A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), empresa estatal que deveria estar associada apenas a projetos de irrigação no semiárido, está sendo usada para desovar emendas parlamentares, por meio de licitações superfaturadas. A denúncia vem de um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU).
Na semana passada, a Polícia Federal cumpriu 16 mandados de prisão em operação contra fraudes na empresa, com apreensão de cerca de R$ 1,3 milhão em dinheiro, além de itens luxuosos, como relógios importados. Os mandados foram executados em empreiteira parceira da Codevasf, envolvendo sócios laranja.
Sob a justificativa de comprar centenas de milhares de tubos de PVC, a empresa lançou em 2020 uma licitação, sem demonstrar a necessidade das aquisições, sem planejamento e superfaturada. Apesar da controladoria ter feito o alerta, a empresa ignorou e manteve a concorrência pública com gastos de mais de R$ 2 milhões.
Foi a própria Codevasf que explicou à CGU como circula o dinheiro público nessas licitações.
“Esses recursos [de emendas] são descentralizados à Codevasf a partir de articulações político-institucionais, as quais não estão vinculadas estritamente a um cronograma preestabelecido, o que de fato dificulta e/ou inviabiliza um planejamento preciso do dimensionamento da demanda a ser adquirida.”
“Os parlamentares, por meio de interações com lideranças e seus assessores, efetuam o levantamento de necessidades para balizar as aquisições e/ou contratações”, admite a empresa pública.
Troca de favores
A Codevasf fez parte do “toma lá, dá cá” entre Bolsonaro e o centrão, para sustentá-lo no Congresso. Desde esta negociação com os parlamentares, a empresa vem sendo turbinada por bilhões de reais em emendas. Por suas características envolvendo gastos milionários em grandes obras, com um orçamento de R$ 2,7 bilhões para este ano, a empresa é cobiçada por políticos.
Hoje, além de sua função original de obras de irrigação, a empresa realiza projetos de pavimentação, construção de pontes, obras de saneamento, e entrega de máquinas, como tratores. Com isso, ela realiza obras que facilmente se tornam propaganda eleitoral em pequenos municípios.
Após pedido de lideranças partidárias, a fatia do orçamento da estatal destinada ao “orçamento secreto” dobrou neste ano, passando de R$ 610 milhões para R$ 1,2 bilhão. O orçamento secreto envolve recursos controlados pela cúpula do Congresso com o aval do governo que não segue os critérios de transparência.
Segundo denúncias divulgadas pela Folha de S. Paulo, além das obras serem superfaturadas, muitas nem são encaminhadas, fazendo com que os equipamentos comprados se deteriorem aos milhões em depósitos. Segundo a própria empresa, a maioria é comprado sem qualquer planejamento ou estudo sobre como seriam usados.
Em 2020, a CGU recomendou a suspensão de uma aquisição de 458 mil canos de PVC no valor de R$ 26 milhões por meio do pregão eletrônico, uma modalidade simplificada de licitação. Havia o potencial de superfaturamento de R$ 16 milhões. Mesmo diante dos alertas, a empresa voltou a fazer a concorrência e gastou R$ 11 milhões com dois terços do mesmo equipamento, o que pode ter gerado R$ 3,4 milhões em prejuízos aos cofres públicos. A Codevasf afirmou que até agora houve o pagamento de R$ 2,1 milhões.
Questionada pela CGU, a Codevasf atribuiu os valores mais altos às condições causadas pela pandemia, argumento que, para o órgão fiscalizador, é insuficiente para justificar toda a alta.
Inicialmente, a companhia teria atuação voltada a bacias hidrográficas e era restrita aos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais e Goiás, e também o Distrito Federal. De lá, pra cá, passou a abranger também Piauí, Maranhão, Ceará. Em 2020 incluiu Amapá, Mato Grosso, Pará, Tocantins e Rio Grande do Norte.
Fonte: Vermelho, por Cezar Xavier