Em 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19 no Brasil, a perda de emprego atingiu majoritariamente as mulheres em comparação aos postos de trabalho perdido pelos homens. Enquanto naquele ano o número de homens ocupados assalariados caiu 0,9%, o de mulheres caiu 2,9%. Do total de 825,3 mil empregos perdidos entre 2019 e 2020, cerca de 593,6 mil (ou 71,9%) eram ocupados por mulheres. Com isso, pela primeira vez desde 2009, houve queda na participação feminina na parcela da população ocupada e assalariada: de 44,8% em 2019, para 44,3% em 2020.
Os dados fazem parte de pesquisa divulgada na semana passada pelo IBGE. De acordo com o levantamento, mesmo diante do agravamento da crise econômica naquele ano, alguns setores que historicamente empregam mais homens tiveram aumento de pessoal – caso de entregadores em geral e construção. Por outro lado, aqueles que ocupam mais mulheres se retraíram.
Foi o que ocorreu, por exemplo, com a educação, em que elas respondem por cerca de dois terços do pessoal. Com a suspensão das atividades escolares, os estabelecimentos de ensino executaram corte de 1,6% do seu pessoal assalariado. Já na construção, setor em que 90,6% dos empregos são homens, houve aumento de 4,3% no número de assalariados.
O comércio, outro setor que sofreu durante a pandemia, teve queda de 2,5% no total de pessoal ocupado assalariado. Mas os cortes também se distribuíram de forma desigual. Para elas, que representam cerca de 20% do setor, a redução foi 3,2%, contra 1,9% dos homens. O segmento com a maior queda de assalariados foi alojamento e alimentação, que fechou 373,2 mil vagas no período, retração de 19,4%. Nesse setor, as mulheres respondem por 55,7% do emprego assalariado.
Problema estrutural
De acordo com a economista Marilane Teixeira, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit-Unicamp), mesmo em períodos de crescimento, as mulheres são as menos procuradas para ocupar vagas regulares de emprego. Trata-se de um “problema estrutural”, segundo ela, que se agrava em momentos de crise, ainda mais diante da falta de políticas públicas que garantam a permanência delas no mercado de trabalho.
“São vários os fatores, a começar pela ausência do Estado e da garantia de políticas públicas como creches e ensino integral. Somente no ano passado, 70% das crianças mais pobres, de zero a três anos, estavam sem vagas em creches. Isso é um problema gigantesco para as mulheres que precisam ter um emprego”, diz a economista”, disse a economista em entrevista ao Portal CUT.
Outra dificuldade comum entre as mulheres que precisam deixar seus filhos em creche, é que elas procuram trabalho perto de suas casas para terem mais tempo de levar e buscar seus filhos em horários compatíveis com sua carga horária. Nesse sentido, trabalhos mais distantes, que implicam longo tempo de deslocamento, se tornam inviáveis para a maioria.
Marilane também destaca que, durante a pandemia, as mulheres enfrentaram aumento da sobrecarga do trabalho doméstico. Isso porque, além de normalmente serem elas que cuidam dos enfermos, das crianças e dos idosos, muitas também passaram a “cuidar” dos maridos. Essa situação também se agravou com o abandono da política de cuidados durante os governos Temer e, sobretudo, de Jair Bolsonaro.
Por fim, a economista destaca que, no auge da pandemia, foram perdidas quase 1 milhão de vagas de trabalhos domésticos, dados que não aparecem na pesquisa.
Na pele
Julia Margarida Gomes da Silva, de 38 anos, divorciada, mãe de três filhos e moradora de São Paulo, é uma das mulheres que compõem essa triste estatística. Recém-formada como técnica de enfermagem, ela conta que sobrevive com empregos temporários e informais. Enquanto isso, procura por uma ocupação com carteira assinada. “Já fiz bordados, fui cuidadora de idoso e faxineira, tudo para colocar o arroz na panela pros meus filhos.” Ela relata que, atualmente, quem lhe ajuda a pagar as contas são sua mãe e o padrasto, ambos aposentados.
Fonte: Rede Brasil Atual