Em investida inédita, MST prepara candidaturas de mulheres para este ano



Em investida inédita, MST prepara candidaturas de mulheres para este ano

Entre as candidaturas que o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) deve lançar nas eleições deste ano, a organização prepara um conjunto de ao menos quatro concorrentes mulheres que deverão concentrar as energias da base eleitoral da entidade em alguns estados do país. Esta é a primeira vez que o movimento articula, nacionalmente, uma ampla estratégia de participação direta nas eleições estaduais e federais.

No Rio de Janeiro, uma das dirigentes nacionais do movimento será o nome da vez. Marina Santos teve sua pré-candidatura a deputada estadual pelo PT lançada na noite de quinta (10), em um ato político-cultural na capital fluminense.

Ela pontua que a preparação de nomes de lideranças para a atuação no cenário eleitoral não desvirtua a entidade dos seus objetivos históricos e essenciais na luta popular.

“O MST continua com o foco estratégico, que é a ocupação do latifúndio improdutivo, é fazer cumprir a Constituição [no sentido de] que aquelas terras que não cumprem a função social devem ser destinadas à reforma agrária”, pontua.

A dirigente sublinha que a organização entende como estratégico o combate às políticas instauradas e alimentadas pela gestão Bolsonaro desde 2019. O governo do ex-capitão é associado a medidas neoliberais na pauta econômica, com destaque para o arrocho trabalhista e o aumento do custo de vida, e a uma disputa ideológica que tenta orientar a sociedade brasileira para o lado do conservadorismo.

“O MST continua com o foco na estratégia da ocupação da terra, mas, a partir da leitura do retrocesso que estamos vivendo com o avanço do bolsonarismo, o MST também está se colocando à disposição no sentido de fortalecer o campo da luta institucional”, detalha.

No caso da dirigente, a candidatura será mais um ponto da jornada de décadas que ela vem sedimentando na política. Tendo conhecido o movimento ainda na década de 1980, quando atuava na Igreja Católica, ela hoje mira uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) como medida estratégica também para dar suporte a um projeto mais amplo de retomada popular do poder.

“Acho que a questão aqui está no sentido de enfrentar o bolsonarismo no estado onde ele nasceu [Rio de Janeiro]. Ele precisa ser enterrado aqui. Nesse sentido, eu não teria a menor dúvida de que a nossa contribuição é também de trabalhar na perspectiva de eleger um governo do estado diferente”, diz Marina Santos, ao criticar a gestão do atual governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL).

A dirigente vê ainda a sedimentação da candidatura como um trabalho de base e articulação local para ajudar a capitalizar apoio para a eventual eleição do ex-presidente Lula (PT) para a Presidência da República. O petista aparece em primeiro lugar nas pesquisas de opinião, sendo o principal adversário do presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Não vamos medir esforços pra eleição do Lula, que achamos uma tática importante, principalmente porque a gente quer fazer frente à agenda neoliberal e também garantir um bom quadro de eleição de parlamentares, seja ao nível federal, seja nas bancadas estaduais”, acrescenta Marina.

Rosa Amorim, de Pernambuco

Do Nordeste, região onde o MST conseguiu fertilizar uma luta coletiva de muitos braços e com alcance capilar, deverão sair outras três candidaturas de mulheres integrantes do movimento.

A jovem militante Rosa Amorim, de 25 anos, é uma delas e irá se filiar ao PT nesta sexta (11) para concorrer a uma vaga de deputada estadual em Pernambuco. O estado é a base onde ela cresceu e iniciou a luta política, embalada também pelos próprios pais, que são dirigentes do MST e assentados da reforma agrária.

Entre outras coisas, Rosa se juntou ao Levante Popular da Juventude na adolescência, integrou o movimento estudantil e estudou teatro na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), fincando na luta pró-educação a sua principal bandeira política.

Ela aposta agora na iniciativa da campanha eleitoral como forma de ajudar a frear a conjuntura que oportunizou a chegada de Bolsonaro ao poder. “Este é um momento em que as eleições cumprem um papel central e estratégico pra disputa em sociedade dessas ideias e também do bolsonarismo”, defende.

“Por ser um dos maiores movimentos populares da América Latina e da luta por reforma agrária no mundo, o MST tem uma legitimidade. Então, por que não ocupar também esse espaço da disputa institucional por via das eleições?”, questiona Rosa.

A militante defende como uma das prioridades para a agenda política o combate à fome e a defesa da saúde por meio da promoção da alimentação saudável, um dos temas vocalizados pelo movimento mundo afora. Outros recortes também atravessam o plano de metas que Rosa pretende colocar em marcha na campanha.

Têm destaque ainda as pautas identitárias, como a defesa dos direitos das mulheres. “O ‘Fora, Bolsonaro’, por exemplo, se não for feminista, não vai sair porque as mulheres estão na linha de frente da luta contra o governo”, realça.

Vera Lúcia Barbosa, da Bahia

Na Bahia, quem deverá concentrar as atenções da base do MST nas eleições do estado é a militante Vera Lúcia Barbosa, que irá disputar uma vaga de deputada estadual pelo PT. Ela atua na região Extremo Sul do estado, onde a entidade solidificou uma série de medidas que levaram à implementação de assentamentos agroecológicos.

Vera Lúcia iniciou na organização em 1988, ainda com 16 anos e durante a terceira ocupação do MST na Bahia. Foi o princípio de uma jornada que, de lá para cá, incluiu a passagem de quase 12 anos pela direção nacional do movimento, encerrada na década de 2010.

Chama a atenção no currículo da militante a atuação em defesa dos direitos das mulheres. Entre outras coisas, ela foi a primeira secretária de Políticas para Mulheres da Bahia, no governo Jacques Wagner (PT), em 2011. Para ela, a disputa por uma cadeira na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) envolve a necessidade de lutar pela efetivação de uma agenda popular.

“Aqui, na Bahia, é meio que natural o envolvimento do MST na política partidária. Já temos aqui uma trajetória que, desde o início do MST, a gente já fazia a disputa pela terra, mas ajudando sempre na organização partidária e já apontando para esse negócio de candidaturas de apoiadores do movimento e algumas, inclusive, do MST”, resgata.

Ela destaca que, em Itamaraju (BA), por exemplo, a entidade lançou um primeiro candidato à prefeitura local na década de 1990, ainda nos primórdios de sua jornada na Bahia. Entre os capítulos que vieram depois, teve destaque a eleição do assentado Valmir Assunção, hoje deputado federal pelo PT há 11 anos.

“E, antes de ele se eleger deputado federal, nós o elegemos como deputado estadual”, lembra a futura candidata, que acredita na ocupação do Poder Legislativo como via estratégica para a implementação da agenda popular. Nesse sentido, para o pleito deste ano, o MST irá apostar na dobradinha “Vera Lúcia-Valmir Assunção”, mirando um maior alcance da atuação da organização no parlamento.

Na Câmara dos Deputados, por exemplo, além de Valmir, a entidade tem atualmente outros dois deputados. São eles João Daniel (PT-SE) e Marcon (PT-RS). “Agora, a gente está entendendo que é importante ter outra figura nossa, que é a candidatura estadual, como espaço importante para reforçar a nossa luta interna e como acúmulo de forças pra ocupação de outros espaços”, diz Vera Lúcia.

Gilvânia Ferreira, do Maranhão

Também irá concorrer em outubro a militante Gilvânia Ferreira, que irá disputar vaga na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), pelo PT do Maranhão. Nascida na Paraíba, ela tem 51 anos e dedicou 30 deles à luta pela democratização do acesso à terra por meio da atuação no movimento. O engajamento, que iniciou ainda na adolescência, ajudou a alimentar, nos últimos tempos, o interesse pela política institucional.

Ela antecipa que irá trabalhar com eixos temáticos na campanha, colocando como ponto de sua agenda uma série de pautas que estão sob a batuta do Poder Legislativo federal. Entre elas estão a necessidade de formalização dos territórios quilombolas que ainda enfrentam pendências e a demarcação de terras indígenas.

Também deve figurar na lista, por exemplo, o reconhecimento das áreas de reserva dos babaçuais, apontadas como patrimônio ambiental e uma das forças produtivas do Maranhão. Gilvânia cita a preocupação com o avanço de atividades econômicas predatórias que interditam a atuação de personagens populares da região.

“Isso é um patrimônio das mulheres quebradeiras de coco. Então, na medida em que se derruba o coco pra plantar soja, eucalipto ou capim pra pecuária, essas mulheres ficam sem o seu sustento porque elas não têm a propriedade da terra, mas utilizam os babaçuais pra sua sobrevivência”, afirma, ao defender a preservação legal dessas áreas.

A futura candidata também pretende colocar em pauta as questões da soberania nacional, com destaque para a soberania alimentar e o investimento na produção de alimentos. A área tem sido sufocada por políticas neoliberais que desestimularam o segmento ao longo da gestão Bolsonaro e põem em risco o fornecimento de comida no país.

“A gente tem que demandar isso pro governo federal, pra que constem no orçamento do Estado questões cruciais como a produção de alimentos, e não o foco no que o agronegócio produz. Também é preciso que se foque em alimentos saudáveis”, defende Gilvânia.

Fonte: Brasil de Fato, por Cristiane Sampaio

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