Ícone de várias gerações, Rita Lee morre aos 75 anos, em São Paulo



Ícone de várias gerações, Rita Lee morre aos 75 anos, em São Paulo

Não só o rock, mas a cultura como um todo, perdeu uma de suas expressões mais presentes ao longo dos últimos quase 60 anos. Rita Lee Jones, a ‘titia’ Rita, a rainha do rock, deixa órfãos os brasileiros e brasileiras que durante toda sua trajetória fizeram de suas músicas e atitudes, partes de suas vidas.

Rita Lee morreu na noite desta segunda-feira (8), em sua casa, em São Paulo, vítima de um câncer de pulmão, diagnosticado em 2021. Ela estava em tratamento desde então contra a doença.

Velório aberto ao público

A pedido da própria cantora, seu corpo será cremado, em cerimônia íntima para os familiares. Porém, o velório será aberto ao público, no Planetário do Parque Ibirapuera, nesta quarta-feira (10), das 10h às 17h. O comunicado da passagem de Rita foi feito pela família, nas redes sociais da cantora, nesta manhã.

"Comunicamos o falecimento de Rita Lee, em sua residência, em São Paulo, capital, no final da noite de ontem, cercada de todo o amor de sua família, como sempre desejou", dizia a postagem.

Rita

“Rita Lee não tem fim”. É desta forma que a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, se refere à cantora. Ela fala que Rita se sobrepôs a regras e amarras impostas pela sociedade para ser peça-chave em um movimento de contracultura e de quebra do status-quo em uma época de cerceamento de liberdades.

“Ela não se colocava no lugar de fala de feminista, por exemplo. Mas fazia parte de um movimento que questionava e se rebelava contra um sistema machista, ultrapassado”, diz Juneia

Por isso, diz Juneia, Rita estava não só estava à frente de um tempo, como influenciou várias gerações a estarem, também, na vanguarda da busca pela liberdade.

Bem-humorada de uma forma muitas vezes ácida, transgressora, rebelde, revolucionária, libertária. Quaisquer adjetivos para citar Rita Lee, na verdade, são insuficientes para mostrar que a artista inspirou e foi referência, como afirma Juneia Batista, para "não uma, nem duas, mas várias gerações".

“Ela sempre fez o que acreditou e, durante a ditadura, representou a rebeldia da juventude. O mais fascinanente é que essa rebeldia durou toda sua vida, transformando Rita no ícone que é”, citou Juneia.

Do começo da carreira, ainda com os Mutantes, banda da qual foi expulsa em 1972 por, segundo os outros outros membros, ‘não estar em consonância’ com o tipo de som, o rock progressivo, pretendido pelos demais músicos, a cantora, compositora e multi-instrumentista seguiu em frente, lançando outros álbuns.

Resistência à ditadura militar

Em 1975, com a banda Tutti Frutti, ela chegou ao ápice de sua carreira até então com um dos mais clássicos discos da história da música brasileira, o “Fruto Proibido”, considerado um marco na música nacional. A obra reforçava a vertente revolucionária da cantora por trazer à música temas que dialogavam com as mudanças sociais e culturais à época, ainda sob a mira da opressão da Ditadura Militar. Nos anos 1960 e 1970, ao mesmo tempo em que havia perseguição, com parte conservadora da sociedade impondo os conceitos de bons costumes, era latente o anseio pela liberdade de corpo e de alma e, sobretudo, de voz.

E Rita, a bem da verdade, junto com outros importantes artistas, era a mulher que mais bem representava e traduzia a vontade de quebrar as correntes. Ainda no álbum Fruto Proibido, ela trouxe temas como feminismo (em Luz del Fuego), críticas a ter sido excluída de sua banda anterior (em Ovelha Negra) e uma ode à liberdade, em Agora só falta você, canção em que ela diz “Um belo dia resolvi mudar e fazer tudo o que eu queria fazer. Me libertei daquela vida vulgar que eu levava junto a você”.

A música, além de inspirar sobre cada um ser livre, se desvencilhar de amarras, também pode ser interpretada como uma canção de resistência à ditadura, versada em metáforas indicando resistência contra o regime.

Nos anos seguintes, álbum após álbum, Rita Lee, época em que se casou com o também músico e instrumentista Roberto de Carvalho, firmando a parceria que duraria até hoje, firmava seu sucesso e sua voz como uma legítima representante do rock brasileiro.

“Refestança”, com Gilberto Gil, Saúde, Baila Comigo, Bombom, Zona Zen e várias outras obras primas foram lançadas, frequentando de paradas de sucesso a trilhas de novelas, mas sempre passando pela absoluta preferência do público brasileiro, de todas as idades. Havia o conceito de ‘música comercial’, para se tocar nas FM´s, mas acima de tudo era Rita Lee.

Prisão

Rita Lee foi presa durante a ditadura militar, acusada de portar maconha. Na época ela estava grávida do seu primeiro filho com Roberto de Carvalho, e exatamente por isso afirmou que a acusação era uma mentira. Em sua última apresentação pública em 2012, em Sergipe, ela e e Roberto foram presos por pararem o show que faziam para criticar a polícia que revistava seus fãs, próximos ao palco.

“Sou do tempo da ditadura. Pensam que tenho medo?’, disse Rita aos policiais. Ao final do show ela e o marido foram enquadrados pelo crime de “desacato e apologia ao crime ou ato criminoso”.

A figura da mulher

‘Não viemos da costela do macho, somos filhas da Deusa-Mãe do universo’. Com essa frase, no Dia Internacional da Mulher em 2021, aos 73 anos, Rita Lee, que em 2008 havia declarado não ter nascido para ‘casar e lavar cuecas’, mais uma vez fincou sua bandeira de luta pelas mulheres. A mesma publicação acabou gerando revolta em parte de seus seguidores, já que ela começou o texto fazendo alusão à vagina para se referir à mulher.

Ainda que a referência tenha sido feita de forma lúdica, foi contestada por ter, supostamente, resumido ao órgão a condição para ser mulher e, por isso, ter excluído transexuais, por exemplo.

Outra canção de Rita que aborda ‘na veia’ o tema mulher é Rosa Choque, do álbum Rita Lee e Roberto de Carvalho, lançando em 1982. Com versos eternizados na cultura popular, a música traz a expressão de Rita sobre o que é ser mulher.

“Sexo frágil Não foge à luta E nem só de cama Vive a mulher”

Ainda nesta canção ela aborda temas como a menstruação, além da sexualização e da objetificação do corpo feminino. “Não provoque, é cor de rosa-choque”. Com essas palavras Rita mostrava que, de fato, era um dos expoentes à frente de seu tempo em uma época em que vozes eram silenciadas e ideias eram sequestradas.

Para Juneia Batista, é inegável a importância do legado deixado por Rita Lee, tanto por meio de sua obra como de seu comportamento. “Uma das músicas que mais representa as mulheres hoje é Pagu”, ela diz.

A letra da canção traz os versos “Nem toda feiticeira é corcunda; Nem toda brasileira é bunda; Meu peito não é de silicone, sou mais macho que muito homem”. Para Juneia, essa é a postura que as mulheres, hoje, têm que manter para sobreviver em nossa sociedade.

Ativismo e os últimos anos

A rainha do rock, que guarda feitos como ter sido a principal exigência feita pelos Rolling Stones como abertura do show da banda, no Brasil em 1995, no extinto Hollywood Rock, afirmou, recentemente, que gosta mais do título ‘padroeira da liberdade’ do que rainha do rock.

Outras alcunhas atribuídas a ela são “Santa Rita de Sampa” (ela é paulista nata, nascida na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo), Titia Rita, Vovó Rita, entre outras. Ainda em vida, foi homenageada no Grammy Latino de 2022, pelo conjunto de sua obra. Seu filho, Beto Lee, excursionava com músicos convidados com um show baseado na obra de sua mãe, eterna desde sempre.

Ela morava na Serra da Cantareira, zona norte da capital paulista, em um sítio ‘no meio do mato’, como gostava de dizer e se dedicava a escrever livros infantis. Música e cantoria, somente nas redes sociais em algumas postagens. Ela havia se aposentado em 2014.

“Ela significa toda uma era, uma juventude eterna. Sua música era jovem, mas também era adulta, era universal; falava para todos e falava pra sempre. Espero que ela esteja fazendo suas bagunças maravilhosas em outro plano”, diz a dirigente da CUT.

A vida, reforça Juneia, "se refaz, seja aqui, em qualquer lugar. Rita é e será eterna”. Rita será para sempre.

Por Andre Accarini, da CUT

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