O distrito de Miguel Burnier, pertencente a Ouro Preto (MG), é o maior contribuinte ao tesouro da cidade, mas sofre devastações devido à mineração exploratória causada por diversas empresas como a Gerdau e a Vale. A degradação é tão grande que o distrito, que já contou com uma população de mais de 5 mil habitantes, apresenta atualmente a média de 75 habitantes.
É essa história que o documentário “O Retrato Esquecido de Miguel Burnier” resgata, em quatro capítulos. O filme de Guilherme Oliveira, desenvolvido como conclusão do curso de jornalismo na Universidade Federal de Ouro Preto, faz uma construção afetiva da comunidade desenvolvida e esquecida pela economia da extração minerária, e leva ao espectador a sensação de conviver lado a lado com uma cava de minério.
“A decisão de fazer o documentário sobre Miguel Burnier surgiu devido a necessidade de dar algum retorno à sociedade de Ouro Preto e Mariana, já que saí do interior de São Paulo para estudar em Mariana”, diz o jornalista. “Um amigo me falou sobre Miguel Burnier, um lugar que depois de explorado pela Votorantim, retiraram até a energia elétrica do lugar”, conta.
Dos anos áureos à tentativa de sua completa destruição, o distrito é um exemplo clássico das cidades exploradas e relegadas à sua própria sorte quando o minério por fim acaba.
“Decidi conhecer o distrito, e a cada conversa percebia que para o capitalismo não existe limites, não importa se existe uma sociedade. Para ele, a única coisa importante é o lucro, doa a quem doer”, conclui o produtor do filme.
O Quadro na Parede, capítulo 1 - ASSISTA
Miguel Burnier é o maior distrito em extensão territorial de Ouro Preto e tem sua história associada a explorações de recursos minerais. O distrito é lembrado como uma comunidade que vivia em meio a festas, campeonatos, cuidados com a saúde e abundâncias. Mas atualmente, sofre impactos negativos de empreendimentos minerais que ainda são realizados por lá.
No Capítulo “O Quadro na Parede”, os discursos são saudosos. Cada morador traz consigo memórias da era do time de futebol local, dos blocos de carnavais e das celebrações religiosas. Eram tempos de fartura.
“A siderúrgica dava emprego pra muita gente. Teve época em torno de 3 mil moradores, sendo que só eleitores seriam 1.500. Os quais sempre decidiram as eleições municipais de Ouro Preto”, relata o morador Geraldo Vasconcelos. O número de habitantes, segundo outras pessoas ouvidas no documentário, chegou a 5 mil.
A Queda do Quadro, capítulo 2 - ASSISTA
Após a sua era de abundância, veio a queda. A Usina Barra Mansa fechou e Miguel Burnier começou a sofrer uma primeira decadência. Sem a usina, o distrito ficou sem energia elétrica e à mercê do poder público. A situação ficou mais crítica quando ocorreu a privatização da Estrada Ferroviária Central do Brasil, que deixou o distrito isolado em meio a estradas de terra e com difícil acesso à sede do município.
O documentário conta que, após 11 anos do fechamento da Usina Barra Mansa, a Gerdau começa a explorar minério de ferro na região, mas sem o intuito de construir uma relação íntima com a comunidade. Ao contrário, a empresa elaborou projetos para que a comunidade abandonasse o distrito.
As relações sociais se esfacelaram. As atividades culturais promovidas pela comunidade foram suprimidas, o clube se tornou parte da operação da mina, o campo de futebol se transformou em um almoxarifado e a área da planta de beneficiamento de minério ocupou o espaço entre a igreja principal e o cemitério.
Royalties foram pagos à Prefeitura de Ouro Preto pela Gerdau e outras empresas que atuavam na região, mas as melhorias necessárias para o distrito não foram realizadas e Miguel Burnier se viu abandonada pelo poder público.
Varrendo os Cacos, capítulo 3 - ASSISTA
O efeito da mineração da Gerdau foi avassalador e dividiu a comunidade em dois lados: um que defendia a permanência e a cultura do lugar e buscava restaurar aquilo que foi vivido, e outro que queria o fim de Miguel Burnier, ceder suas terras e ser indenizado pela empresa.
A construção de uma barragem no distrito se tornou um pesadelo para a comunidade, mostra o documentário, e uma tragédia se avizinhava. As fortes chuvas de 2011 fizeram a barragem romper e levar a estrada de acesso à igreja com a mata nativa. A lama tóxica foi direto para os afluentes do rio Paraopeba e o caso não foi noticiado pela mídia.
Os danos ambientais vão além do rompimento da barragem. Durante a mineração de ferro, as mineradoras retiraram águas das áreas em exploração, provocando o rebaixamento do lençol freático e, consequentemente, o secamento de córregos e nascentes.
Também houve danos aos patrimônios históricos de Miguel Burnier. Obras antigas e sacras foram furtadas e estruturas destruídas. Assim, o lugar começou a correr o risco de perder sua força cultural, mas que resiste até o momento no distrito.
Colando os Cacos, capítulo 4 - ASSISTA
Com uma fundição maior e um pouco afastada do centro de Miguel Burnier, a Usina Wigg, instalada em 1969, trouxe a necessidade de um quadro de funcionários numeroso e, consequentemente, o aumento do número de residências no distrito.
Contudo, hoje Miguel Burnier é bem diferente da época do estouro populacional. O Capítulo 4 — Colando os Cacos mostra o que restou na comunidade e destaca ações da comunidade para resgatar seus bens e manter sua cultura. Uma das ações é o Projeto Estação Cultura que transformou a estação ferroviária em uma biblioteca e espaço para atividades culturais.
Ainda existem vários bens em situação de abandono, e por mais que a comunidade exija que eles sejam restaurados diante o Ministério Público, eles continuam jogados ao tempo. Esse é o caso de igrejas do século XVIII, grutas, casarios e construções como a própria Usina Wigg.
Fonte: Brasil de Fato Minas Gerais, por Karem Andrade