Não é surpresa para ninguém ouvir que o Brasil é um país de contradições. Atualmente, um dos principais temas que mostram um desses contrassensos gira em torno da carga tributária. Por aqui, vimos representantes dos setores mais abastados da sociedade vociferarem e protestarem pelas ruas contra a nossa elevada carga tributária, dizem que “o povo não aguenta mais impostos”, será?
No cerne da questão estão as disputas sobre o retorno da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e alteração da tabela do Imposto de Renda. Representantes de setores da indústria e empresários têm se posicionado fortemente contra alterações nos dois impostos. Em outubro do ano passado, até uma curiosa ave da nossa fauna acabou tornando-se símbolo dessa disputa: o pato. À época, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, garantiu, em nome do povo brasileiro: “Nós não vamos pagar o pato”. Mas será que a carga tributária brasileira pesa mesmo no bolso de todos e de maneira igual?
De acordo com dados da cartilha “Sistema Tributário – Diagnóstico e elementos para mudanças”, elaborada pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), a carga tributária brasileira bruta saltou de 30,25% para 34,84% do PIB no período de 2000 a 2012, sendo mais alta que a de muitos países desenvolvidos. Entretanto, o estudo aponta que mesmo com a alta arrecadação, a concentração de renda no Brasil é uma das mais injustas do mundo, equiparando-se à de alguns países da África Subsaariana.
Um dos fatores que explica a má distribuição de renda é a pressão que os impostos exercem sobre as parcelas mais pobres da população. Segundo o Sindifisco, “o aumento da carga tributária brasileira foi obtido, basicamente, com tributos incidentes sobre o consumo, que não distinguem os contribuintes com maior capacidade financeira - quem ganha menos paga igual a quem ganha mais”.
Na contramão dessa lógica está justamente a incidência de tributos sobre a renda e a propriedade. “Em 2012, 54,6% da carga tributária incidia sobre o consumo, enquanto que os incidentes sobre a renda e a propriedade somavam 31% e os demais tributos, 14,4%. Em 2009, os 10% mais ricos da população pagaram 21% de sua renda em tributos, enquanto que os 10% mais pobres pagaram 32%”, explica o documento.
O pato, portanto, já vem sendo pago há tempos no Brasil pelas parcelas mais pobres da população brasileira.
CPMF
A contribuição sobre movimentações financeiras talvez seja o principal alvo da elite. De acordo com nota da Federação Brasileira dos Bancos, a CPMF possui “ampla cobertura, menor impacto inflacionário, simplicidade e maior rapidez de implantação em relação a outros tributos”. Além disso, representaria uma arrecadação extra na casa de R$ 32 bilhões aos cofres federais, levando em conta a primeira proposta do Planalto que tinha alíquota fixa prevista em 0,2%. Portanto, quem movimenta mais, paga mais. Além disso, a arrecadação seria integralmente para garantir a saúde pública.
Outra característica da CPMF que é pouco divulgada pelas elites e pelo empresariado parece assustar muita gente. O imposto permite o rastreamento de sonegadores, já que pode identificar o percurso feito pelo dinheiro. “Esse é um tributo que se a Justiça permitisse ao Fisco utilizar os dados para efeitos de fiscalização, seria uma medida que introduziria rápido saneamento dos hábitos tributários brasileiros. Eu não tenho a menor sombra de dúvida”, afirmou o professor titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcos Cintra, em entrevista ao portal Rede Brasil Atual.
Imposto de renda
Reivindicação antiga da classe trabalhadora, a revisão da tabela do imposto de renda representaria, de acordo com especialistas, outra via possível para mitigar o abismo da distribuição de renda no país. Em entrevista concedida à revista Carta Capital em 2015, o ex-secretário de Finanças de São Paulo, Amir Khair, estimou que a taxação de patrimônios renderia aproximadamente R$ 100 bilhões anuais em arrecadação, se aplicada sobre valores superiores a R$ 1 milhão, além de ser uma medida desenvolvimentista em essência, já que não atingiria aquilo que é essencial aos trabalhadores.
“[Taxando] Patrimônios de cerca de R$ 1 milhão você já tira dessa tributação 95% ou 98% da população brasileira. Então essa tributação vai incidir em 2% ou 5% da população. E não precisa colocar alíquotas elevadas, essas alíquotas podem ficar no nível de 1% no máximo e ter, ainda assim, potencial de arrecadação [R$ 100 bi anuais]”, defende Khair.
Na nota técnica “Imposto de Renda Pessoa Física: Propostas para uma Tributação mais Justa” o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) defende a correção anual da tabela atual pela inflação, “como forma de manter a estrutura de contribuição dos assalariados para o fisco e, em seguida, a criação de uma nova estrutura de tributação que contemple novas faixas de rendimento”.
A íntegra do documento pode ser encontrada no link http://goo.gl/fR4OLv.