Herança maldita: Reforma da Previdência de Bolsonaro é mais cruel para os pobres



Herança maldita: Reforma da Previdência de Bolsonaro é mais cruel para os pobres

 

O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, vão deixar um enorme legado de prejuízos para a classe trabalhadora do campo e da cidade, mas a herança mais maldita até agora é a reforma da Previdência, que a dupla conseguiu aprovar no primeiro ano da gestão, o que acabou com o sonho de milhões de trabalhadores de um dia se aposentarem e ainda reduziu o valor das pensões pagas às viúvas.

Com o discurso absurdo de que quem se aposentava com R$ 2,2 mil era rico, e que o país quebraria se não acabasse com o déficit da Previdência Social, Bolsonaro/Guedes aprovaram uma reforma que atinge principalmente os mais pobres, que podem morrer antes de conseguir cumprir os critérios para se aposentar.

E essa foi apenas a primeira medida de ataque a direitos de um governo que em três anos e seis meses não apresentou um projeto sequer de geração de emprego e renda. Afinal, é com carteira assinada que o trabalhador contribui com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e enche os cofres com recursos para pagar os direitos de aposentados, pensionistas e beneficiários da Previdência. Em 2014, no governo da presidenta Dilma Rousseff (PT), o Brasil tinha pleno emprego: os desempregados somavam 4 milhões, contra os 11 milhões de hoje, e o caixa da Previdência tinha superávit.

Mas o discurso bolsonarista distorce os fatos e, ajudado pela bancada da direita do Congresso Nacional, aprovou e promulgou a reforma da Previdência em poucos meses, em 2019.

Confira porque a herança é maldita

As novas regras da Previdência preveem que homens se aposentam a partir de 65 anos de idade e mulheres aos 62 anos.

Também ficou definido 15 anos de contribuição mínima para mulheres e 20 anos para os homens.

Quem quiser se aposentar com o salário integral, com o teto hoje de R$ 7.087,22, tem de contribuir por 40 anos.

Os trabalhadores e trabalhadoras mais pobres são os mais afetados com as novas regras, de acordo com o Secretário-Adjunto de Relações Internacionais da CUT nacional, Quintino Severo, ex-integrante do Conselho da Previdência formado por representantes do governo, dos trabalhadores, dos empresários e dos aposentados.

“A reforma da Previdência penaliza os pobres porque eles começam a trabalhar com 15, 16 anos para ajudar no sustento de suas famílias, ao contrário da classe média que começa a trabalhar por volta dos 25 anos, após se formar na universidade”, explica o dirigente.

“Com a idade mínima, o jovem pobre vai trabalhar 50 anos para se aposentar, contra os 40 da classe média. O mesmo vale para as mulheres”, ressalta Quintino.

Outras propostas extremamente cruéis que a dupla queria aprovar, foram barradas no Congresso. Uma delas previa a diminuição do valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos pobres a partir dos 65 anos, de um salário mínimo (R$ 998,00, em 2019) para apenas R$ 400,00.

Ao perceber a dificuldade para aprovação, a equipe econômica do governo, chefiada por um banqueiro, ainda tentou enganar a população. Propôs a diminuição da idade dos idosos de 65 anos para 60 anos, mas, a proposta original dizia que somente a partir dos 70 anos os idosos em condição de miserabilidade teriam direito ao benefício de um salário mínimo integral como é hoje. A maioria morreria muito antes de começar a receber o BPC.

E porque o benefício é tão importante na atual conjuntura?

Receber o BPC será a solução de milhares de pessoas pobres que não conseguiram contribuir por tanto tempo, ainda mais num cenário de crise econômica e de alto desemprego, acredita o pesquisador da Universidade de Brasília, Remígio Todeschini.

“Quem atingir a idade mínima, mas não tem os 15 anos de contribuição ainda poderá receber o BPC, mas se a renda familiar for maior do que meio salário mínimo, vai ter de tirar do próprio bolso para chegar ao tempo mínimo de contribuição”, explica Todeschini.

Órfãos e viúvas deixados à míngua

A reforma foi extremamente prejudicial para a economia doméstica, para o sustento das famílias. As pensões por morte não são mais de 100% do valor do benefício recebido pelo trabalhador falecido. As viúvas, viúvos e órfãos têm direito a somente 60% do valor do benefício.

Nos casos das viúvas e viúvos com filhos menores de 21 anos, não emancipados, é pago um adicional de 10% por dependente. O valor é limitado a 100% do benefício ou quatro filhos menores. O filho ou a filha que atingir a maioridade deixa de receber os 10%. A viúva e/ou viúvo receberão apenas os 60% a que têm direito.

Se o trabalhador que faleceu não era aposentado, a viúva ou viúvo terá direito a 60% da média de todos os salários do falecido, a partir de 1994, e não sobre os 80% maiores salários, como era antes.

“O desdobramento da redução das pensões é que cada vez mais o jovem pobre vai ter de começar a trabalhar mais cedo, deixando a escola em segundo plano, e mais uma vez ele perderá oportunidades de melhorar de vida, de ter um futuro mais digno, com saúde, trabalho e comida à mesa”, afirma Quintino Severo.

As mais de 660 mil mortes na pandemia da Covid-19 retrataram bem a miséria a que foi jogada as famílias que perderam seus provedores. Um estudo da economista e pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2020, já apontava que se as mortes continuassem no patamar de mil por dia, em média, estaria em risco os rendimentos de 4 milhões de adultos e um milhão de crianças e adolescentes até 15 anos de idade.

Para a pesquisadora do Ipea, a Covid-19 mostrou a extrema importância dos benefícios sociais e da Previdência e da seguridade social para as famílias mais vulneráveis e para a economia do país.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, em 2018, dos 71,3 milhões de domicílios brasileiros, 33,9% tinham ao menos um idoso residindo. Nesses domicílios moravam 62,5 milhões de pessoas, das quais 30,1 milhões eram não idosas, sendo que 16,6 milhões não trabalhavam.

O idoso contribuía com 69,8% da renda destes domicílios e 56,3% de sua renda vinha de pensões ou aposentadoria. Esses números se referem a aposentados antes da pandemia, mas mesmo sem ter um levantamento de quantos trabalhadores e trabalhadoras ainda na ativa morreram em consequência de complicações causadas pela Covid-19 na pandemia, é possível imaginar um neúmero ainda maior de crianças e adolescentes deixados à míngua, após a reforma da Previdência.

Trabalhadores rurais os primeiros a serem atacados pelo governo

Antes mesmo de propor a reforma da Previdência, o governo Bolsonaro atacou os direitos dos agricultores familiares com a Medida Provisória (MP) nº 871 transformada em lei 13.846, em junho de 2019, que com a desculpa de combater fraudes prevê rever os benefícios previdenciários, como os dos segurados especiais, categoria em que se enquadram os rurais.

O governo revogou a possibilidade de comprovação de atividade no campo por meio de declaração do sindicato dos trabalhadores rurais. O trabalhador rural poderá fazer uma autodeclaração de atividade no campo, cuja veracidade será comprovada por órgãos públicos. Isso valerá apenas até 2023. Depois, a autodeclaração não será mais aceita e o trabalhador rural terá de se inscrever no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) para comprovar o tempo de serviço no campo e ter acesso ao benefício.

Para a secretária de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), Edjane Gonçalves, o gargalo é que o banco de dados que alimenta o CNIS é o Cadastro do Agricultor Familiar (CAF), que, no entanto, não considera as mesmas regras do INSS.

“Uma das cosias que não conseguimos reverter e nos preocupa é que a Previdência vai reconhecer direitos baseados no CNIS rural. Na prática, a previdência tem um enquadramento e o CAF tem sua própria lei. Isso pode fazer com que parte dos mais de 15 milhões de agricultores, mesmo não estando enquadrados no CAF, mas que se enquadram no INSS, correm o risco de ficarem de fora dos seus direitos previdenciários”, explicou a dirigente da Contag.

Fonte: CUT, por Rosely Rocha 

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