Especial Mulher: o primeiro ano de Bolsonaro



Especial Mulher: o primeiro ano de Bolsonaro

Pautado desde o início em conceitos anacrônicos de família e sociedade, Jair Bolsonaro não surpreendeu ao apresentar uma
série de retrocessos no primeiro ano de sua gestão. Entre aplausos a torturadores misóginos, frases desrespeitosas ditas a deputadas e jornalistas, relacionamento infantil com a imprensa e postura de total desabono sobre o seu projeto para as mulheres – ou qualquer minoria, de fato –, Bolsonaro sempre mostrou que não intencionava mudar a cultura machista
arraigada no Brasil.

No início deste ano, o presidente já avisou que não pretende reforçar o orçamento para políticas de combate à violência contra
a mulher. Segundo ele, “não há necessidade de dinheiro, mas sim de mudança de comportamento”. Sua visão tacanha sobre as necessidades das mulheres refletiu em suas escolhas para os ministérios. As duas únicas mulheres de um corpo com 22 ministros foram escolhidas a dedo para manter o status quo da desigualdade de gênero.

A primeira, Tereza Cristina, ocupa o cargo de ministra da Agricultura. Apesar de não aparecer muito na mídia, tem grande
poder: É ruralista e defende o agronegócio. Libera pesticidas como se não houvesse amanhã: a seu mando, órgãos de controle
liberaram mais de 199 pesticidas. Destes, 40% são proibidos em diversos países. É chamada, não à toa, de “musa do veneno”.

A segunda, Damares Alves, chefia o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Muito conhecida, principalmente
por seus posicionamentos polêmicos e alucinantes, a ultraconservadora deu diversas provas de não saber o que está fazendo.
A Casa da Mulher Brasileira, por exemplo, é referência em atendimento às mulheres vítimas de violência. O programa é considerado um dos mais eficazes e rápidos para o acesso das vítimas à proteção social.

A unidade de Campo Grande (MS), a primeira do país, já registrou mais de trinta mil boletins de ocorrência desde sua abertura, em 2015. O programa previa a implementação da Casa em 25 capitais brasileiras, mas apenas cinco estão abertas. Com um orçamento de R$13,6 milhões para a pasta em 2019, Damares não colocou um centavo sequer na iniciativa.

Gestão fora da realidade

Além disso, a ministra coleciona declarações infelizes: começou seu regime afirmando que meninas vestem rosa e meninos
vestem azul – uma clara alusão à política binarista e excludente que viria a seguir. Num país que registrou uma morte de pessoa
LGBT por dia apenas no primeiro semestre de 2019, segundo relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB).

Damares também afirmou que o abuso de meninas na região amazônica se devia ao fato de não usarem calcinhas. Sugeriu
que a doação de roupas íntimas e a abertura de uma fábrica de calcinhas por lá resolveria o problema dos estupros. Num país que bateu recorde de estupros em 2018: 66 mil. A maioria das vítimas são meninas de até 13 anos – quatro meninas até essa idade são estupradas por hora no país, de acordo com o 13º Anuário de Segurança Pública.

Não para por aí. Sua sugestão mais recente para resolver a questão da gravidez na adolescência é ensinar nas escolas a adiar a relação sexual. Segundo a ministra, “a forma mais eficaz de evitar a gravidez precoce é não ter a relação. A gente vai poder falar no Brasil de alma gêmea”. Num país que detém a maior taxa mundial de gravidez adolescente, segundo dados da ONU. São 62 adolescentes grávidas a cada mil entre 15 e 19 anos.

No início do ano, foi incorporada à equipe mais uma mulher: a atriz Regina Duarte se tornou Secretária Especial da Cultura,
com status de ministra. Conhecida por ser alinhada à direita e ter posicionamentos conservadores, ainda é uma incógnita o que virá de sua gestão, mas seu discurso de posse já deu pistas que não diferem muito do contexto atual.

Religião legislando sobre nossos corpos

É impossível não ligar o caos político à inserção equivocada de um tema de foro íntimo à vida pública: a religião, norte de todos
os representantes de pensamento obscurantista escolhidos por Bolsonaro. Assistimos ao Congresso Nacional apresentando mais de 25 projetos em 2019 para tentar criminalizar qualquer opção de aborto, até mesmo em casos legalmente previstos, como nos de gravidez decorrente de abuso sexual.

E a lista de retrocessos é extensa: o veto do termo violência obstétrica a documentos oficiais, a retirada da população LGBT da
Política de Direitos Humanos e desmonte do Minha Casa, Minha Vida. Com a desintegração de políticas públicas, a precarização
do trabalho aumentou, ampliou a informalidade das mulheres e ameaça as conquistas históricas da aposentadoria.

Numa narrativa complexa que envolve diversos fatores, o governo Bolsonaro apresenta muitas trincheiras que precisaremos
atravessar com união e bravura. No entanto, vemos crescer, cada vez mais, a resistência. Todas as conquistas das mulheres
resultaram de lutas históricas. É momento de articulação e foco para não deixarmos que nenhum direito nos seja tomado. Ele não. 

Mulheres, em frente!

Por Maria Beatriz, jornalista 

OS RETROCESSOS EM DADOS:

CLARAMENTE, AS ATITUDES DO GOVERNO BOLSONARO NÃO SÃO ISOLADAS E REFLETEM NO DIA A DIA DA MULHER TRABALHADORA. SEGUNDO ESTUDO REFERENTE AO 4º TRIMESTRE DE 2019 DIVULGADO PELO DIEESE, AS MULHERES CONTINUAM MAL REMUNERADAS, O DESEMPREGO É MAIOR ENTRE ELAS E A JORNADA DUPLA PERMANECE COMO UM DOS GRANDES OBSTÁCULOS. CONFIRA OS DADOS ABAIXO:

 

 

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