“O que você quer ser quando crescer?” é uma das perguntas mais ouvidas por crianças ao longo da infância. Professor, advogado, bombeiro, ou qualquer que seja a resposta, ela definitivamente não vem seguida pelo adjetivo estressado ou infeliz. No entanto, é assim que a grande maioria dos trabalhadores se sente - ao menos por um período de sua vida profissional. O grande problema é quando a ansiedade, irritabilidade e insatisfação aumentam a ponto de tirar da pessoa a possibilidade de controlá-los, prejudicando a saúde física e emocional de quem as sente.
Pode parecer que não acontece com frequência mas, depois dos acidentes físicos como luxações, fraturas e traumatismos - típicos da construção civil e setores semelhantes -, as reações graves ao estresse representam alguns dos acidentes de trabalho mais registrados pela Previdência Social. Os registros comprovam que mais do que sintomas, levados para casa ocasionalmente, o estresse pode trazer consequências sérias para a vida das pessoas com ocupações laborais.
Em 2011, 6.482 acidentes foram contabilizados – sendo que 54,5% deles aconteceram na região Sudeste. Só no primeiro quadrimestre de 2013, 1.273 benefícios auxílio-doença foram concedidos por esse mesmo motivo. Os casos de episódios depressivos no país também estão concentrados, em grande maioria, na mesma região. Cerca 61% dos 3.957 acidentes de 2011 aconteceram entre os estados que compõem o centro financeiro do Brasil.
A cobrança de chefes, colegas e do próprio mercado estão entre as principais causas de tanta tensão. De acordo com uma pesquisa, divulgada pelo Instituto de Pesquisa e Orientação da Mente (Ipom), esse ano, o motivo que mais causa estresse entre os brasileiros (38%) é a convivência com chefes e colegas agressivos ou mal humorados. “As pessoas ultimamente têm tentado ser politicamente corretas e eu acho isso muito errado. Às vezes você deixa de falar uma coisa que te incomoda em um colega só porque trabalha com ele. Isso é errado. Não é para sair brigando, mas sim para descobrir uma maneira de se colocar para essa pessoa”, pontua a psicoterapeuta e presidente do Ipom, Myriam Durante.
A pesquisa ainda indica que 43% dos entrevistados acham o ambiente de trabalho péssimo e 65% já gostaram mais do que fazem e se sentem infelizes no trabalho. Entre os motivos de insatisfação, abaixo dos problemas de relacionamento, está o excesso de trabalho (com 23%). A pressão por resultados vem em seguida (18%), na frente de busca por perfeição (11%). O medo de demissão (7%) ficou por último. Para a presidente do instituto os dados são indicativos de que as pessoas ainda têm se preocupado mais com as pressões externas do trabalho que com sua qualidade de vida.
O vilão
O trabalho é o principal causador de estresse no país. Segundo a psicoterapeuta, os brasileiros só perdem para os japoneses entre os povos que mais sofrem com o mal. Os resultados começam a ser sentidos na pele de quem não consegue controlar a ansiedade e irritabilidade. Distúrbios de ansiedade, pânico, depressão, são algumas das doenças que atingem essas pessoas. Myriam chama essa reação de somatização. “Quando você não encontra uma maneira de colocar o que te incomoda para fora, seu corpo encontra ela por você. Bruxismo, dor nas articulações, tudo isso são maneiras que seu corpo encontra de te falar: 'pare e reveja', porque você está fazendo alguma coisa errado”, explica.
As reações físicas ao estresse variam de pessoa para pessoa, segundo explica a presidente do departamento de Medicina do Trabalho da Associação Médica de Minas Gerais, Walnéia Cristina de Almeida Moreira: “Mas o mais comum é apresentar um cansaço maior que o habitual, irritação aos mínimos motivos, dificuldade de relacionamento no trabalho e em casa, cefaleia, taquicardia, sudorese e desânimo para as atividades do dia a dia”. Os sintomas podem aparecer de maneira aguda, em crises, ou crônica.
Apesar de existirem profissões mais propensas a serem afetadas pelo mal, como bombeiros, médicos e atendentes de telemarketing, qualquer profissional pode estar propenso a sofrer com o estresse. “As reações acontecem quando as demandas são maiores do que o sujeito suporta. Cada indivíduo possui um limiar, por isto a importância da organização conhecer o seu funcionário”, destaca a médica. Mais que a empresa, é fundamental que cada pessoa conheça e respeite seus próprios limites e preze por seu bem estar. Às organizações, cabe ter consideração a esses limites.
No entanto, quando o assunto é bem estar laboral, a postura adotada pelas empresas nem sempre leva em conta o que o funcionário realmente precisa, é o que afirma a psicóloga com especialização em Bem Estar no Trabalho e professora da Universidade de Brasília (UnB), Magali Costa Guimarães. Ela conta que muitos programas de bem estar no trabalho implantam atividades como ginástica laboral, caminhadas, massagens terapêuticas e similares. “Mas não se muda as condições de trabalho, a estrutura organizacional, as relações pessoais e não se mexe no que realmente causa pressão”, ressalta.
Para ela, se uma empresa preza mesmo pela qualidade de vida de seus funcionários é necessário, antes de tudo, ouvi-lo. “Fizemos um estudo com funcionários públicos sobre o que era qualidade de vida para eles. Em momento algum tivemos como resposta academias ou atividades do tipo. O que eles querem é ter relacionamentos positivos, reconhecimento e menos pressão”, afirma.
Adoecimentos
O estresse não é o único tipo de adoecimento psicológico que pode surgir no ambiente ocupacional. A depressão é um problema quase tão frequente quanto o estresse, mas que tem motivações diferentes. Walnéia Moreira conta que um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere que, até 2020, 80% dos trabalhadores do mundo terão se afastado do trabalho em algum momento de sua vida laboral devido à depressão.
Segundo ela, na maioria das vezes, o trabalho não é a causa da depressão, mas ele pode atuar como concausa quando não existe adaptação positiva ou prazer na atividade realizada. “A depressão é mais frequente em atividades em que temos um fator chamado monotonia, ou atividades em que o trabalhador não se adapta seja ao tipo de trabalho, à organização do trabalho ou apresenta problemas de relacionamento com chefia ou colegas. Mas entendo que este quadro é muito amplo, correlaciona-se a vida moderna em geral e o trabalho atua como um dos fatores causadores”, explica.
O risco trazido pelo estresse não é só emocional. Uma pesquisa da University College of London, divulgado em 2012, identificou uma relação entre o estresse causado pelo trabalho com o aumento do risco de doenças do coração. Segundo a pesquisa, pessoas com trabalhos com muitas demandas e pouca autonomia são 23% mais propensos a sofrer ataques do coração, em comparação com pessoas que não passam pelo mesmo tipo de situação.
No mesmo ano, um estudo canadense, publicado na revista Occupational Medicine, sugeriu que mulheres com trabalhos demandantes têm um risco maior de desenvolverem diabetes. A falta de autonomia também foi o principal fator de risco. O estudo foi conduzido por nove anos e identificou que 19% dos casos de diabetes em mulheres foram atribuídos ao estresse causado pela falta de autonomia. A percentagem é maior que para casos de comportamentos prejudiciais à saúde, como tabagismo, uso de álcool e alimentação ruim. No entanto, a obesidade continua sendo a maior causa de diabetes (42%) entre os participantes.
À procura da felicidade
O assunto intrigou o jornalista investigativo Alexandre Teixeira, que resolveu investir em um livro-reportagem sobre a busca por satisfação no trabalho. Em 'Felicidade S.A.', publicado em 2012 ele propõe que o leitor reflita sobre sua relação com o trabalho. Na opinião dele, é necessário superar a ideia de que a recompensa financeira é o principal motivador na busca por um ofício. “Tem uma coisa que eu acho chave e é que a gente se deixa ser escolhido mais que a gente escolhe. Acho que deveríamos fazer o esforço de escolher mais”, destaca o autor.
Mesmo que o começo de carreira seja geralmente motivado por aquela pergunta feita lá na infância, o meio dela nem sempre traz a satisfação esperada. Segundo ele, a partir do momento que ingressamos em uma carreira, nossas decisões passam a ser restritas ao sim ou não, diante das opções que nos são dadas. Para Teixeira, isso nos distancia dos sonhos e aspirações, dos motivos que nos levaram àquela carreira em primeiro lugar. “As pessoas acabam entrando em crises profissionais que se tornam crises existenciais”, ressalta. “Quem tem a oportunidade de escolher não deveria abrir mão dessa prerrogativa. Um outro erro é que não se deveria tomar decisões só pela questão financeira. Se formos pensar, o dinheiro nos faz feliz sim, mas nem tanto”, completa.
Longe de citar fórmulas de sucesso e satisfação, o jornalista sugere que a felicidade seja algo construído por decisões que coloquem em equilíbrio o bem estar no trabalho e na vida. “Não acredito em fórmula da felicidade e nem coloco isso no meu livro. As pessoas se sentem cobradas por não saber o caminho para a felicidade e, por isso, precisamos repensar nossa relação com o dinheiro, nossas decisões de carreira, levando em conta mais critérios”, afirma.
No lugar de seguir fórmulas, Teixeira sugere que para ser mais feliz no trabalho deve-se levar mais coisas em consideração - que não só o dinheiro – como o equilíbrio, a autonomia e motivação, saber o porquê que nos leva a acordar cedo todas as manhãs.