As ligações clandestinas e as fraudes em medidores de consumo de energia, conhecidas como “gatos”, geram um prejuízo anual de R$ 300 milhões para a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Os golpes para reduzir a conta de luz, informa a companhia, ocorrem tanto na periferia quanto em áreas nobres de Belo Horizonte. Para inibir esse tipo de ação, mutirões que ocorrem desde agosto tiveram como alvo bairros como o Belvedere, Lourdes, Savassi, na Região Centro-Sul de BH, e União, na Região Nordeste. Casas foram vistoriadas e estabelecimentos comerciais, multados. Especialistas alertam para os perigos dessa prática.
Há quem insira lacres no medidor para diminuir o consumo de energia. Outros puxam a fiação elétrica diretamente do poste ou furtam a luz do vizinho. Independentemente da tática, as medidas são consideradas criminosas. “A sociedade acredita que somente as camadas desfavorecidas praticam este tipo de delito, mas a fraude ocorre em todas as camadas sociais, inclusive na classe média alta. E isso tem se intensificado. É uma questão de cultura do brasileiro”, afirma Marco Antônio de Almeida, gerente de Gestão e Controle da Medição e das Perdas Comerciais da Distribuição da Cemig.
Os infratores podem responder por crime previsto no artigo 155 do Código Penal, que prevê multas e pena de um a oito anos de reclusão, além da obrigação de ressarcimento de toda a energia furtada e não faturada em até 36 meses, de forma retroativa. A população pode denunciar irregularidades pelo telefone 116.
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O prejuízo acaba pesando no bolso do consumidor honesto. “A perda é rateada entre a Cemig Distribuição e todos os consumidores adimplentes, diminuindo os ganhos da distribuidora e encarecendo a tarifa para aqueles que usam a energia de maneira honesta”, disse Marco Antônio. Ainda segundo o gerente, a tarifa dos consumidores mineiros poderia ser até 5% mais barata se não houvesse ligações irregulares e clandestinas na área de concessão da empresa.
Para coibir esta ação, a empresa vem desenvolvendo desde agosto operações para identificar consumidores fraudulentos. “A Cemig acompanha o consumo de mais de 8 milhões de clientes em todo o estado e, além de fazer a rotina diária de inspeções através dessa avaliação de consumo, estamos fazendo mutirões em 774 municípios de Minas Gerais”, afirma. A cada 15 dias, um bairro em Minas Gerais é alvo da operação.
Em agosto do ano passado, por exemplo, a empresa fez um mutirão no Edifício JK, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, onde foram identificados 95 casos de suspeitas de irregularidade em equipamentos e medições e realizados 130 cortes de energia de moradores em inadimplência. Em setembro, a companhia fez inspeções em dois pontos bastante frequentados por belo-horizontinos: o primeiro mutirão teve foco em bares e restaurantes do Bairro de Lourdes, onde foram encontradas fraudes em cinco estabelecimentos, e no Edifício Maletta, ambos na Região Centro-Sul, onde foram identificados 62 casos suspeitos de irregularidade em equipamentos de medição.
Também a badalada região cercada por bares e restaurantes da Avenida Alberto Cintra, no Bairro União, na Região Nordeste, e o Bairro Belvedere, na Centro-Sul, foram alvos de inspeção. Até abril foram contabilizados 45 mil processos de cálculos de irregularidades (medidores que comprovadamente tinham problemas) devido às inspeções em unidades consumidoras, número 63% maior em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2017, até maio já haviam sido realizadas 23.064 inspeções em unidades consumidoras com suspeitas de irregularidades. A próxima parada é o Hipercentro da capital mineira.
Para o cientista social Robson Sávio, integrante do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, práticas como a de fraudes na conta de luz refletem um problema de educação de segmentos entre os brasileiros. “Nossa educação é totalmente individualista, pois estimula as pessoas a ‘se darem bem’, independentemente de princípios éticos. Isso tem a ver com a ideia distorcida da distinção dos termos ‘público’ e ‘privado’. Essas pessoas que, por exemplo, roubam energia ou água, se apropriam do serviço público como se fosse privado, assim como os políticos fazem com os recursos públicos”, opina. “E quem tem mais poder econômico acha que tem mais direito”, acrescenta.
EM RESUMO
R$ 300 milhões - valor do prejuízo anual da Cemig com ligações irregulares
5% mais barata poderia ser a conta se não houvesse furto de energia
63% foi o aumento de irregularidades até abril, comparado com o mesmo período de 2016
Ligação clandestina vira um risco
Apesar de aparentemente não apresentar um perigo visível, a eletricidade exige cuidados para evitar acidentes que podem deixar sequelas graves. Segundo a Cemig, as ligações irregulares e clandestinas representam a segunda maior causa de mortes com eletricidade no Brasil, atrás apenas de acidentes fatais na construção civil e manutenção predial.
“Toda vez que uma pessoa não habilitada faz qualquer tipo de conexão na rede elétrica, ela corre um risco muito grande. Ela pode tomar um choque e sofrer consequências graves. Desde queimaduras a problemas cardíacos, que podem levar à morte em segundos. É sempre muito perigoso. Um erro que pode ser fatal.”, diz Rodney Rezende, professor do Departamento de Engenharia Eletrônica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O especialista explica que alterar o medidor, mais conhecido como relógio, pode causar curto circuito e até provocar um incêndio. Ele observa que esse tipo de golpe muitas vezes é realizado com a intervenção de “especialistas” contratados para tal fim.
Além do risco de causar graves acidentes, as ligações irregulares podem provocar danos aos equipamentos elétricos e queda na qualidade da energia devido às constantes interrupções no sistema. Isso se explica pela sobrecarga gerada a partir do consumo irregular. “Várias ocorrências de rompimento de fios e queima de transformadores são registradas devido a essa prática criminosa”, alerta Marco Antônio de Almeida, gerente de Gestão e Controle da Medição e das Perdas Comerciais da Distribuição da Cemig.
QUESTÃO SOCIAL - Diferentemente das “ligações irregulares” – aquelas em que medidores de consumo de energia são alterados – também há as “ligações clandestinas”. Visível em postes energizados, a prática é muito comum em aglomerados e na periferia das grandes cidades. Assim como os “gatos” da região nobre, também são considerados atos ilegais. Porém, a questão desafia a Cemig de forma diferente. “Trata-se de um problema social e precisamos da parceria com o poder público para reverter esse quadro e regulamentar a área”, detalha Marco Antônio. Estima-se que mais de 100 mil famílias usem ligações clandestinas no estado, sendo que 80 mil estão na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Mexer em postes de alta-tensão pode ser tão ou mais perigoso que alterar os medidores em casa. Agrava o problema o fato de pessoas manusearem fios em uma grande altura. “Além do choque, a pessoa pode cair e se machucar”, lembra Marco Antônio. Para evitar tal problema, o gerente explica ser necessária a regulamentação do serviço, com a parceria da PBH, o torná-lo o espaço “Área Especial de Interesse Social”. Com isso, pode-se fazer a manutenção dos postes e tornar os moradores regulares.
Já para auxiliar estes moradores de baixa renda, a Cemig criou o projeto “Energia Cidadã”, que possibilita a substituição de equipamentos de alto consumo, como lâmpadas, geladeiras e chuveiros por outros mais eficientes e econômicos. “O objetivo é reduzir o consumo e a demanda de energia nas casas dos consumidores de baixa renda”, afirma o gerente. Além disso, equipes orientam os consumidores sobre o uso eficiente e seguro da energia elétrica.
Fonte: Estado de Minas