concretas. Propostas concretas para apresentarmos para os candidatos. Não apenas à presidência, mas também do Legislativo. Propostas consensuadas para vermos quais candidatos vão se comprometer. Depois, vamos cobrar”, disse o presidente da SBPC, ex-ministro da Educação e filósofo Renato Janine Ribeiro.
No campo da igualdade social, os pesquisadores apresentaram propostas e, sobretudo, lembraram que o país “não começa do zero”. Apesar dos desmontes recentes, existem mecanismos, leis, decretos e órgãos que foram criados durante os governos dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. ” Para avançarmos, precisamos pensar nas bases que já foram construídas. É preciso lembrar dos marcos que temos. Não estamos começando do zero, não estamos inventando. Apenas estamos exigindo que as candidaturas, que os programas de governo, lembrem de todos os processos. É preciso que órgãos públicos assumam o compromisso de inclusão de pessoas em situação de desigualdade; negros, portadores de deficiências, indígenas e quilombolas. Sem esse monitoramento constante, teremos muita dificuldade para revisões justas. Precisamos aprimorar, aperfeiçoar”, lembrou o pesquisador membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Unifesp, Cleber Santos Vieira.
Histórico de igualdade
Como disse Cleber, o Estado brasileiro possui instrumentos relevantes que devem ser retomados por um próximo governo democrático, após o possível fim da gestão autoritária bolsonarista. “De 2003 a 2016 tivemos a criação do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que assessorava, junto da Assessoria de Promoção da Igualdade Racial, as políticas a serem construídas. Temos o decreto 487 de 2003 que regulamenta o procedimento de identificação, reconhecimento e demarcação de terras quilombolas. Tivemos o Projeto Brasil Quilombola”, lembrou Nilma.
“Não podemos nos esquecer do decreto 6.040 de 2007 que instituiu a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais. Também a portaria 992 de 2009, que instituiu a política nacional de saúde integral da população negra. Temos a Lei 12.288/10, o Estatuto da Igualdade Racial. Tivemos o Plano Juventude Viva, uma articulação de diferentes ministérios. Tivemos ums série de conferências nacionais de promoção da igualdade racial. Conferências nacionais de políticas para as mulheres”, prosseguiu.
A ex-ministra completou a exposição de exemplos de políticas que devem ser retomadas: “Também tivemos o decreto 8.136 que criou o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, para atender ao Estatuto. Criamos a reunião de alteridade dos direitos dos afrodescendentes no âmbito do Mercosul. Para mulheres, tivemos o programa Mulheres Vivas sem Violência, que atendeu as casas das mulheres brasileiras, inclusive ribeirinhas, para combater a violência de gênero. Criamos o disque 180, os núcleos de atendimento às mulheres em situação de tráfico nas fronteiras”.
Para avançar
A pró-reitora de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Joana Maria Pedro, reconheceu os instrumentos dos governos petistas e cobrou por avanços nos tempos vindouros. ” Em primeiro lugar, temos que pensar na descriminalização do aborto, feito pelo SUS, com assistência. Em segundo, educação sexual nas escolas de ensino fundamental e médio, para ensinar a previnir o abuso, o estupro, a gravidez e as DSTs. Discussões sobre sexualidade para previnir homofobia e transfobia. Isso é ciência. É ciência se dar conta de todos os seres humanos, que todos têm identidade e diferenças que não podem impedir a dignidade da existência”, disse.
Joana defendeu a educação como instrumento para combater desigualdades e abusos contra grupos vulneráveis. “Precisamos tornar as histórias das mulheres um tema tranversal na formação de professores e professoras; criar cursos de formação continuada sobre questões de gênero, sexualidade, antirracista, contra homofobia e transfobia. Temos que promover no SUS programas de saúde da mulher integral. Programas de prevenção de DST para homens e também vasectomia. Temos que pensar em creche para todas as crianças. Além disso, salário igual para igual trabalho e, por último, listas fechadas para eleições proporcionais, com alternância entre mulheres e homens nestas listas de partidos”.
Fonte: Rede Brasil Atual