Futebol feminino é marcado pela luta contra o racismo



Futebol feminino é marcado pela luta contra o racismo

Exposta dentro e fora de campo, a ferida do racismo deixa marcas, faz chorar e revela que, em um país de população predominantemente negra, o preconceito racial ainda está arraigado em nossa sociedade.

Durante uma partida do Candangão Feminino, realizada no dia 13 de novembro, entre os clubes Cresspom e Aruc, a jogadora Thamires da Conceição, mais conhecida como Buga, sofreu ataques racistas de um torcedor do time rival.

Atleta do Cresspom desde 2015, Buga relata que num lance de saída de bola em favor do clube da jogadora, o torcedor teceu comentários racistas contra ela, além de proferir xingamentos às demais integrantes do time.

“Na hora do jogo, segurei a onda por ser profissional. Joguei, me dediquei ao clube, mas depois quando coloquei a cabeça no travesseiro foi um baque, chorei bastante. Doeu, rasgou a pele” diz.

“De vez em quando me pego pensando no que aconteceu e me vem uma tristeza, mas a manifestação de apoio de várias pessoas me fez seguir para continuar meu trabalho e ir atrás de justiça”. A jogadora informou que registrou um boletim de ocorrência e vai buscar a Defensoria Pública do DF para tratar do caso.

De acordo com a assessoria de comunicação da Federação de Futebol do Distrito Federal, esse é o primeiro caso de racismo em uma partida do campeonato.

Caso não é isolado

No dia 16 de novembro, durante uma partida da Semifinal da Libertadores Feminina, entre Corinthians e Nacional do Uruguai, a atacante do time brasileiro Adriana também foi vítima de racismo ao ser chamada de "macaca" por uma jogadora da equipe uruguaia.

Em nota, o Corinthians repudiou o ato. "A delegação feminina contará com todo suporte jurídico cabível para a apuração necessária e a punição contundente desse ato inaceitável", afirmou o clube.

De acordo com o Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol, os estádios “são mais um palco no qual é possível ver ódio e violência sendo disparados contra atletas, dirigentes, torcedores e outras tantas pessoas envolvidas no mundo esportivo”, aponta.

O documento destaca ainda que os inúmeros casos já denunciados comprovam que “no momento de derrota esportiva o culpado tem uma cor, seja na seleção, seja nos clubes”.

No período de 2014 a 2020, foram contabilizados 163 incidentes em território nacional classificados como “suposto caso de racismo”.

Solidariedade

Em nota publicada nas redes sociais, o Cresspom escreveu que “em pleno século 21, o racismo é inaceitável e deve ser firmemente combatido” e que repudia com veemência o ato racista.

A Federação de Futebol do Distrito Federal (FFDF) disse ser inadmissível que ainda aconteçam fatos que caracterizem quaisquer sinais de preconceito e/ou diferença de etnia, religião e sexualidade. Além disso, cobrou “punição severa para tais atitudes, que acontecem diariamente em nossa sociedade. O respeito ao próximo é algo que precisa ser levado a sério e os culpados têm que ser responsabilizados.”

Rayane Rodrigues, jogadora do Minas Brasília e mais conhecida como Robinha, também se manifestou através das redes sociais e registrou que “cor da pele não define ninguém”. Ela replicou ainda a frase da escritora Angela Davis de que em “em uma sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”.

No documentário Donas da Capital: Futebol Feminino no Distrito Federal, Robinha conta os episódios de preconceito e racismo que já enfrentou no futebol, em uma delas quando atuava no futsal, em Santa Catarina, foi chamada de "macaca" por torcedores, durante uma partida.

"O ginásio lotado e os torcedores começaram a me chamar de macaca, preta, eu não era macaca, só que eu era negra, eu amo a minha cor. E meu treinador ficou muito revoltado com isso, disse que eu não precisava aceitar, não podia deixar isso acontecer. Fiquei pensando, e no momento aquilo não me machucou, mas depois eu fiquei pensando e foi uma situação muito desagradável, fiquei muito ferida e magoada", disse ela.

Futebol Feminino no DF

Lançado neste mês de novembro, o documentário conta a história recente do futebol feminino na capital do país. O filme de 37 minutos, foi produzido para apresentação final de trabalho de conclusão do curso de Comunicação Organizacional da Universidade de Brasília.

"O filme conta, por meio de pessoas intimamente envolvidas na modalidade, como o Distrito Federal se tornou a segunda federação com mais times na elite nacional", apresenta Júlio César Silva, que produziu, junto com Diego Marques, o documentário que é pioneiro do gênero no DF.

Júlio César é fotógrafo e desde 2019 registra as partidas de futebol feminino do Distrito Federal. "É um esporte que vem crescendo e precisa de visibilidade, procurei bastante material sobre futebol feminino e não existia, então a gente trouxe essa história para todos conhecerem, mostrar como é o futebol daqui e como os times são unidos", destaca.

A mulher negra no futebol

Em artigo apenso ao Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol, a jornalista Júlia Trindade acentua que o discurso de ódio contra mulheres negras no futebol não se refere a um erro, ao desempenho profissional, às suas características de jogo, à qualidade do seu trabalho.

“É um ataque à essência, à identidade de gênero, à cor da pele, à orientação sexual, à origem. Elas são atacadas porque, como mulheres negras, se atrevem a existir apesar desse ódio”.

Para Buga, com “tantos atos de racismos por aí” o sentimento é de indignação.

“O racismo está em todo lugar, está no futebol, no vôlei, está em todos os esportes, está na esquina. Está no mercado quando a gente vai comprar um pão e todo mundo olha pra você, pro seu cabelo, vê o que você está pegando. É uma dor coletiva, as pessoas não têm noção do quanto machuca, do quanto dói”, declara a jogadora que complementa, “mas a luta não para, nós não vamos mais aceitar isso. Nós seremos resistência, seremos antirracistas.”

No mês em que se celebra o Dia da Consciência Negra é importante que as pessoas “revejam seus atos”, aponta a jogadora do Cresspom.

Ela aconselha que as pessoas busquem pesquisar mais sobre o assunto e enfatiza que “o racismo não acontece só no mês de novembro, acontece todos os dias e em todos os lugares. Que a gente possa levantar a nossa mão com orgulho, assumir quem nós somos e mostrar para a sociedade que nós não iremos nos calar e nem vamos abaixar a nossa cabeça para racista”, conclui Buga.

Fonte: Brasil de Fato/DF

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