A autônoma Rozana Schulz Ribeiro tem 59 anos, diagnóstico de visão monocular e mais de 15 anos de contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Por lei, ela tem direito à aposentadoria da pessoa com deficiência a partir dos 55 anos, mas o acesso ao benefício tem se transformado em martírio. Faz um ano e meio que Rozana amarga um lugar entre os mais de 2,8 milhões que estão à espera da concessão de benefícios da autarquia, recorde que se mantém há ao menos dois meses, conforme dados do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
“Fico indignada, porque direito é direito. Tenho que mendigar por algo que paguei a vida toda para poder receber”, lamenta a segurada.
Moradora do bairro Santa Terezinha, na região da Pampulha, em BH, Rozana contratou uma advogada para tentar destravar o processo de aposentadoria, que deveria ter parecer emitido em, no máximo, 90 dias, conforme acordo homologado em junho de 2021 entre o INSS, o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal. No entanto, o prazo tem sido descumprido em ao menos 20 das 27 Unidades da Federação (dados de março, do próprio INSS).
Hoje, o requerimento de Rozana se acumula com 1,09 milhão de pedidos parados à espera de perícia no país, conforme dados do INSS obtidos em 20 de maio pelo IBDP. Outras cerca de 1,8 milhão de pessoas que não necessitam de avaliação médica para a concessão de aposentadoria também estão estacionadas na fila do INSS, de acordo com o IBDP.
No INSS, prática é diferente da teoria
Embora o mais recente Boletim Estatístico da Previdência Social, de março de 2022, informe que o tempo médio para a concessão de benefícios em Minas seja de 84 dias, especialistas em direito previdenciário afirmam que a realidade passa longe disso. “O que mais tenho em nosso escritório são processos abertos há mais de seis meses”, afirma a advogada Laís Braga, que atende em BH.
“Ficamos reféns da fila e não conseguimos dar resposta rápida e efetiva a nossos clientes”, completa a advogada Simone Silva, que tem escritório em Betim, na região metropolitana.
‘Usuário do INSS passa necessidade’
A fila do INSS é um problema crônico, que causa grave prejuízo ao desenvolvimento socioeconômico do país, analisa a presidente do IBDP, Adriane Bramante: “Ele (o usuário) passa necessidade, porque precisa do benefício. Às vezes, aquele dinheiro é o que vai garantir a subsistência”.
Em 31 de maio, o presidente do INSS, Guilherme Serrano, informou a uma comissão da Câmara dos Deputados que há 1,6 milhão de benefícios represados. O número não inclui recursos e pedidos de revisão.
Na espera pela aposentadoria há seis meses, segurado critica demora
Estacionado na fila da aposentadoria do INSS há seis meses, o empresário Celso Pires Martins, de 65 anos, morador do bairro Bandeirantes, na região da Pampulha, em BH, critica a demora na apreciação dos documentos de segurados que aguardam para se aposentar.
"Entrei com o pedido de aposentadoria há seis meses, mas ainda não tive retorno. Se você tem algum dinheiro para receber (do governo), esqueça. É preciso entrar com advogado, e é aquela morosidade. Para eles, tudo. Para a gente, quase nada de direitos”, criticou
Advogado previdenciário, Gabriel Almeida concorda. “Essa ineficiência é lamentável. O sistema da Receita Federal, por exemplo, é perfeito e informatizado. Em contrapartida, o do INSS está na era pré-histórica. Há déficit de equipamentos, de agências e de servidores”, avalia o especialista.
Sem investimento, a fila não vai andar
O número insuficiente de servidores públicos para dar vazão à demanda represada do INSS é uma das principais razões para a fila da concessão de benefícios não andar, avalia a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Adriane Bramante.
“O INSS não tem um concurso desde 2015. Essa é uma demanda antiga, porque os servidores foram se aposentando ou se afastaram, e não houve a reocupação dessas vagas. Há previsão de novo concurso, mas vai levar tempo. Também falta treinamento adequado para os servidores, o que compromete os resultados”, comenta.
Paliativos
O que o INSS tem feito
A especialista pondera que a autarquia tem adotado algumas medidas – como a contratação temporária de aposentados que já trabalharam no INSS – para tentar acelerar a análise dos processos que chegam ao órgão. No entanto, segundo ela, sem investimento pesado, a fila não vai sair do lugar.
“O caminho é investir em servidores públicos, infraestrutura e gestão. Enquanto isso não acontecer, esse número (de processos pendentes) não vai se reduzir”, diz. E critica: "A gente tem propagandas de previdência privada com velhinhos felizes, e a propaganda da Previdência pública é a fila na porta do INSS. Pessoas mal atendidas, perícias que não são feitas...”
INSS mantém silêncio
Desde 20 de maio, a reportagem tem procurado o INSS para saber sobre a fila da aposentadoria e o motivo para a demora nas análises. Foram enviados cinco e-mails e feitos diversos telefonemas. Por duas vezes, a assessoria informou que responderia a demanda, o que não tinha ocorrido até o fechamento desta edição.
Fonte: O Tempo, por Clarisse Souza