A meteórica carreira da cantora sertaneja Marília Mendonça, interrompida bruscamente por um acidente aéreo na última sexta-feira (5), foi marcada não só por seus sucessos, mas também por trazer à tona, no palco e nas letras, questões relacionadas a protagonismo feminino, padrões de beleza e desigualdades nos relacionamentos afetivos. Tanto é assim que, passadas pouco
Um artigo na Folha de S. Paulo, publicado horas depois da queda do avião e assinado pelo historiador Gustavo Alonso, acendeu as discussões e, ao longo do final de semana, foi alvo de críticas e debates nas redes sociais.
No texto, Alonso analisou a carreira da jovem de 26 anos de forma majoritariamente elogiosa, ao destacar que Mendonça era "incontestamente a mais reconhecida" artista não só do chamado feminejo, como de toda a música sertaneja. O autor exemplificou como o machismo do showbusiness marcou a carreira de Marília Mendonça, citando que, de início, suas composições eram fornecidas a cantores homens.
Os trechos que geraram polêmica foram outros, porém. "Nunca foi uma excelente cantora. Seu visual também não era dos mais atraentes para o mercado da música sertaneja", escreveu o articulista.
Ele seguiu: "Marília Mendonça era gordinha e brigava com a balança. Mais recentemente, durante a quarentena, vinha fazendo um regime radical que tinha surpreendido a muitos. Ela se tornava também bela para o mercado".
Posts e textos em resposta ao artigo se multiplicaram pela internet, um deles na própria Folha, assinado pela roteirista Mariliz Pereira Jorge, sob o título "Mulheres são julgadas pela aparência até quando morrem".
A cantora Teresa Cristina caracterizou, em manifestação no Twitter, o texto como "insensível, machista e gordofóbico". Já Débora Diniz, antropóloga e atuante nas áreas de bioética e direitos reprodutivos, afirmou que a publicação era uma amostra "de como opera o patriarcado".
Marília Mendonça e a defesa de que a mulher pode ser o que quiser
Com cerca de 40 milhões de seguidores só no Instagram e o prêmio de "Melhor Álbum de Música Sertaneja" do Grammy Latino, os temas cantados por Marília Mendonça atingem enorme público no Brasil.
Entoando em primeira pessoa a versão da mulher traída, da amante, da prostituta ou da amiga que dá conselho, seus curtos e pouco convencionais 14 anos de carreira foram suficientes para que se tornasse o expoente mais conhecido do feminejo.
A cantora deixa um filho de pouco menos de dois anos de idade. Após ter se tornado mãe, recebeu críticas por aparecer em público com um copo de cerveja na mão. Já na pandemia, fez uma live segurando uma caneca onde se estampava a frase "existe uma chance disto ser cerveja".
Em entrevistas, nas suas composições ou na apresentação no palco, Mendonça trazia à tona questões como superação de relacionamentos abusivos, a autoestima e a crítica a imposições de padrões de beleza às mulheres.
Durante as eleições de 2018, foi uma das poucas da sua área a se posiconar contra o então candidato Jair Bolsonaro.
Atendendo a um convite da cantora Maria Gadú, na ocasião Marilia Mendonça postou um vídeo no Instagram dizendo: "A gente não precisa desse retrocesso, eu sou uma mulher que batalhei bastante junto com outras mulheres dentro do sertanejo para quebrar todo o tipo de preconceito dentro de um mercado completamente machista e com certeza Marília Mendonça é #EleNão".
Depois, no entanto, Mendonça apagou a publicação e pediu desculpas. "Minha mãe tem recebido ataques tanto quanto o restante da minha família que nem compartilham da mesma opinião que a minha" justificou nas redes, afirmando que permaneceria em silêncio em questões políticas e pedindo paz.
Em uma entrevista à Folha em 2017, Marília Mendonça comentou como se alegrava por ter encorajado uma "leva de mulherada" a falar de "assuntos que a gente realmente vive". Sobre ser ou não feminista, respondeu que defende, talvez, justamente o que está no centro das discussões de internet após sua morte: "A mulher pode ser o que ela quiser, é essa bandeira que eu levanto".
Fonte: Brasil de Fato