Francia Márquez, a primeira mulher negra vice-presidenta da Colômbia



Francia Márquez, a primeira mulher negra vice-presidenta da Colômbia

"Depois de 200 anos, conquistamos um governo do povo. O governo dos e das 'ninguéns' da Colômbia. Vamos com dignidade viver de maneira saborosa", disse Francia Márquez no seu primeiro discurso após a vitória nas eleições presidenciais. A advogada colombiana faz história ao tornar-se a primeira mulher negra a ocupar o cargo. No 2º turno, realizado no último domingo (19), a coalizão Pacto Histórico com Francia e Gustavo Petro obteve 11,2 milhões de votos, equivalente a 50,44% da preferência.

Francia Elena Márquez Mina é natural da cidade de Suárez, região de La Toma, no departamento Cauca, tem 40 anos e iniciou sua vida política defendendo a sua comunidade de projetos de extração mineira.

Ela foi mãe solo aos 16 anos e ainda adolescente começou a trabalhar com a mineração artesanal. Aos 21 anos deu à luz a sua segunda filha. Formou-se técnica agropecuária pelo Serviço Nacional de Aprendizagem (SENA).

Desde 1997, é integrante da Organização de Processos Comunidades Negras da Colômbia, já entre 2010 e 2013 foi presidenta da Associação de Mulheres Afrodescentes de Yolombó.

"Obrigado por semear a semente da esperança. Depois de 200 anos conseguimos um governo do povo. O governo dos e das 'ninguéns' da Colômbia. Vamos viver de maneira saborosa", escreveu a vice-presidenta eleita.

Francia ingressou na faculdade de direito da Universidade Santiago de Cali, pagando seus estudos trabalhando como empregada doméstica e graduando-se em 2020. Um dos seus objetivos era poder defender sua comunidade juridicamente. Em 2009, foi ela quem escreveu uma ação de tutela representando o rio Ovejas para atender as atividades da Corporação Autônoma Regional do Valle del Cauca (CVC) e a Empresa de Energia do Pacífico (EPSA).

O pedido argumentava que a ação das mineradoras, iniciada na década de 1990, havia afetado o direito de vida digna, sem consulta prévia da população local. A apelação foi negada duas vezes, o que desatou mobilizações de resistência na comunidade La Toma, com Francia novamente como protagonista.

Diante da pressão popular, a Corte Suprema de Justiça concedeu reparação coletiva a 27 conselhos comunitárias da região de La Toma afetadas pela represa "Salvajinas".

"Sou parte daqueles que alçam a voz para parar a destruição dos rios, florestas e planaltos. Daquelas pessoas que sonham que os seres humanos podem mudar o modelo econômico de morte para dar um passo a um modelo que garanta a vida", disse.

Em 2015, Francia ganhou o Prêmio Nacional de Direitos Humanos após organizar a "marcha dos turbantes", uma caminhada com centenas de mulheres negras que percorreram cerca de 600km de Suárez até o Ministério de Justiça, em Bogotá, para denunciar o garimpo ilegal na suas comunidades.

Três anos mais tarde, a ativista voltou a ser premiada, desta vez com o Goldman Environmental Prize, considerado o Nobel do setor ambiental.

"Na nossa comunidade, aprendemos que a dignidade não tem preço. A amar e valorizar o território como espaço de vida, e a lutar por ele, inclusive pondo em risco nossa própria vida", disse ao receber o prêmio.

Durante o processo de discussão dos Acordos de Paz com a extinta guerrilha FARC-EP, ela fez parte da Comissão Étnica para a paz e, até 2021, também presidiu o Comitê Nacional de Paz e Reconciliação do Conselho Nacional de Paz.

Um das suas principais bandeiras de governo é criar o Ministério da Igualdade para atender questões raciais e de gênero.

"Somos vítimas da necropolítica, e os territórios racializados são os que mais sofrem a crise ambiental. Os ricos estão buscando outros planetas, mas é desse aqui que temos que cuidar", disse Francia durante um encontro com Angela Davis, em 2021.

Diversos analistas concordam que Francia Márquez foi fundamental para mobilizar o voto da juventude e das mulheres, contribuindo para saltar de 8,5 milhões para 11,2 milhões a votação do Pacto Histórico.

Francia Elena Márquez Mina diz que prefere ser chamada por seu nome completo para que todos saibam os sobrenomes da sua mãe e seus ancestrais.

"Sou parte de uma história de luta e resistência que começou com meus ancestrais trazidos em condição de escravidão. Sou parte da luta contra o racismo estrutural, sou parte daqueles que lutam para seguir parindo a liberdade e a justiça", declarou a vice-presidenta colombiana.

Michele de Mello, Brasil de Fato | São Paulo (SP)

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