Governo exigirá plano para evitar relicitação de elétricas



Governo exigirá plano para evitar relicitação de elétricas

O governo deverá mesmo renovar, por um período de até 30 anos, as concessões de 44 distribuidoras de energia que vencem entre 2015 e 2016. Não está prevista nenhuma redução adicional das contas de luz. A prorrogação dos contratos, no entanto, não será um "cheque em branco" às empresas. Pelo menos duas dezenas delas ultrapassam os indicadores mínimos de qualidade do serviço estipulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Para esses casos, a tendência é haver uma renovação "condicionada" das concessões. O governo pretende exigir a adoção de planos de investimentos para colocar esses indicadores, como frequência e duração dos apagões, dentro das metas da Aneel. Caso haja descumprimento na execução dos planos, que vão ter um rígido acompanhamento anual, o contrato será encerrado e a concessão será relicitada em seguida.

A intenção do governo, porém, é evitar que isso realmente ocorra. Uma fonte com conhecimento das discussões diz que o processo de relicitação das distribuidoras pode ser complicado e faz uma comparação com a usina de Três Irmãos, da estatal paulista Cesp, que não teve sua concessão prorrogada. "A hidrelétrica tem 80 funcionários na operação e na manutenção. Uma distribuidora, às vezes, tem mais de dez mil empregados. Como fica a estrutura gigantesca de uma empresa que perde a concessão?", questiona.

O que tem atrasado o pacote de renovação dos contratos das distribuidoras é o prazo a ser dado para esses planos de investimentos. Há quem fale em um período de dois a cinco anos, mas não existe nenhuma definição.

A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) pede um prazo de pelo menos três anos para adequação às metas de qualidade e deixou claro, nos contatos com o governo, que um tempo inferior a esse pode ser inexequível. As distribuidoras federalizadas da Eletrobras, a mineira Cemig, a goiana Celg e a brasiliense CEB estão na lista de empresas que têm concessões prestes a expirar e descumprem hoje as metas da Aneel.

As distribuidoras já são sujeitas a penalidades por cortes no fornecimento de eletricidade. Elas precisam reembolsar os consumidores afetados e podem sofrer sanções pelo mau desempenho. A diferença é que, agora, o governo decidiu incluir cláusulas nos contratos que facilitem a retomada das concessões caso isso ocorra de forma contínua.

Conforme esclareceu um auxiliar direto da presidente Dilma Rousseff, não há previsão de novas reduções nas contas de luz. Ele fez questão de diferenciar o momento atual do processo vivido no ano passado, quando foram prorrogadas as concessões de usinas hidrelétricas e linhas de transmissão. No caso das distribuidoras, segundo esse funcionário, os investimentos amortizados já têm seus efeitos "capturados" periodicamente pelas revisões tarifárias que ocorrem a cada quatro ou cinco anos. "O foco da renovação das concessões de distribuidoras é qualidade do serviço, e não tarifa", ressaltou.

Um decreto presidencial, provavelmente, ou uma portaria do Ministério de Minas e Energia definirá exatamente os critérios que serão analisados. Empresas como a paranaense Copel e a catarinense Celesc já cumprem as metas fixadas pela Aneel e são candidatas a passar por um processo mais ágil de renovação de seus contratos, sem condicionantes. Distribuidoras privatizadas nos anos 90, como a Eletropaulo (SP) e a Light (RJ), não têm concessões vencendo agora e não serão diretamente afetadas por enquanto.

A Abradee pede uma definição sobre o assunto ainda neste ano e gostaria de evitar a proximidade das eleições presidenciais para contornar qualquer tipo de politização. A maioria das empresas com contratos prestes a expirar é controlada por governos estaduais. "São questões estritamente técnicas", frisa o presidente da associação, Nelson Fonseca Leite.

O executivo lamenta, entretanto, a falta de informações sobre o processo. "Não temos uma definição clara e nem sabemos o que está acontecendo", diz Leite, que se reuniu pela última vez, com o ministro Edison Lobão, há um mês.

Em 2012, após a publicação da Medida Provisória 579, todas as distribuidoras com contratos vencendo manifestaram formalmente à Aneel o interesse em renovar suas concessões. Apesar de já ter a base legal, o governo concluiu apenas o processo de prorrogação das concessões de geração e de transmissão, que tiveram suas tarifas reduzidas, com impacto positivo para os consumidores residenciais e industriais.

De acordo com Leite, a demora tem feito com que muitas distribuidoras estejam enfrentando dificuldades para tomar novos empréstimos bancários ou para renovar linhas já existentes. Ele não confirma, mas o Valor apurou que um dos casos problemáticos envolve a própria Eletrobras e seus financiamentos na Caixa Econômica Federal. O próprio banco estatal tem restrições a aceitar recebíveis das distribuidoras da Eletrobras por entender que não há garantias sobre o fluxo de caixa futuro das empresas. De forma genérica, Leite diz que os agentes financeiros querem saber se as concessões serão prorrogadas ou não.

Segundo ele, a Abradee vê positivamente a ideia de renovações "condicionadas" dos contratos, mas alerta que os planos de investimentos devem ser "realistas" com o prazo de adequação às metas da Aneel. "Falo isso com a vivência de quem trabalha há 32 anos no setor. A resposta não é imediata. Eu diria que demora, no mínimo, três anos para haver mudança do patamar [de indicadores]. É preciso estudar a logística, preparar ações estruturais."

Um "paper" do Gesel, o grupo de estudos do setor elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que a possibilidade de prorrogação das concessões é um "consenso quase unânime" entre os agentes e alega que "não haveria praticamente nenhum ganho" com a relicitação das distribuidoras. O texto, assinado pelos professores Nivalde de Castro e Roberto Brandão, afirma que uma proposta "mais pragmática" é exigir um "compromisso sério e temporalmente consistente de melhoria operacional" por parte das concessionárias com indicadores ruins.

O descumprimento dos planos, segundo os dois acadêmicos, pode facilitar a retomada das concessões e minimizar pressões políticas e judiciais contra eventuais relicitações. Eles defendem ainda a existência de cláusulas, nos novos contratos, para viabilizar um mecanismo "formal e rotineiro" de acompanhamento da saúde econômica das distribuidoras. Castro e Brandão avaliam que é importante facilitar a atuação preventiva da Aneel em situações de desequilíbrio financeiro.

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