Entenda o “Plano Guedes” de não recompor perdas do salário-mínimo, aposentadorias e pensões: uma ameaça para o país



Entenda o “Plano Guedes” de não recompor perdas do salário-mínimo, aposentadorias e pensões: uma ameaça para o país

 

Confira o artigo de Luiz Alberto dos Santos (*), publicado no site Congresso em Foco

 

O “Plano Guedes” e os reajustes do salário-mínimo, aposentadorias e pensões: uma ameaça para o país

LUIZ ALBERTO DOS SANTOS


Em 19 de outubro de 2022, o jornal Folha de São Paulo noticiou o vazamento de um “Plano” do Ministro da Economia, Paulo Guedes, a ser apresentado após o segundo turno da eleição presidencial, em caso de vitória do Presidente Jair Bolsonaro, alterando as regras sobre o reajuste do salário-mínimo e das aposentadorias e benefícios do regime geral de previdência social, o que também afetaria os demais direitos sociais a eles vinculados[1].

Segundo a reportagem, esse “plano”, o “Plano Guedes”, seria adotado um conjunto de medidas para “frear o crescimento de despesas que hoje pressionam o Orçamento – entre elas os benefícios previdenciários ou atrelados ao salário-mínimo”.

A proposta seria objeto de uma Proposta de Emenda à Constituição, a ser apresentada ao Congresso imediatamente após a eleição, instituindo um “novo marco fiscal”, que seria um “reforço ao chamado tripé macroeconômico —câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais”.

 

A solução elaborada por Paulo Guedes afastaria a necessidade de uma licença para gastos extra teto, estabeleceria novas exceções para o teto de gastos, e viabilizaria a correção menor de alguns gastos, produzindo uma “folga” fiscal da ordem de R$ 100 bilhões adicionais dentro do teto em 2023, o que permitiria honrar promessas eleitorais como a manutenção do piso do Auxílio Brasil em R$ 600, o pagamento de um 13º para beneficiárias mulheres e a recomposição de verbas para programas como o Farmácia Popular.

A reportagem destaca que, para tanto, uma das principais medidas seria a “desindexação do salário-mínimo e dos benefícios previdenciários”.

Atualmente, o salário-mínimo é corrigido, anualmente, no mês de janeiro, por lei. O Congresso vem apreciando, desde 2020, medidas provisórias editadas pelo Presidente da República com efeito a partir de 1º de janeiro, que vêm adotando como critério para o reajuste a inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do ano anterior.

Desde a Constituição de 1988, houve várias formas de assegurar o cumprimento do art. 7º, IV da Constituição, que assegura ao trabalhador “salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

Já quanto aos benefícios da previdência social, a Constituição previa, inicialmente, no art. 201, § 4º, o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei, e, no § 5º, que nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado teria valor mensal inferior ao salário-mínimo. A EC 20/1998, ao alterar esse artigo, manteve essa última regra para o § 2º, mantendo o § 4º.

E, no art. 203, V, a Constituição assegura, como um dos objetivos da assistência social “a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”

Por fim, é relevante observar que a EC 41, de 2003, inseriu o § 8º no art. 40 da CF, de forma a assegurar o reajustamento dos benefícios pagos pelo Regime Próprio de Previdência (RPPS) “para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.” Essa equiparação explícita de regras atende ao que fora o objetivo da EC 41/2003 de aproximação das regras dos regimes previdenciários (RGPS e RPPS), que extinguiu, para os servidores nomeados a partir da sua vigência, em 19.12.2003, a garantia da aposentadoria com base na última remuneração. A Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, resultante da Medida Provisória nº 167, de 19 de fevereiro de 2004, regulamentando essa nova regra, previu em seu art. 15, com a redação dada pela Lei nº 11.784, de 2008, que:

“Art. 15. Os proventos de aposentadoria e as pensões de que tratam os arts. 1º e 2º desta Lei serão reajustados, a partir de janeiro de 2008, na mesma data e índice em que se der o reajuste dos benefícios do regime geral de previdência social, ressalvados os beneficiados pela garantia de paridade de revisão de proventos de aposentadoria e pensões de acordo com a legislação vigente.”

Há, portanto, uma relação umbilical, de ordem constitucional, no que se refere ao critério de reajuste dos benefícios previdenciários do RGPS e do Regime Próprio de Previdência da União, no sentido da preservação de seu valor real, e que é regulamentada por lei ordinária.

Ao longo do período, vários índices foram adotados para assegurar a efetividade do princípio constitucional da preservação desse valor real, mas nem sempre eles atenderam ao seu objetivo. Entre janeiro de 1992 e junho de 1994, foi utilizado, por exemplo, para tal fim, um índice específico, criado por lei (Índice de Reajuste do Salário-Mínimo – IRSM).

Quando entrou em vigor a nova Constituição, o salário-mínimo era de Cz$ 23.700,00, o que corresponderia, em abril de 2002, data do último reajuste aplicado no Governo FHC, a R$ 207,88. Contudo, naquele momento, o salário-mínimo correspondia a R$ 200,00 mensais.

O valor vigente em outubro de 1988 corresponderia, em janeiro de 2022, com a correção pelo INPC acumulado desde outubro de 1988 a dezembro de 2021, a R$ 704,82. O salário-mínimo vigente, porém, é de R$ 1.212,00, o que só foi possível devido à concessão de aumentos reais ao salário-mínimo, em vários momentos, totalizando 71,95% de aumento acima da inflação.

O processo de recuperação do valor do salário mínimo se intensificou a partir de 2006, quando as centrais sindicais e o governo acordaram uma política que levaria em conta a inflação do ano anterior e a variação do Produto Interno Bruto (PIB), se positiva, do segundo ano anterior ao reajuste. Esse acordo passou a ser adotado nos reajustes a partir de 2008 e, em 2010, a Lei nº 12.255, de 15 de junho, ao fixar o valor do salário mínimo em R$ 510,00, previu que “até 31 de março de 2011, o Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional projeto de lei dispondo sobre a política de valorização do salário-mínimo para o período de 2012 e 2023, inclusive”, o qual preveria “a revisão das regras de aumento real do salário mínimo a serem adotadas para os períodos de 2012 a 2015, 2016 a 2019 e 2020 a 2023.”

Com base nesse compromisso, a Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, dispôs o valor do salário-mínimo em 2011 (R$ 545,00) e a sua política de valorização a vigorar entre 2012 e 2015, inclusive, a serem aplicadas em 1º de janeiro do respectivo ano.

Foi definido que os reajustes para a preservação do poder aquisitivo do salário mínimo corresponderiam à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, acumulada nos doze meses anteriores ao mês do reajuste, e, a título de aumento real, seria aplicados, em cada ano, percentual equivalente à taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto – PIB, apurada pelo IBGE, para o segundo ano anterior ao reajuste (e.g, a variação do ano de 2010, em 2012).

Assim, ficaria dispensada a edição de nova Lei, a cada ano, bastando a edição de decreto presidencial.

A Lei previa, ainda, que até 31 de dezembro de 2015, o Poder Executivo encaminharia ao Congresso Nacional projeto de lei dispondo sobre a política de valorização do salário-mínimo para o período compreendido entre 2016 e 2019, inclusive.

Em 2015, a Lei nº 13.152, de 29 de julho, estabeleceu as diretrizes a vigorarem entre 2016 e 2019, inclusive, a serem aplicadas em 1o de janeiro do respectivo ano, para a política de valorização do salário-mínimo. Assim, até janeiro de 2019, foi renovada a política anterior, aplicada mediante decretos presidenciais.

A adoção dessa política, considerando a inflação passada, cumpria, portanto, quanto ao salário mínimo, o duplo propósito de assegurar a preservação do seu valor real, ainda que com reajustes a cada 12 meses, e a recuperação do seu valor real, visto que, até a entrada em vigor da Carta de 1988, e ainda na sua vigência, o salário-mínimo experimentou forte compressão: o salário-mínimo vigente em outubro de 1961, de Cr$ 13.440,00, se corrigido pela inflação até outubro de 1988, corresponderia a CZ$ 79.117,40, ou seja, 3,33 vezes o valor então vigente (Cz$ 23.700,00).

Já quanto aos benefícios previdenciários, a Constituição previu, no seu art. 58, que os benefícios de prestação continuada, mantidos pela previdência social na data da sua promulgação, teriam seus valores revistos, a fim de que seja restabelecido o poder aquisitivo, expresso em número de salários-mínimos, que tinham na data de sua concessão, obedecendo-se a esse critério de atualização até a implantação do plano de custeio e benefícios referidos no artigo seguinte.

Mas, a partir de 1991, passou a ter efeito a norma constitucional que veda a sua vinculação ao salário-mínimo, passando, então, a ser corrigidos por índices definidos em lei.

Com fundamento no art. 41-A da Lei nº 8.213, de 1991, inserido pela Medida Provisória nº 316, de 11 de agosto de 2006, convertida na Lei nº 11.430, de 2006, os benefícios de valor superior ao salário-mínimo, mantidos pelo INSS, passaram a ser igualmente corrigidos, ano a ano, por decreto presidencial. Nos termos dessa norma, o valor dos benefícios em manutenção passou a ser reajustado, anualmente, por decreto presidencial, na mesma data do reajuste do salário-mínimo, pro rata, de acordo com suas respectivas datas de início ou do último reajustamento, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

Nos termos do “Plano Guedes”, haveria uma radical alteração desses critérios de reajustamento. Segundo a proposta, “o salário-mínimo deixa de ser vinculado à inflação passada”, e passaria a ser considerada, para a fixação do reajuste, “a expectativa de inflação e é corrigido, no mínimo, pela meta de inflação”.

Também o reajuste dos benefícios previdenciários deixaria de ser “vinculado à inflação passada”.

Dessa forma, poderia ser adotado reajuste inferior à inflação verificada, sem qualquer garantia, quanto ao salário-mínimo, de aumento real.

Haveria, ainda, a possibilidade de substituição do índice de reajuste, utilizando-se, em lugar do INPC, que mede a inflação para famílias com renda de até 8 salários-mínimos, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a variação de preços para famílias com renda de até 40 salários-mínimos.

Em termos comparativos, tem-se as seguintes variações acumuladas:

Período INPC- IPCA
Janeiro de 2004 – dezembro de 2021 173,11% 174,51%
Janeiro de 2010 – dezembro de 2021 104,38% 102,81%
Janeiro de 2015 – dezembro de 2021 51,96% 50,75%
Janeiro de 2019 – dezembro de 2021 21,37% 19,99%

Como se observa, nos últimos seis anos a variação do IPCA tem sido inferior à do INPC; e, mantida essa trajetória, haveria ganhos fiscais para o Governo na alteração do índice, apesar de sua inadequação metodológica, posto que não refletiria a inflação que aflige a população que recebe quer o salário-mínimo, que o teto de benefícios do RGPS (R$ 7.087,22).

No caso de adoção da meta inflacionária, fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e cuja execução cabe ao Banco Central do Brasil (BACEN), essa disparidade seria ainda maior.

O CMN fixa meta inflacionária para o IPCA, mas não para o INPC. Com efeito, o IPCA é o “índice oficial da inflação”, medido pelo IBGE, e sua utilização é relevante, entre outras, para a fixação do “teto” de despesas definido pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016.

O CMN, atualmente composto pelo Ministro da Economia (que o preside), pelo Presidente do Banco Central e pelo Secretário Especial de Tesouro e Orçamento (ex-Secretário Especial de Fazenda) do Ministério da Economia fixa, anualmente, a “meta” de inflação, e com base nela conduz a política monetária e a política cambial. Historicamente, porém, o “centro” da meta, que é a meta efetiva, não tem sido alcançada; em muitos momentos, nem mesmo o limite superior da meta tem sido efetivo, e a inflação medida pelo IPCA supera esse limite.

Observa-se que, entre janeiro de 2004 e janeiro de 2022, o salário-mínimo foi reajustado em 405%, e o teto de benefícios do INSS, em 195%, ao passo que a variação do INPC de janeiro de 2004 a dezembro de 2021, que reajusta os valores em janeiro de 2022, foi de 173,11%.

E, entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011, a correção do salário-mínimo foi de 137,65%, contra uma variação do INPC de 104,38%.

E, entre 2015 e 2022, o salário-mínimo aumentou 53,81%, contra uma inflação de 51,96%. Note-se que, desde então, o crescimento econômico foi pífio, ou inexistente; e, desde 2020, com a sua extinção em 2019, deixou de ser aplicada a política de ganhos reais.

Contudo, se o salário-mínimo tivesse sido corrigido pela “meta” de inflação desde 2004, o seu valor em janeiro de 2022 seria de apenas R$ 517,46 e o teto do RGPS, de R$ 5.174,00. Se esse critério fosse aplicado desde 2010, o salário-mínimo seria de apenas R$ 844,38, e o teto, de R$ 5.740,90. Se a regra tivesse sido adotada a partir de janeiro de 2019, o salário-mínimo seria de R$ 1.110,00 e o teto do INSS de R$ 6.573,00.

Em todos os momentos, portanto, haveria perdas expressivas, frente à inflação; e a concessão de qualquer aumento compensatório demandaria a intervenção do Poder Legislativo, de forma a assegurar o mandamento constitucional.

Também para os servidores públicos federais essa alteração teria impactos significativos.

Se observamos a evolução remuneratória dos Auditores-Fiscais da Receita Federal, constata-se que um servidor que, nesse interregno, tenha se aposentado pelas regras anteriores à EC 41, ou com base nas regras de transição, fazendo jus à aposentadoria com base na última remuneração e reajustes com base na “paridade”, os seus reajustes, ao longo do período de janeiro de 2004 a janeiro de 2022, foram superiores à variação do teto do RGPS e do INPC: os reajustes acumulados, no período, embora em datas diferentes, e com alguns períodos de congelamento salarial, como o que ocorre desde 2019, totalizaram até 2022 293,15%, versus INPC de 173,11% e IPCA de 174,51%. Desde janeiro de 2010, porém, as perdas são expressivas: frente ao INPC de 104,38%, a remuneração e proventos somente foram reajustados em 65,96%. De 2015 a 2022, para um INPC de 51,96%, os reajustes totalizaram 34,58% apenas.

Quem se aposentou com base na “média”, porém, teve direito a reajustes anuais, com base na inflação apurada no ano anterior, medida pelo INPC. A definição desse critério de reajuste, porém, não se acha na Constituição, e depende do que vier a ser definido em lei.

A possibilidade de alteração das regras de reajuste, para os servidores que se aposentaram ou se aposentarão com proventos calculados pela média, e que fazem jus ao mesmo reajuste devido aos segurados do INSS, portanto, encerra riscos graves de perdas futuras.

E essas perdas poderão, também, afetar os que exercerem a opção pela aplicação do teto do RGPS aos proventos pagos pelo Regime Próprio, fazendo jus ao Benefício Especial instituído pela Lei nº 12.618, de 2012, que regulamentou o regime de previdência complementar e autorizou a criação da Funpresp-Exe, Funpresp-Leg e Funpresp-Jud.

Nos termos do inciso III do § 6º do art. 3º da Lei nº 12.618, de 2012, o benefício especial, que já sofre redução em vista da não consideração, em seu cálculo, no Poder Executivo, do tempo de serviço público anterior a junho de 1994, o que resulta em até 18,7% de perda na apuração do tempo de contribuição[2], uma vez concedido, no momento da aposentadoria, será atualizado pelo mesmo índice aplicável ao benefício de aposentadoria ou pensão mantido pelo Regime Geral de Previdência Social.

Assim, do mesmo modo que o benefício concedido pelo RPPS, com base na média, e até o teto do RGPS, o benefício especial terá a correção que for aplicada a essa parcela, ou seja, ou o INPC, ou o IPCA, caso venha a ser adotado, ou a meta de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional.

Desse modo, por se tratar de matéria que depende do disposto em lei, e cujo critério de reajuste não gera direito adquirido, o valor a ser apurado e concedido, a título de benefício básico, assim como o benefício especial, dependem, diretamente; da regra que for estabelecida para o cálculo e reajustamento dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Essa insegurança jurídica, que é intrínseca à natureza da relação estatutária, mas que se estende aos direitos que dependem de lei para o seu exercício, como é o caso do benefício especial concedido pelo Tesouro, e cuja natureza “compensatória”, também é definida de forma precária[3] e pode ser objeto de alteração futura.

Outro aspecto associado é a incidência de imposto de renda sobre o benefício especial, no caso de servidor que tenha doença grave: nos termos do inciso XIV do art. 6 da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, são isentos do imposto de renda “os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma”.

Diversamente do provento de aposentadoria, porém, por não ter natureza “previdenciária”, mas “compensatória”, essa regra não seria aplicável ao benefício especial, mesmo que a aposentadoria concedida pelo RPPS tenha como razão a própria invalidez decorrente dessas doenças.

Vale lembrar que, para os filiados ao RPPS, a EC 103, de 2019, revogou o § 21 do art. 40 da Constituição que previa que a contribuição do inativo e pensionista para o custeio previdenciário incidiria apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social.

Essa elevação de contribuição torna-se ainda mais drástica quando o próprio benefício especial, que é “substitutivo” da parcela dos proventos que seria concedida pelo RPPS, e será mantido pelo Tesouro Nacional, embora não esteja sujeito à contribuição previdenciária, passará a ser sujeito ao imposto de renda em sua integralidade, em alíquota ainda mais elevada.

Dessa forma, o “Plano Guedes”, caso venha a ser implementado, poderá ter como resultante gravíssimas perdas para aposentados e pensionistas tanto do RGPS quanto do RPPS, sujeitos às mesmas regras para fins de cálculo de benefício e reajustes, assim como aos que venham a receber o “benefício especial”, mas, de forma ainda mais grave, para os trabalhadores que recebem o salário-mínimo e os aposentados e pensionistas que percebem benefícios nesse valor, assim como os beneficiários da assistência social (idosos e pessoas com deficiência carentes).

Ele não apenas inviabilizaria ganhos reais, pois o seu pressuposto é o reajuste com base em metas de inflação que, como mostra o histórico, têm se revelado incapazes de, com efeito, evitar que os índices efetivos as superem, como ainda poderá acarretar achatamento dos valores devidos, em clara e direta ofensa à Constituição, e, em particular, à vedação do retrocesso social, princípio implícito da Ordem Social que não pode ser ignorado por conveniências conjunturais de qualquer governo.

Em virtude da repercussão negativa do “vazamento” do “Plano Guedes”, já no dia 20/10/2022 o Ministro veio a público, em entrevista coletiva, para declarar que “o salário-mínimo e as aposentadorias serão reajustados, pelo menos, de acordo com a variação da inflação” e que “não há mudança de regra agora. É o que está valendo.” O Ministro afirmou que “ninguém vai mexer com o salário-mínimo e com os aposentados. Não tem isso de mudar regra para prejudicar o trabalhador”, enfatizou, e que a possibilidade de reajustes reais estaria sendo estudada. Tais declarações, porém, não merecem credibilidade, e contradizem integralmente o teor do “Plano”, suas premissas e prováveis consequências.

[1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/10/plano-de-guedes-preve-salario-minimo-e-aposentadoria-sem-correcao-pela-inflacao-passada.shtml

[2] Considerado o total de contribuições a partir de julho de 1994 até novembro de 2022, quando se encerra o prazo para opção, um servidor que tenha 35 anos de serviço público, que é tempo de contribuição a ser computado para todos os fins, somente poderá computar 370 mensalidades no cálculo do benefício especial, o que corresponde a 81,31% do tempo total de contribuição (455 mensalidades). Assim, de pronto, já há uma “perda” para o servidor ingressado antes de 1994, caso opte pela migração para o regime complementar, ou apenas pela aplicação do “teto” do RGPS sobre os proventos do RPPS, passando a fazer jus ao Benefício Especial calculado sobre a parcela acima daquele teto.

[3] A natureza “compensatória”, e não previdenciária, do benefício especial, é definida em pareceres jurídicos, e sequer é prevista em lei. Assim, uma mudança de entendimento dos órgãos jurídicos, como a AGU, poderá, a qualquer momento, alterar a compreensão dessa “natureza”, implicando, por exemplo, na sua sujeição à contribuição previdenciária de inativo ou pensionista.

(*) LUIZ ALBERTO DOS SANTOS É consultor legislativo e advogado.

luizalberto@congressoemfoco.com.br

item-0
item-1
item-2
item-3