Nós, mulheres do Século XXI, vivemos quase que sem refletir sobre como foi árdua a luta, com prisões e mortes de companheiras, para termos, hoje, várias conquistas, como o direito de votar e ser votada, o acesso à educação em todas as graduações e ao mercado de trabalho, à aposentadoria, à pensão alimentícia para viúvas e filhos(as) menores e à licença maternidade, entre outros direitos.
E, apesar das conquistas já consagradas, é muito claro para nós que há um caminho duro e longo pela frente, com as lutas atuais pela igualdade de oportunidades e salários e contra o machismo e a violência ao sexo feminino.
As lutas históricas das mulheres têm muito a nos ensinar e a nos motivar a seguir em busca de mais direitos. Exemplos são muitos, no exterior e no Brasil, e valem muitos artigos e estudos. Neste espaço, citaremos apenas um exemplo, que mostra os primórdios do feminismo organizado.
No Século XIX, na França, foi conquistado um governo popular cuja vitória se consagrou graças à união das mulheres. O movimento, chamado Comuna de Paris, teve à frente de batalha homens e mulheres que lutaram e conseguiram a ocupação e gestão da capital francesa por mais de dois meses- entre 18 de março e 28 de maio de 1871. A Comuna é até hoje inspiração da luta por justiça social e em defesa do feminismo.
A França estava em guerra com a Prússia, todo o Exército se encontrava em batalha, e a conjuntura da época era de muito sofrimento social e extrema exploração dos trabalhadores. Com tanta miséria, operários e operárias se juntaram à Guarda Nacional e tomaram Paris.
As operárias pegaram em armas e lutaram pelo governo popular. Criaram a União de Mulheres, organizada por um Comitê Central e demais Comitês de Distritos. A União de Mulheres lançou as bases para o feminismo consolidado nos dias de hoje. Três eram as suas bandeiras: a mulher engajada no mercado de trabalho, a garantia de educação para todas as crianças e todas as mulheres e a defesa irrestrita do governo popular de Paris.
Elas organizaram grupos femininos cooperativos para oferecer trabalho e qualificação às mulheres, com salários iguais aos dos homens; conquistaram a redução da jornada de trabalho e acabaram com a tutela da religião na vida das famílias. Além disso, garantiram que toda mulher teria o direito de votar e ser votada; toda viúva – casada ou não, mãe solteira ou não- e seus filhos menores teriam direito a uma pensão por morte. Lembramos que, naquela época, em todo o mundo, as mulheres eram submetidas à vontade dos pais e maridos, inclusive na escolha do esposo. O Estado não reconhecia uniões fora do casamento oficial e tampouco os filhos ilegítimos.
Infelizmente, após 70 dias de governo popular, o Exército francês retomou Paris, com a promoçao de um banho de sangue. Cerca de 30 mil trabalhadores foram mortos, sendo milhares de mulheres. Duzentos e setenta pessoas foram condenadas à morte, entre elas, oito mulheres, cujos crimes foram fazer barricadas e cuidar dos feridos em defesa do governo popular.
Uma liderança feminina teve destaque na luta, Louise Michel, fundadora da União das Mulheres. Ela comandou um batalhão feminino em barricadas. Escapara à morte em julgamento que lhe condenou à deportação. Fez sua própria defesa e pediu sua pena de morte, em solidariedade às companheiras e companheiros assassinados.
“... Uma vez que, ao que parece, todo coração que bate por liberdade só tem direito a um pouco de chumbo, exijo minha parte! Se me deixardes viver, não cessarei de clamar vingança e denunciarei, à vingança de meus irmãos, os assassinos da Comissão das Graças”. E assim Louise reivindicou sua morte durante o seu julgamento, mas viveu, até 1905, até 74 anos. Deportada, foi anistiada em 1880, mas voltou a ser presa e solta algumas vezes depois, porque nunca deixou de lutar e clamar por justiça e igualdade entre mulheres e homens.
Por Mariângela Castro