Gestão da Eletrobras privatizada é predatória



Gestão da Eletrobras privatizada é predatória

“A privatização da Eletrobrás abriu um buraco na segurança e no abastecimento do país gigantesco”, afirma Ronaldo Bicalho, diretor do Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético) e pesquisador do Instituto de Economia da UFRJ.

Para o especialista, os primeiros movimentos da direção da Eletrobrás privatizada apontam claramente para “forte processo de financeirização da maior empresa do setor elétrico no Brasil hoje e uma das maiores do mundo”.

Em vídeo divulgado pelo Grupo de Economia e Energia da UFRJ, Bicalho alerta que nesse processo de financeirização estão elementos chaves, “como o anúncio da migração da Eletrobrás para o chamado novo mercado, da B3, ou seja da bolsa de valores brasileira. Essa antecipação não é gratuita, significa fazer esse processo antes da posse do novo governo”. Ele cita também que o primeiro programa de demissão voluntária anunciado pela direção da Eletrobrás também faz parte do processo de financeirização, assim como a saída das chamadas SPEs, empresas onde a Eletrobrás tem participação, além do foco absoluto na comercialização de energia.

Para Bicalho, com a privatização, “a Eletrobrás saiu daquele conjunto de soluções para virar cada vez mais um problema, em função exatamente do grande poder do mercado de uma gestão que no limite, ela é predatória. Ela está interessada na rentabilidade de curto prazo, nos dividendos, nas receitas de curto prazo, preda os recursos do país, ela está interessada na rentabilidade de curto prazo. Ela não tem nenhum compromisso com o longo prazo, e isso, para o setor elétrico é algo extremamente preocupante, principalmente, pelo tamanho desse ator. Então você tem esse grande ator, esse grande jogador definindo o jogo, sem nenhum compromisso com o coletivo, com o país, a não ser com o curto prazo, com a grana“.

Bicalho detalha cada um desses movimentos que, segundo ele, “jogam a empresa no colo do mercado financeiro e a afastam definitivamente de seu papel histórico de garantidora da segurança energética do país”.

“Trará um Impacto grande sobre o setor elétrico, mas também vai ter um impacto grande sobre a economia e sobre a sociedade brasileira, principalmente, naquilo que diz respeito à segurança energética, ao acesso dessa economia e da sociedade à energia elétrica”, afirma Bicalho.

“O que está se demonstrando com a privatização da Eletrobrás, concretamente, é a desestruturação do setor elétrico brasileiro. E se soma a isso, a liberalização do mercado contido no PL 414. Você tem dois movimentos extremamente explosivos. São dois movimentos que implodem o setor elétrico brasileiro. A partir daí, o acesso à energia elétrica para a economia brasileira e o cidadão brasileiro, para as atividades econômicas, o bem estar da sociedade, vai ficar cada vez mais difícil”, alerta Bicalho. “A trajetória de custos são crescentes, tarifas crescentes, cada vez o acesso é mais restrito para a população. Isso vai ter cada vez mais implicações econômicas, sociais e políticas”.

Para Bicalho, “isso é um problema que precisa ser enfrentado. O que temos que pensar seriamente é como o Estado pode ter controle sobre esses ativos. Quais são as soluções? Porque eles são ativos muito importantes, muito estratégicos, para ficar nas mãos de gente que só está interessada no curto prazo, só está interessada na especulação, no dividendo, na receita, em cortar custo”.

De acordo com o especialista, “a migração para a bolsa de valores brasileira significa um maior alinhamento da sua gestão, da sua estratégia, justamente com o interesse dos acionistas, dos donos dessa empresa, que no limite são os interesses do mercado”.

“A migração da Eletrobrás para esse novo mercado significa um passo que acelera a transformação da Eletrobrás de uma empresa estatal, historicamente comprometida com a garantia da segurança do abastecimento elétrico, da segurança energética do país, para uma corporação voltada ao atendimento dos interesses dos seus acionistas. A partir desse movimento, desaparece o compromisso com a segurança energética, o compromisso com uma expansão do setor, com a confiabilidade, com investimento. A Eletrobrás deixa de ser esse pilar estruturante do setor elétrico brasileiro, estruturante da segurança do abastecimento brasileiro. Um papel que ela desempenhou desde o seu nascimento em 1962, que o Estado brasileiro desempenhou desde a criação da CHESF em 1945”, ressaltou. “Esse movimento de migração de ir ao encontro dos interesses dos acionistas significa abandonar esse papel”.

“A migração da Eletrobrás para esse novo mercado significa um passo que acelera a transformação da Eletrobrás de uma empresa estatal, historicamente comprometida com a garantia da segurança do abastecimento elétrico, da segurança energética do país, para uma corporação voltada ao atendimento dos interesses dos seus acionistas. A partir desse movimento, desaparece o compromisso com a segurança energética, o compromisso com uma expansão do setor, com a confiabilidade, com investimento”

A migração antecipada para o novo mercado, para a bolsa de valores até o final de dezembro, acontece justamente “quando está na boca de assumir o novo governo” e tem como “principal objetivo restringir as possibilidades do acionista governo de contrariar os interesses dos acionistas dos ditames do mercado”, destaca Bicalho. O governo ainda detém 42% das ações ordinárias, com direito a voto, que só pode se traduzir a 10% do controle, conforme dispositivo imposto na privatização. No novo mercado só tem ações ordinárias, a Eletrobrás terá que converter suas ações preferenciais em ordinárias “Um dos objetivos dessa migração é diluir, enfraquecer ainda mais a participação do governo como acionista”, afirma Bicalho.

PDV MANDA PARA CASA 20% DA FORÇA DE TRABALHO DA ELETROBRÁS

O que interessa aos acionistas é o valor das ações. Todo foco, toda estratégia é valorizar as ações, distribuindo dividendos ou recomprando ações, “para isso é preciso ter caixa, para isso é preciso ter margem, a estratégia é aumentar a receita e reduzir os custos. E o PDV (Programa de Demissão Voluntária) vai ao encontro dessa estratégia”.

“O lançamento de um PDV pela direção dessa Eletrobrás privatizada tem tudo a ver com a estratégia de financeirização da empresa. O que estamos falando é sobre corte de custos. Esse programa pretende atingir 2.300 empregados. De 2016 até 2021, período do qual o presidente da Eletrobrás já era Wilson Ferreira, só que à época estatal, a Eletrobrás saiu de 26 mil para 12 mil funcionários. A Eletrobrás já vinha nesse forte enxugamento, comandado pelo próprio Wilson. Com a capitalização e a saída da Eletronuclear, a Eletrobrás acabou ficando com alguma coisa em torno de 10 mil funcionários. Isso significa que esse PDV manda para casa 20% da força de trabalho da Eletrobrás, 20% não é pouco para uma empresa que já vinha dentro de um processo de enxugamento e, provavelmente, não deve terminar aí, talvez o objetivo ao fim e ao cabo seja que a Eletrobrás opere com 5 a 6 mil funcionários. A empresa sairá lá dos 26 mil para algo em torno de 6 mil funcionários. É um belíssimo de um enxugamento. Vale a pena para a empresa? Sim, vale a pena. O custo desse PDV anunciado pela Eletrobrás é alguma coisa em torno de 1 bilhão. Pelas informações da empresa, isso se paga em 11 meses e depois está livre desses caras. Sem dúvida um belíssimo corte de custo”, sustentou.

“Um corte consistente com a estratégia da empresa que não tem mais a obrigação da garantia do abastecimento, da segurança do fornecimento, de investimento, de expansão”, diz o especialista. “Nesse exato momento de um desafio gigantesco do setor elétrico brasileiro com transição energética, com esgotamento do modelo hidráulico, se reduz substancialmente o volume e a qualificação dos recursos que você tem que ter”, acrescentou.

Bicalho contesta a afirmação dos novos donos da Eletrobrás de que a saída desses funcionários abre espaço para que os estagiários possam se incorporar à empresa. Ele ressalta que não tem nada contra estagiários, “muitos desses meninos foram alunos nossos”, diz. Mas aponta um problema: “é difícil formar um profissional do setor elétrico, devido a complexidade técnica, a complexidade econômica, a complexidade institucional. Isso exige tempo para que esse profissional adquira aquelas qualidades, aquelas qualificações para dar conta desse desafio. Não é fácil formar um profissional, e principalmente profissional de uma empresa que está no coração do embate da garantia da segurança energética. Agora, se sua empresa não tem compromisso nenhum com isso, o estagiário basta. Jovem, com muita energia e barato”.

“Cortar custo, fazer caixa, distribuir dividendos. E a segurança energética, a segurança do abastecimento? Não. O PDV é isso. Migrar para o novo mercado para reduzir cada vez mais a influência sobre qualquer coisa que se assemelha a uma política pública, qualquer coisa que se assemelha a algum compromisso com a segurança energética, com a segurança de abastecimento do país, e mandar a gente qualificada, a gente mais velha, embora”, denuncia.

“O PDV é isso. É reduzir cada vez mais a influência sobre qualquer coisa que se assemelha a uma política pública, qualquer coisa que se assemelha a algum compromisso com a segurança energética, com a segurança de abastecimento do país. É mandar a gente qualificada, a gente mais velha, embora”

Sobre as SPEs (Sociedades de Propósito Específicos), Ronaldo Bicalho diz que “a participação da Eletrobrás nas SPEs sempre teve críticas, principalmente nas condições nas quais a Eletrobrás participava nessas empresas, muitas vezes sendo minoritária. Mas a participação da Eletrobrás nessas empresas alavancou um volume significativo de investimento que viabilizaram uma expansão de capacidade instalada – geração, transmissão – importante na garantia do abastecimento, ou seja, houve uma expansão da capacidade instalada do setor elétrico brasileiro, houve investimentos que viabilizaram essa expansão que só foram possíveis graça, justamente, à participação da Eletrobrás. E essa expansão foi fundamental para garantia da expansão para segurança energética do país. A participação da Eletrobrás visava isso, a segurança energética do país”.

FOCO É NA COMERCIALIZAÇÃO DA ENERGIA, NAQUILO QUE INTERESSA, A GRANA, A FELICIDADE DOS ACIONISTAS

“Estão focando na comercialização, naquilo que interessa, na receita, focando no negócio. De onde vem essa receita, esse mamão com açúcar? Que fecha esse conjunto todo. Vem do foco da empresa na comercialização da energia. Não estão interessados em investimentos, não estão interessados na expansão, na tecnologia. Estão interessados na receita, em onde está esse maná”.

“A Eletrobrás tem uma energia barata, fruto de recursos que foram construídos ao longo de todo o tempo pela sociedade brasileira que bancou a construção desses recursos”, diz o especialista. “A Eletrobrás vai ter essa energia muito barata, com custo barato para ela vender no novo mercadão de energia elétrica, que é o que propõe a ‘modernização’ do setor elétrico”.

“A Eletrobrás detém 50% da capacidade instalada dos reservatórios, 45%/46% da capacidade instalada de geração hidrelétrica, 47% de linhas de transmissão, da capacidade de transmissão do país. A Eletrobrás tem um gigantesco poder de mercado, significa que ela vai poder auferir rendas hidráulicas gigantescas, graças aos ativos que ela têm . Se você pensar em termos de transição energética, esses ativos valem muito mais. Essas rendas são imensuráveis, fica difícil imaginar os serviços que você pode oferecer, comercializar, uma festa! Vai chegar perto da festa dos dividendos da Petrobrás”, argumentou.

“Isso sem nenhuma garantia do abastecimento, de suprimento, de para onde vai o setor elétrico brasileiro”, alerta Bicalho. “É só sentar em cima dos reservatórios e chupando no canudinho. Aí você vai ter receitas significativas, muito dividendo, é compra de ação, vai deixar os acionistas felizes, CEO, diretores… Mas e a segurança energética, a confiabilidade. O grande desafio que é dar acesso à economia, aos cidadãos, à sociedade a uma energia barata, confiável, isso não é problema da Eletrobrás”, acrescentou.

“Esse processo de financeirização da Eletrobrás no qual você joga todos os seus objetos e estratégias por curto prazo, nos interesses de seus acionistas, de seus investidores, a visão do conjunto do setor elétrico desaparece completamente. É o novo mercado. É o PDV do estagiário. É a saída das SPEs. É o foco absoluto na comercialização: todo o poder para o caixa, todo o poder para o acionista”, concluiu.


Por Hora do Povo

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