Certa vez, um amigo me contava uma história absurda e desoladora, por ser tão real. Os condôminos do seu prédio haviam marcado uma reunião emergencial para discutir o salário da auxiliar de serviços gerais. O motivo? Segundo os vizinhos, a empregada doméstica estava ganhando “tão bem” a ponto de alugar a vaga de uma moradora para estacionar seu carro durante o dia. Na visão deles, se a doméstica tinha um carro – e ainda podia custear uma regalia como uma vaga alugada –, algo estava errado.
A mesquinharia não fica a cargo apenas da cólera invocada pela ascensão da trabalhadora; o buraco é mais embaixo quando entendemos que, incrustada na cultura brasileira, está uma noção de que o salário é dispositivo de controle social e manutenção da miséria, e não o contrário. E a escolha dos últimos governantes legitima e espelha esse ideário.
Ainda bronzeado pelas férias que passou na Flórida em janeiro deste ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes, celebrou a alta do dólar. Para ele, com o dólar mais baixo, estava “uma festa danada”. “Empregada doméstica indo para a Disneylândia [...]. Pera aí. Vai passear ali em Foz Iguaçu, vai passear ali no Nordeste”, disse.
Num país onde o piso salarial federal para empregados domésticos é R$1.045,00, soa delirante propor que uma das categorias mais desvalorizadas esteja com passagem comprada para Orlando. Vale lembrar que o trabalho doméstico foi regulamentado há apenas quatro anos, pela Lei Complementar 150, no dia 2 de abril de 2015, gerando controvérsia num Brasil com mentalidade escravocrata.
O valor de uma passagem para a Disney equivale a quase dez meses de trabalho doméstico. Se o problema fosse apenas os baixos salários, a conversa seria outra. Mas são 12 milhões de brasileiros desempregados e 24 milhões mergulhados na informalidade.
Entregadores de iFood vencendo alagamentos para trabalhar, famílias sem opção de moradia, vivendo em locais de risco e sofrendo com as chuvas, violência policial e corrupção desmedida: estamos mais para castelo do terror do que parque de diversões.
Em outra oportunidade, a verborragia de Guedes mirou os servidores públicos: bradou que são parasitas e que a população não concorda com a política de não demissão destes trabalhadores. De fato, ainda é complicado bater o martelo sobre o que mais entristece: a escolha por representantes que desprezam a população carente ou a conivência de uma sociedade que aceita ser hospedeira destes tipos e ainda aplaude as castas sociais.
Maria Beatriz de Castro, jornalista do Sindieletro MG