O governo não eleito sabe que é fraco e compra seu apoio com os mais sórdidos instrumentos. No entanto, no mesmo tempo histórico, mantém com determinação seu projeto de desmontagem do Estado social, numa eficiência de fazer inveja aos golpistas de outras épocas. Quem chamaria de fraco um governo capaz de propor a privatização do setor elétrico, entre outros, e de abrir a exploração mineral em áreas de preservação na Amazônia, como anunciado esta semana? Sem falar na concessão de poderes paralelos quase absolutos ao Judiciário, que se torna protagonista político espúrio; e ao Legislativo, que define em causa própria os rumos do sistema eleitoral.
Já estão na conta do golpe ações radicais de extermínio dos princípios constitucionais e de retirada de direitos, que vão muito além da mediocridade do atual condomínio do poder, e que serão dificilmente retomados. Trata-se do enterro da CLT e da entrega de riquezas estratégicas ao capital internacional. Do corte de investimentos básicos para garantir a sangria financista. Da interrupção dos programas sociais de educação, saúde e habitação. Da entrega de áreas de reserva ambiental e indígenas ao apetite extrativista. Da privatização que dilapida o patrimônio público de hoje e inviabiliza as ações indutoras de desenvolvimento a médio prazo.
Em outros termos, o Brasil pós-Temer é um país mais pobre, mais injusto, mais violento, menos preparado para o futuro, doente e patrocinador de danos irreparáveis ao meio ambiente. Do ponto de vista do sistema político, se caracteriza por ser menos republicano, menos democrático, mais concentrador de poder, menos permeável à mudança, menos honesto e mais autoritário. No campo dos valores, mergulhamos num caldo de machismo, violência, homofobia, racismo e desrespeito sistemático aos direitos humanos.
Essa narrativa parece se encaminhar de forma rápida em direção ao fascismo. Não é um acaso que figuras como Bolsonaro e outros espécimes do mesmo DNA político emerjam das sombras de forma orgulhosa. Em si eles não importam e possivelmente não terão capacidade de ir adiante em seus projetos, dada a fragilidade de suas ideias e do limite moral de seus métodos. Mas só o fato de que existam, que tenham seguidores que não exibam constrangimento, que cresçam em visibilidade na mídia oligopolista e tenham representação partidária disputada por várias legendas é bastante preocupante e sintomático. Há um caldo de cultura fascista no ar.
O fascismo tem uma covardia básica em sua constituição. Ele vive nos subterrâneos pantanosos quando há a luz da razão. Os fascistas sabem se esconder por muito tempo, à espera de condições propícias. Quando começam a se mostrar com todo horror que emanam, é sinal de que há algo de muito podre na sociedade.
*Texto de João Paulo Cunha (foto), publicado originalmente no Jornal Brasil de Fato