Era dia 12 de fevereiro de 2012. Acontecia um churrasco em comemoração ao aniversário de Luciano dos Santos Pereira, que reuniu 7 mulheres, 7 homens adultos e 3 adolescentes. De repente, as luzes se apagaram, um volume ensurdecedor de som tomou conta do ambiente e entrou em cena homens encapuzados que amarraram 5 das 7 mulheres e começaram a estuprá-las. O que poderia ser uma cena de filme de terror, foi um crime da vida real e marcou para sempre a cidade do agreste paraibano, Queimadas.
No sábado (12), 10 anos após o crime, caracterizado como um estupro coletivo, uma sensação de injustiça paira no ar. O homem que planejou o estupro coletivo com o intuito de presentear o irmão aniversariante com violência e misoginia às mulheres, Eduardo dos Santos Pereira, está solto às ruas. E infelizmente, não apenas ele, a situação dos 10 envolvidos no crime é de semiliberdade, liberdade e fuga.
No dia 17 de setembro de 2020, Eduardo dos Santos Pereira, condenado a 108 anos de prisão, saiu caminhando pelo portão lateral do presídio de segurança máxima da Paraíba, o PB1, localizado em João Pessoa, capital paraibana. A explicação? Um agente poderia ter facilitado a sua fuga.
No momento da fuga, quatro policiais penais faziam a segurança do setor e foram levados à Central de Polícia para prestar esclarecimentos. Um deles foi autuado por facilitação culposa e liberado. Segundo a Polícia Civil da Paraíba, à época, a facilitação foi culposa porque a ação não teve a intenção de provocar a fuga, no entanto, um processo administrativo iria investigar e apurar todos os fatos.
No dia 24 de novembro de 2020, envolto a revolta do caso, o Movimento de Mulheres e Feminista da Paraíba, do campo e da cidade, lançou uma nota pública denunciando a fuga de Eduardo e pedindo proteção ao Estado para as vítimas e seus familiares, e as testemunhas do caso.
Na mesma data, uma comissão do Movimento de Mulheres e Feminista participou de uma audiência com as secretarias do Governo da Paraíba, da Mulher e Diversidade Humana, secretária Lídia Moura, o secretário da Administração Penitenciária, Sérgio Fonseca, o secretário executivo da Administração Penitenciária, João Paulo Barros, e o secretário executivo de Segurança Pública, Lamark Donato.
Na ocasião, os gestores declararam que o Governo da Paraíba não estava omisso diante do caso e que um processo administrativo já havia sido aberto para investigar os agentes envolvidos, no qual, foram afastados de suas funções originárias.
“Acionamos todos os órgãos de inteligência, inclusive a Interpol, para a captura do foragido”, declarou Lamark Donato, Secretário Executivo de Segurança Pública, no dia 24 de novembro de 2020.
Durante a audiência, realizada em 2020, a comissão do movimento de mulheres solicitou uma audiência com o governador, pedindo a resolução do caso o mais rápido possível e até o momento aguarda resposta tanto em relação à audiência, quanto em relação à recaptura de Eduardo dos Santos Pereira.
Também na mesma época, Lídia Moura, secretária da Mulher e Diversidade Humana se posicionou através de nota dizendo: “apoiamos o Movimento Feminista e de Mulheres da Paraíba nas ações e após a apuração dos culpados da fuga, pedimos a punição exemplar e severa”.
Situação Atual
Como resultado do procedimento administrativo aberto há 1 ano e 3 meses, a Secretaria de Administração Penitenciária disse que está em fase conclusiva, e que um dos agentes foi afastado e outro enfrenta problemas de saúde, não dando mais detalhes acerca da punição efetiva desses agentes.
Já o Governo da Paraíba afirmou, publicamente, em novembro de 2020, ter acionado todo o sistema de inteligência para recapturar Eduardo dos Santos Pereira, incluindo o nome do fugitivo na lista da Interpol, além de ter acionado a Polícia Federal, Rodoviária Federal e polícias de outros estados na captura do fugitivo, no entanto, até a data de hoje o nome de Eduardo não aparece como procurado na lista da Interpol. Quanto a essa informação desencontrada da Secretaria de Administração Penitenciária, não recebemos retorno.
Em 2014, ocorreu o julgamento dos envolvidos no crime. O julgamento aconteceu em João Pessoa para evitar que a justiça pudesse ser manipulada pela influência das famílias dos acusados. Seis homens foram condenados: Luciano dos Santos Pereira, Fernando de França Silva Júnior, Jacó Sousa, Luan Barbosa Cassimiro, José Jardel Sousa Araújo e Diego Rêgo Domingues. Eles receberam penas que variavam entre 26 e 44 anos de prisão.
E em setembro de 2014, foi a vez do julgamento de Eduardo dos Santos Pereira, condenado a 108 anos de prisão pelos crimes de dois homicídios, cinco estupros, formação de quadrilha, cárcere privado, corrupção de menores, porte ilegal de arma, e lesão corporal.
Situação dos condenados
O irmão de Eduardo, Luciano dos Santos Pereira, foi condenado a 44 anos de prisão e segue preso em regime fechado. Já Diego Rego Domingues cumpre os 26 anos e seis meses de pena em regime semiaberto, na Penitenciária de Segurança Média de Mangabeira, localizada em João Pessoa. Em 2020, Jacó Sousa, condenado a 30 anos de prisão, foi assassinado ao retornar à Queimadas, após ter conquistado liberdade condicional. A polícia não informou se o assassinato teve motivação relacionada ao estupro coletivo. A situação penal de Fernando de França Silva Júnior, condenado a 30 anos de prisão, Luan Barbosa Cassimiro e José Jardel Sousa Araújo, condenados a 27 anos de prisão cada um, é desconhecida pela Secretaria de Administração Penitenciária. No entanto, o advogado de uma das vítimas afirma que apenas Luciano está preso em regime fechado e que pode sair em breve por bom comportamento. Luciano dos Santos Pereira, o mentor do crime, está foragido desde 17 de setembro de 2020.
Em relação aos três adolescentes envolvidos no estupro, todos já cumpriram as medias socioeducativas e estão em liberdade.
O crime
O crime foi “oferecido” por Eduardo dos Santos Pereira, a seu irmão, Luciano dos Santos Pereira, como presente de aniversário. Foi planejado com ao menos uma semana de antecedência, havendo o conhecimento de todos os homens envolvidos. Eles compraram cordas, fitas adesivas, máscaras entre outros acessórios para a tortura e destruição física dessas mulheres.
No dia 12 de fevereiro de 2012, as mulheres foram convidadas para a festa de aniversário de Luciano. Em algum momento da festa, as luzes foram apagadas, aumentaram o som para que ninguém ouvisse os gritos, e simularam um assalto. As mulheres foram amarradas e estupradas. Duas mulheres foram poupadas, as esposas de dois dos envolvidos no crime. A professora Isabela Pajuçara (27 anos) e a recepcionista Michelle Domingos (29 anos) reconheceram os estupradores. Eduardo era, inclusive, ex-cunhado de Isabela. Diante disso, eles não tiveram dúvidas em executá-las a tiros. Um dos envolvidos no crime foi preso no local onde as vítimas eram veladas.
De acordo com a Polícia Civil, a venda usadas nos olhos de uma das vítimas se soltou e ela percebeu que estava sendo violentada por um amigo. As duas mulheres teriam sido colocadas na carroceria de uma caminhonete. Uma delas, Michele, conseguiu pular do veículo em movimento e caiu ao lado de uma igreja, onde foi encontrada morta a tiros.
"Minha filha se jogou ao lado da igreja. Ela morreu para fazer justiça. Se não fosse daquela maneira, a justiça não teria sido feita. Talvez a gente não tivesse nem encontrado o corpo dela, nem de Ju", disse Maria José Silva, a mãe de Michele, em 2012. Já a mãe de Isabela, Maria de Fátima Frazão, falou, também à época do crime, sobre a dor insuportável. "Meu coração de mãe está muito sofrido, porque a gente cria com tanto amor, tanta dedicação, tanto respeito e vê uma injustiça dessa", desabafou.
Devido à forte pressão do Movimento de Mulheres e Feminista da Paraíba, dos familiares das vítimas e do movimento de direitos humanos, o julgamento do caso foi célere e causou comoção e indignação na população brasileira e mundial. Muitos protestos, movimentações e denúncias foram realizadas pelo movimento na ocasião do crime.
No dia 14 de setembro de 2012, uma audiência pública promovida pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) foi realizada em João Pessoa para apurar o estupro coletivo de Queimadas e outros casos de violência contra mulheres que ocorriam à época. Na passagem pela Paraíba, a CPMI também esteve em Queimadas.
A mãe de Isabela Pajuçara, Maria de Fátima Frazão, morreu em 2020, devido ao agravamento do processo de depressão desencadeado por causa o assassinato da filha. A família das mulheres mortas no estupro coletivo, assim como as sobreviventes tiveram suas vidas destroçadas e, hoje, tentam seguir acreditando que um dia a justiça possa efetivamente acontecer.
No sábado (12), mais uma vez a família e os/as amigos/as se reuniram para relembrar o crime bárbaro que ceifou as vidas de Isabela Pajuçara e Michele Domingos. Uma missa foi rezada, às 19h30, na paróquia Nossa Senhora da Guia, no centro da cidade de Queimadas, em memória das vítimas e, mais uma vez, o terror de saber que o mentor dessa barbárie está foragido seráfoi revivido.
Fonte: Brasil de Fato (Paraíba)