A foto a que a reportagem de O TEMPO teve acesso é impublicável. Um vergalhão de ferro entrou próximo do olho direito, deixando o órgão pendurado apenas pelo nervo óptico, passou por trás do nariz e saiu pouco abaixo do olho esquerdo do operário Atamir de Almeida Costa, 36.
Quem viu as imagens fortes jamais acreditaria que o homem, que se acidentou na última segunda-feira (13), estaria vivo para denunciar, já na quarta-feira (15), as irregularidades da empresa para a qual trabalhava. Mas foi o que aconteceu.
Em um vídeo gravado pelo homem dentro do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, ele conta como o acidente aconteceu. "Eu subi no pilar e ele não estava travado direito. Quando eu virei para o lado a forma caiu. Não deu para me defender, não tinha andaime e o material não era adequado para o serviço. E assim está vindo há muito tempo. A gente pede e eles falam que não dá, que é para a gente se virar do jeito que dá. Não tem cinto, nem lugar para amarrar. Capacete não tem. Luva só o pessoal da Suggar que leva para a gente, mas não é adequado nem para carpinteiro trabalhar", denunciou.
Em seguida, Atamir pede que as autoridades verifiquem a regularidade da obra, que aconteceria dentro de um terreno da fabricante de eletrodomésticos Suggar, no bairro Pilar, no Barreiro, apesar dos operários não terem sido contratados pela empresa.
"A gente não tem nada e, quando a gente fala, eles acham ruim. Não tinha médico nem ninguém para me socorrer. Nem material de trabalho a gente tem. Quando passa mal, até a hora que a gente vai para o médico eles cortam. Aí acontece o que aconteceu", lamentou o homem, que segue internado na enfermaria, conforme divulgado pela assessoria do hospital.
De acordo com outro operário da obra, que preferiu não ser identificado, Atamir já trabalhava no local há cerca de um ano. "Ele e vários outros já tentaram levar a carteira, mas eles não assinam. A maioria segue sem carteira assinada. Além disso, quatro dos cerca de 15 operários da obra já estão aposentados por invalidez. Sem falar na falta de equipamentos de segurança", lembra o colega da vítima.
O homem conta que a obra é de propriedade da Suggar, porém, quem os contratou foi um técnico chamado Eduardo, que seria funcionário da fábrica. "A construção é de um novo galpão, mas esse Eduardo não assinou carteira de ninguém. Terminamos a parte de baixo e já estamos erguendo os pilares para bater a segunda laje", explica o operário.
A obra foi suspensa após o acidente e os trabalhadores foram informados de que a semana seria paga normalmente. "Se não pagarem, na segunda-feira (20) iremos todos para a porta da Suggar", garantiu. Ainda de acordo com o colega de trabalho de Atamir, a família dele sequer foi procurada pela empresa, mas apenas por um fiscal que buscou a carteira do operário, a princípio com objetivo de assiná-la.
Bombeiros notaram irregularidades
No Boletim de Ocorrência registrado pelo Corpo de Bombeiros no dia do acidente, algumas irregularidades foram constatadas pelos militares. "No local não foi encontrado técnico de segurança do trabalho, não foi apresentado CNPJ da empresa e nem alvará de funcionamento", diz o registro.
Em seguida, a corporação recomenda que o relatório seja enviado ao Ministério do Trabalho, para que a regularidade da obra seja averiguada. Procurada pela reportagem, a Suggar se limitou a dizer que o terreno e a obra "não pertencem à Suggar".
Entretanto, segundo moradores, é difícil de acreditar na versão da empresa. "Tudo aqui é deles, praticamente o bairro todo. Se os operários estão falando que é, provavelmente é verdade", disse uma mulher que não quis ser identificada. O TEMPO procurou a assessoria do Ministério do Trabalho nesta quarta-feira, mas ninguém foi encontrado.
Fonte: O Tempo