A lei 14.611/2023 da Igualdade Salarial, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sem dúvida, foi uma grande conquista das mulheres, mas apesar de que esses direitos já estivessem na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e na Constituição Federal ainda não havia formas de fiscalização e garantias do seu cumprimento, o que pode mudar com a nova lei.
No entanto, há ainda por detrás do seu cumprimento o machismo e o patriarcado enraizados na sociedade brasileira que têm, muitas vezes, na figura da mulher, a pessoa que cuida do lar, dos pais e dos filhos, não precisando ser remunerada pelo trabalho de cuidados.
Para especialistas ouvidas pelo Portal da CUT, esses fatores precisam ser abertamente debatidos na sociedade desde a idade escolar para que meninos e meninas saibam que têm direitos iguais. Ao mesmo tempo, representantes masculinos do sindicalismo têm de estar ao lado das mulheres enxergando-as como trabalhadoras iguais, para que elas deixem de ter os piores indicadores de desemprego, subutilização e taxa de ocupação muito baixa.
Em linhas gerais, como o capital sempre se apropriou do trabalho das mulheres para acumular mais lucro, esses gargalos precisam ser superados para que a lei da igualdade salarial seja de fato implementada o mais breve possível. Uma das formas defendidas para combater o machismo e o patriarcado é a criação de campanhas informativas e educacionais e uma fiscalização efetiva por parte também de trabalhadoras e trabalhadores.
Esse é o debate que a secretária da Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT Nacional, Amanda Corcino, a secretária Nacional de Autonomia Econômica e Políticas de Cuidado do Ministério das Mulheres, Rosane Silva, e a economista e professora da Unicamp, Marilane Teixeira, que há 20 anos pesquisa o mercado de trabalho, apresentam sobre a aplicabilidade da lei e seus objetivos.
Para que a lei seja o mais rápido possível entendida pela sociedade brasileira e que seja cobrada a sua efetiva aplicação por parte das empresas, a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT Nacional, defende que é preciso campanhas de esclarecimento dos direitos das mulheres.
“O governo deveria promover uma campanha para que a gente pudesse fazer um debate junto à sociedade, para que as mulheres tenham conhecimento que existe uma lei que garante a igualdade salarial, remuneratória e para que todos saibam que não vamos admitir mais que as mulheres, que fazem as mesmas atividades que homens, ganhem mesmo”, diz Amanda Corcino.
Para ela, é reflexo da nossa educação o fato de as mulheres serem mais bem qualificadas, mas terem salários menores e, nos casos de gestão, os homens continuarem ocupando os espaços de poder.
“Tudo vem dessa construção e, por isso a gente precisa fazer esse debate, uma discussão sobre os currículos escolares começarmos desde cedo, educando nossos meninos e meninas sobre a igualdade, combatendo e desconstruindo esse machismo para que isso reflita em todo o país”, reforça Amanda.
A secretária Nacional de Autonomia Econômica e Políticas de Cuidado do Ministério das Mulheres, Rosane Silva, vai direto ao ponto sobre a necessidade de mudanças numa sociedade machista, patriarcal e capitalista.
“O nosso principal objetivo não é punir as empresas. O que nós queremos com a lei é mudar essa cultura machista e patriarcal. Todo mundo fala que a Bíblia é o livro mais antigo da sociedade humana. Eu digo, aonde está escrito na Bíblia que cuidar de criança, que cuidar da casa, que lavar, passar, cozinhar, cuidar de todo é tarefa das mulheres?”, questiona.
Ela cita como exemplos os tipos de trabalho feitos por mulheres para que possam prover suas famílias financeiramente e nos cuidados. De acordo com Rosane, no Brasil nunca se discutiu o tema do trabalho feito pelas mulheres no cotidiano das duas casas, que impacta na vida social e na participação delas no mercado de trabalho.
“As mulheres fazem o trabalho do cuidado por necessidade, porque não tem uma política de Estado, nem um compromisso das empresas com esse tema e elas acabam procurando aquele trabalho que muitas vezes são menos remunerados, sem nenhuma proteção social, mas é o que é possível ela conciliar o seu tempo laboral com o cuidado com a família”, diz, citando como exemplos o trabalho de faxina e a venda de produtos de beleza, bolos e outros produtos.
Formação
Em 2022, mulheres dedicaram mais de 925 horas aos afazeres domésticos, cerca de 354 horas (15 dias) a mais do que os homens, de acordo com estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
A economista Marilane Teixeira, ressalta que muitas mulheres afirmam que o principal motivo para estarem fora da força de trabalho é a necessidade de cuidar da família.
“No período dos últimos 30 dias, cerca de 31% delas, disseram ter de cuidar dos afazeres domésticos, dos filhos ou parentes. Para os homens esse percentual é 3%, uma diferença muito grande. Por isso que essa questão dos cuidados impacta muito na decisão das mulheres de se inserirem no mercado de trabalho”, diz.
A lei é muito positiva, prossegue a economista da Unicamp, “pois ela suscitou um debate na sociedade entre empregadores, trabalhadores e tem uma mobilização em torno da sua efetividade, além do presidente Lula estar cobrando isso, inclusive.
No entanto, Marilane reforça que a lei não é a única ferramenta. “Tem muita coisa que precisa ainda ser feita para reduzir as desigualdades, mas é um passo, a gente vai colocando um tijolinho em cima do outro”, ela diz ao citar que é preciso um conjunto de políticas públicas com o tema dos cuidados, que ganhou destaque nesse governo.
Fiscalização e o movimento sindical
O envolvimento mais profundo do movimento sindical nesse debate é necessário acredita Amanda Corsino.
“Temos que fazer uma campanha de fiscalização envolvendo o movimento sindical para que possamos mapear como estão distribuídas as diferenças salariais e quais os ramos e categorias em que essas trabalhadoras estão inseridas”, diz a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT.
O que diz a lei
As empresas com mais de 100 funcionários geraram relatórios com os valores dos salários pagos, cuja data final de entrega é nesta sexta-feira (8). Após a entrega, o Ministério do Trabalho e Emprego fará a análise e aplicarão posteriormente as devidas sanções, se houver necessidade. O resultado deve ser divulgado em meados deste mês.
“A gente precisava de um parâmetro e chegamos ao consenso de 100 funcionários porque empresas menores têm uma configuração mais familiar, a maioria dos trabalhadores se conhece e, é mais fácil eles saberem se aquela empresa pratica a igualdade salarial”, explica Rosane Silva. Ela conta que houve reuniões tripartites com representantes dos empresários, trabalhadores e do governo federal para que houvesse um consenso sobre a criação e regulamentação da lei.
Se a empresa apresentar diferenças salariais, a trabalhadora, ou mesmo o trabalhador, pode imediatamente acionar o Ministério de Trabalho e fazer uma denúncia. A empresa terá 90 dias para fazer um plano para mitigar as desigualdades salariais.
No entanto, a dirigente do Ministério das Mulheres observa que o Ministério de Trabalho, a partir do momento que tem esses relatórios de Transparência, ao identificar as disparidades, já pode agir, sem precisar esperar a denúncia.
Empresas de menor porte têm de seguir a lei da igualdade salarial
Embora o relatório tenha de ser gerado por empresas com 100 funcionários, isso não significa que uma empresa com menor número pode descumprir a legislação.
A empresa de menor porte só está desobrigada de entregar o relatório de transparência. Mas, toda trabalhadora que se sentir lesada em seus direitos pode fazer a denúncia, seja no Ministério do Trabalho ou no Ministério Público do Trabalho (MPT), independentemente do tipo de empresa em que ela trabalha.
“Todas as denúncias são anônimas. Tem um link no Ministério do Trabalho específico pra fazer as denúncias em relação à desigualdade salarial. A denúncia pode ser feita também por telefone”, explica. O governo disponibilizou os telefones Disque 100, Disque 180 e Disque 158 para receber essas denúncias.
Penalizações
As empresas que não seguirem a lei da igualdade salarial estão sujeitas a:
Implementar um plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho;
Multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens e;
No caso de infração a multa corresponderá a 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, elevada ao dobro, no caso de reincidência, sem prejuízo das demais cominações legais.
Debates
Para se chegar à aprovação da lei, houve muitos debates internos no governo, envolvendo diversos ministérios, conta Rosane Silva. “O Ministério das Mulheres conduziu e coordenou essa articulação política dentro do Congresso Nacional. A lei é fruto desse processo de construção coletiva que incluiu as organizações de trabalhadores”, ela diz.
Após a sanção do presidente, no dia 13 de julho do ano passado, teve início a discussão da regulamentação, ou seja, sobre os procedimentos para que as empresas cumpram com a lei. Rosane Silva frisa ainda que é importante deixar claro que houve espaço de diálogo com representantes de empresas, trabalhadores e de bancadas do Parlamento, mesmo o governo federal não tendo essa obrigação, até haver um acordo para a regulamentação da lei.
“Pelo próprio compromisso de Lula com o diálogo social, achamos importante ter esse espaço de debates. Tanto que a sanção da lei, a regulamentação só aconteceu em novembro [2023], exatamente por causa desse processo de debates para tirar dúvidas sobre como seria a aplicação da lei. A gente atendeu todo mundo que pediu agenda para tratar desse tema”, afirma.
Fonte: CUT, por Rosely Rocha