Falso testemunho leva CPI a pedir reunião secreta



Falso testemunho leva CPI a pedir reunião secreta

Diante das suspeitas de falso testemunho e da tentativa do Executivo e da atual direção da Cemig de atrapalhar as investigações, os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) decidiram convocar uma reunião secreta para interrogar novamente a assessora da Diretoria de Regulação e Jurídica da Cemig, Virginia Kirchmeyer Vieira.

O objetivo é esclarecer contradições entre as declarações dela em reunião na tarde da segunda-feira (13/9/21) e as informações já obtidas que apontam para o cometimento de uma série de ilícitos pela atual direção da companhia energética do Estado na contratação, sem licitação, da empresa de vigilância corporativa Kroll Associates Brasil.

O requerimento para a nova convocação é de autoria do presidente da CPI da Cemig, deputado Cássio Soares (PSD). A CPI da Cemig foi instaurada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para investigar possíveis irregularidades na gestão e uso político da Cemig.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião. Clique aqui

A Kroll, multinacional especializada em investigações corporativas, teria espionado diversos servidores de carreira da empresa, sobretudo da área jurídica, que se opunha à flexibilização dos mecanismos de controle que impediriam a assinatura de contratos bilionários sem licitação, ação considerada uma tentativa de intimidação pelos deputados.

A trama foi revelada na semana passada pelo ex-titular da Gerência de Direito Administrativo da Cemig, Daniel Polignano Godoy, que, ainda no exercício do cargo, teve seu computador invadido e arquivos copiados por agentes da Kroll, que agiram, fora do horário do expediente, acompanhados justamente pela assessora da Diretoria. 

Tudo foi filmado pelas câmeras de vigilância da empresa, gravação obtida por Daniel e que será entregue à CPI da Cemig. A empresa, que já é suspeita de espionar deputados estaduais, não tinha sequer um contrato firmado que garantisse a confidencialidade das informações obtidas.

Segundo o ex-gerente, seu computador de trabalho continha informações, muitas delas sensíveis e com dados pessoais dele e de terceiros, já que lidava com as contratações da Cemig, com ou sem licitação.

Outra complicação já apontada pelos deputados envolve a prerrogativa de sigilo profissional na prática da advocacia, garantida, entre outros, pelas normas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Após outro requerimento aprovado nesta quarta, a entidade também terá que se pronunciar.

Sem contrato - A data do novo depoimento de Virgínia Vieira ainda não foi agendada. Na segunda (13), ao longo de mais de duas horas de perguntas feitas pelos deputados e respostas evasivas, ela confirmou que a Kroll não tinha mesmo um contrato assinado com a Cemig quando invadiu os computadores dos servidores da estatal.

Diante da insistência dos deputados, entre eles a deputada Beatriz Cerqueira (PT), a depoente revelou que a Kroll foi acionada e enviou, no dia 30 de novembro de 2020, uma proposta por e-mail, tendo sido “contratada”, também por e-mail, no mesmo dia, por decisão da diretoria jurídica avalizada pelos altos escalões da companhia, entre eles o Conselho de Administração. “É assim mesmo? Bastou mandar um ok por e-mail?”, questionou a deputada.

A escolha da Kroll, segundo Virgínia, teria sido uma sugestão de parceiros internacionais da Cemig, que têm ações listadas até na Bolsa de Nova Iorque (EUA). E teria sido mantida informal e secreta porque uma das áreas investigadas era justamente a responsável por contratações.

Curiosamente, a invasão de computadores de servidores da Diretoria Jurídica teria ocorrida apenas alguns dias depois, na noite de 3 para 4 de dezembro, no edifício-sede da estatal.

O vice-presidente da CPI da Cemig, deputado Professor Cleiton (PSB), lembrou que já em 22 de julho de 2020 o MP teria enviado o primeiro ofício comunicando sua investigação em curso e pedindo informações, que foi seguido de outro em 26 de outubro, diante da ausência de resposta. Ele questiona a demora na reação da direção da Cemig, o que tornou a contratação da Kroll, nas condições em que se deu, ainda mais suspeita.

E, ainda de acordo com o deputado, já em 3 de fevereiro de 2020 a Ouvidoria Geral do Estado (OGE), que primeiro recebeu a suposta denúncia, já teria enviado informações ao MP com cópia para a direção da Cemig.

Convalidação seria regra e não exceção na Cemig

A formalização da contratação da Kroll, segundo Virgínia, aconteceu somente em 23 de abril, quando a operação secreta foi convalidada. A prática de “convalidação” é a regularização de contratações depois dos serviços contratados já terem sido executados, expediente que deveria ser utilizado somente em situações emergenciais.

Esse artifício teria sido usado em dezenas de contratos recentes da Cemig, algumas vezes com a dispensa de pareceres jurídicos prévios, por determinação da diretoria executiva e do Conselho de Administração.

Os pareceres jurídicos são de responsabilidade justamente dos servidores do setor espionado pela Kroll e, em outros casos, foram emitidos bem depois que o serviço já estaria sendo executado, apenas para justificar o suposto argumento jurídico de “inexigibilidade de licitação”.

Defesa - Ao contrário dos colegas, o deputado Zé Guilherme (PP) considerou correta a decisão da Cemig de acionar a Kroll, já que por normas internacionais é necessária uma auditoria independente.

“Só foram acessados equipamentos e informações da própria empresa. As pessoas investigadas destruíram celulares e computadores, mas podem ter trocado mensagens com funcionários que não sabiam de nada”, argumentou, justificativa também reforçada por Zé Reis (Pode).

Presidente critica tentativas de atrapalhar investigações

 "Os depoentes são advertidos pela empresa antes de vir aqui. É a Lei da Mordaça", disse Cássio Soares - Foto:Luiz Santana
O presidente da CPI da Cemig, Cássio Soares, cobrou que o governador Romeu Zema tenha mais coerência e assegure, conforme prometeu em entrevistas, que as informações solicitadas pela CPI da Cemig sejam disponibilizadas de forma correta e com rapidez.

Segundo ele, a direção da companhia já enviou à ALMG mais de 50 mil páginas, boa parte delas de informações redundantes e duplicadas, para dificultar a investigação.

“O governador Zema falou que iria colaborar com as investigações, mas precisa determinar ao presidente da Cemig que faça isso mesmo. O que vimos até agora foi o contrário, pois a direção da Cemig entrou até com mandado de segurança no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para não mandar documentos em formato pesquisável”, criticou. Ainda de acordo com o presidente da CPI, de forma liminar, o TJMG negou o recurso da Cemig. 

“A empresa é dona das informações, mas a população mineira é dona da Cemig. São três anos de um governo que de novo mesmo não tem nada”, afirmou Cássio Soares.

“Os depoentes são advertidos pela direção da empresa antes de vir aqui e chegam visivelmente constrangidos de falar tudo o que sabem. É a Lei da Mordaça baixada pela empresa”, completou.

Petições - O outro depoimento colhido foi o do ex-superintendente jurídico da Cemig, Thiago Ulhoa Barbosa, que como Virgínia veio à ALMG acompanhado de advogado.

Ambos entregaram aos deputados, antes de depor, uma petição informando que não foram dispensados pela direção da Cemig do dever de preservar o sigilo profissional das informações sensíveis da companhia que porventura tenham tido acesso.

O relator da CPI da Cemig, Sávio Souza Cruz (MDB), questionou o texto idêntico das petições apresentadas nos depoimentos desta quarta e em anteriores. “A Cemig não está desobrigando quem vem aqui de manter sigiloso, em uma desobediência clara do que disse o governador, que garantiu que a empresa prestaria todas as informações pedidas”, lembrou.

Thiago Barbosa se recusou a responder perguntas sobre contratações sem licitação - Foto:Luiz Santana
Demissão – Em seu depoimento, o ex-superintendente também se recusou a responder diretamente algumas perguntas dos deputados, sobretudo com relação a detalhes de contratações diretas, sem licitação, feitas pela empresa desde 2019. Mas ele confirmou que “é uma prática recente” na empresa a dispensa de pareceres jurídicos prévios neste tipo de contrato.

Chefe imediato de Daniel, ex-gerente espionado pela Kroll, ele foi dispensado do cargo no mesmo dia do subordinado pelo diretor jurídico Eduardo Soares.

“Ele me disse que a destituição estava ligada a uma questão profissional, não pessoal, por visões diferentes do jurídico da empresa”, contou, confirmando ainda que foi substituído no cargo por um profissional do mercado, não um servidor de carreira da empresa, como era a tradição até então.

Espionagem - Sobre o episódio da espionagem, ele disse ter cobrado mais informações do superior. Este teria dito num primeiro momento, antes de ser confrontado com a gravação de sua assessora acompanhando os “espiões”, desconhecer o fato.

“Mas depois da minha destituição cobrei isso dele, que disse que eu não era suspeito, mas entendi que minha máquina (computador) também tinha sido investigada”, afirmou.

Segundo o apurado pelos deputados da CPI da Cemig, Eduardo Soares já foi sócio da empresa de advocacia Lefosse, também beneficiada com um dos contratos celebrado sem licitação com a estatal.

Fonte: Portal ALMG

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