Dois dos países que tiveram seus líderes grampeados no escândalo da espionagem americana, Brasil e Alemanha foram ontem às Nações Unidas entregar um projeto conjunto de resolução sobre direito à privacidade.
A iniciativa ocorre pouco mais de uma semana após o governo alemão cobrar o presidente americano, Barack Obama, pelos recentes indícios de que o telefone da chanceler Angela Merkel foi monitorado.
Em setembro, a sequência de reportagens baseadas em documentos secretos vazados pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden apontou que a presidente Dilma Rousseff também fora alvo das escutas telefônicas.
Sem citar a NSA (Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos), o projeto de resolução manifesta "profunda preocupação com abusos que podem resultar de qualquer vigilância".
O documento afirma também que a interceptação, a coleta de dados pessoais e a vigilância ilegal das comunicações são "atos altamente intrusivos que violam o direito à privacidade e à liberdade de expressão".
O argumento adotado pelo governo americano para justificar suas ações de espionagem --identificar e impedir o planejamento de ataques terroristas-- também foi mencionado no projeto.
"Embora preocupações com a segurança pública possam justificar a coleta e a proteção de certas informações confidenciais, os Estados devem assegurar o pleno cumprimento de suas obrigações no âmbito do direito internacional", diz o texto.
O documento solicita que sejam tomadas atitudes para encerrar a violação da privacidade, "inclusive assegurando que a legislação nacional esteja em conformidade", e pede também que os procedimentos de vigilância das comunicações sejam revistos.
O projeto foi recebido pela Terceira Comissão, instância dentro da ONU que cuida de questões de direitos humanos. Na próxima quinta-feira, o texto será apresentado no plenário da comissão e, após ser debatido, seguirá para votação no dia 27.
Depois disso, o documento será encaminhado ao plenário da Assembleia-Geral em dezembro e, se aprovado, torna-se uma resolução.
'Longe demais'
Antes disso, o secretário americano de Estado, John Kerry, reconheceu que os EUA foram "longe demais" em alguns casos de espionagem.
"Em alguns casos, reconheço, tanto como o presidente [Obama], que algumas destas ações foram muito longe e vamos garantir que isto não aconteça no futuro", disse Kerry em videoconferência mostrada em Londres.
Foi o primeiro grande mea culpa de Kerry sobre a espionagem da NSA. Mas o chefe da diplomacia americana justificou as práticas de inteligência e coleta de informações como parte da luta contra o terrorismo e a prevenção de atentados.
"Nosso presidente está decidido a esclarecer o programa para que ninguém se sinta enganado", disse Kerry.
Líderes de pelo menos 35 países teriam sido vigiados pela NSA, inclusive o papa Francisco.
A última queixa veio da China, Indonésia e de outros países asiáticos, após denúncia do jornal australiano "Sydney Morning Herald" de que os EUA usavam suas embaixadas na região como bases de espionagem.