A Lei Geral de Proteção de Dados do Brasil (LGPD), nº 13.709/2018, foi sancionada depois de oito anos de debates, mas só entrou em vigor em setembro de 2020. E entre outros itens importantes de proteção ao consumidor, tem um item de proteção aos trabalhadores e trabalhadoras. Entenda do que trata a LGPD e qual o novo direito do trabalhador e da trabalhadora essa lei garante.
Antes de mais nada, é preciso entender que as pessoas só são perturbadas com ligações telefônicas e mensagens por WhatsApp, ou celular, oferecendo planos médicos, funerários, empréstimos bancários e vendas de diversos produtos porque seu dados foram vazados.
E esses dados podem ter sido vazados pela farmácia que pede o número do CPF, pelas operadoras de telefonia ou até mesmo por invasão de sistemas, como aconteceu recentemente no Ministério da Saúde onde hackers tiveram acesso aos dados de milhões de brasileiros.
Com os números de documentos, histórico de compras e outras informações, os bandidos podem fazer uma infinidade de falcatruas que darão muita dor de cabeça para ser resolvidas e que, muitas vezes, se arrastam por anos.
Foi por causa das inúmeras queixas que a LGPD foi criada e veio em boa hora e em contexto importante, diz o advogado Nilo Beiro, do escritório LBS. De acordo com ele, o avanço tecnológico ocorrido nas áreas da informática, coleta e armazenamento de dados, inteligência artificial e aprendizagem de máquinas nos torna vulneráveis com relação à vigilância que as grandes corporações tecnológicas e outras entidades nos submetem.
“Todos estes dados são utilizados para que nosso perfil pessoal possa ser traçado e então recebamos propagandas perfeitamente adequadas a nosso gosto pessoal”, diz Nilo. “Mais ainda do que isso, essas empresas passaram a ter dados suficientes para predizerem nosso comportamento e, ainda pior, utilizá-los para, junto com comunicação estratégica, induzirem nosso comportamento”, acrescenta o advogado.
E o que a lei trabalhista tem a ver com isso? Muito. Já tem até empresa sendo condenada por não proteger os dados dos trabalhadores após ação dos sindicatos. Embora a decisão sobre as multas sobre vazamentos só entrarem em vigor a partir do próximo mês
Foi o que aconteceu no Rio Grande do Sul, onde os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação de Montenegro e Região (STIA Montenegro) , no Rio Grande do Sul, que atende 7 mil trabalhadores e trabalhadores, em 19 cidades da região, entraram com 12 ações na Justiça pedindo que as empresas cumpram a Lei Geral de Proteção de Dados. A alegação dos sindicalistas foi o descumprimento sistemático na proteção de dados e o compartilhamento de informações, sem as cautelas necessárias.
A LGPD obriga as empresas a ter uma pessoa que se encarregue de ser o “controlador”, que proteja os dados dos trabalhadores, o que segundo os autores da ação, não está sendo cumprido por diversas empresas. Por isso, a Cooperativa Ecocitrus foi condenada, em primeira instância, a aplicar a LGPD, no prazo de 90 dias, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.
A Lei diz ainda, que em hipótese alguma, o responsável pelos dados pode fornecer qualquer informação pessoal, seja médica, ou contatos do trabalhador a terceiros, nem mesmo ao plano de saúde. A empresa precisa ter autorização do trabalhador para compartilhar a informação.
“Das 12 ações que entramos, por enquanto, só a Cooperativa Ecocitrus foi condenada. A JBS e Aripê comprovaram que já estavam tomando providências. As ações contra as outras nove ainda estamos aguardando as decisões da Justiça”, diz o advogado do sindicato, Daniel Fontana.
O presidente do STIA Montenegro, Celestino Netto, que entrou com a ação, diz que é preciso tirar as empresas da zona de conforto, de que esta é mais uma lei que não será seguida.
“Nós temos quase 280 milhões de dados circulando, e é dever dos sindicatos ter este olhar de proteção para o trabalhador, que vai além do mérito apenas financeiro”, diz Celestino.
O advogado do sindicato, Daniel Fontana, concorda e alerta: “os nossos dados hoje valem mais do que o petróleo. E vimos que as empresas não estavam se adequando à legislação já em vigor. Esta é um questão que já está sendo aplicada nos EUA, Europa e em países vizinhos como Uruguai, Argentina e Colômbia, e pouco no Brasil”.
Sindicatos devem ficar atentos à LGPD
Com a nova legislação em vigor, segundo o advogado Nilo Beiro do LBS , a Lei Geral de Proteção de Dados tem importância em três esferas: pessoal, coletivo e institucional.
Segundo ele, todos temos estabelecidos direitos com relação a nossos dados pessoais e nossa privacidade, daí a esfera pessoal. Coletivamente esses direitos passam a ser importantes para as categorias profissionais e para o conjunto de todos os trabalhadores e passam a ser objeto de preocupação em toda atuação sindical.
E, por fim, é institucional, pois todas as entidades precisam se adaptar às determinações da Lei, respeitando os direitos de seus associados e associadas, dos trabalhadores e das trabalhadoras, e de todos aqueles com quem se relaciona: parceiros (imprensa, contabilidade, advocacia, fornecedores), empregados, prestadores de serviços e todos os outros. A responsabilidade quanto a isso é dos dirigentes.
“Esses direitos passam a ser importantes para as categorias profissionais e para o conjunto de todos os trabalhadores e passam a ser objeto de preocupação em toda atuação sindical”.
O advogado do escritório LBS alerta que as negociações coletivas precisam também considerar os impactos necessários da LGPD, pois diversas cláusulas habituais exigem trocas de informações entre empresas e sindicatos, como mensalidades e taxas sindicais, cursos e convênios médicos e farmacêuticos.
“Existem várias situações de compartilhamento, inclusive para a realização de assembleias e eleições virtuais, em virtude da necessidade de isolamento social por causa da pandemia. Muitas vezes quem libera os dados dos trabalhadores para que os sindicatos os chamem a participar desses eventos virtuais é a própria empresa, para que sejam resolvidas determinadas situações trabalhistas”, esclarece Nilo.
Multas podem chegar a R$ 50 milhões
O advogado Nilo Beira, explica que apesar da LGPD ter entrado em vigor em setembro de 2020, as empresas podem ser adaptar à lei a partir de 1º de agosto deste ano. A partir desta data, haverá multas pesadas de até R$ 50 milhões, caso haja vazamentos das informações por parte das empresas. Este valor mais alto poderá ser aplicado pela Autoridade Nacional Proteção de dados (ANPD), órgão ligado ao governo federal.
Dados usados indevidamente
Outros exemplos de como os dados das pessoas podem ser usados citados pelo advogado são o da empresa Cambridge Analytica, que ajudou na eleição do ex-presidente dos Estados Unidos, o conservador, Donald Trump.
Situação semelhante, explica, ocorreu nas votações do Brexit, o movimento de saída do Reino Unido da União Europeia, e também nas últimas eleições presidenciais do Brasil, quando houve uma série de disparos de fake news, o que segundo analistas, afetaram o resultado final.
Fonte: CUT Brasil