Parlamentar estudioso da burocracia legislativa e homem de confiança das empresas, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), joga o xadrez da política como poucos.
Essa é a análise do diretor de Documentação do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), Antônio Queiroz, o Toninho, que define Cunha como um tipo que entrega o que promete.
Economista, radialista (e proprietário das emissoras FM Melodia no RJ e em SP) e alinhado às bancadas evangélica e da bala, Eduardo Cunha teve sua primeira experiência no Congresso Nacional em 2002, ainda pelo PPB, antigo PP. No ano seguinte, foi eleito deputado federal mais votado pelo Rio de Janeiro e o candidato mais votado do PMDB.
A visibilidade do deputado começou a crescer a partir do papel como assessor de caciques da sigla por conta da proximidade com os deputados Henrique Alves e Michel Temer. Quando Alves, atual ministro do Turismo, foi eleito presidente da Câmara, em 2014, Cunha passou a ocupar a presidência da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania e consolidar o papel que exerce atualmente.
Assumiu a liderança do PMDB em 2013 e 2014, o que lhe cacifou a comandar o chamado “blocão”, grupo de oito partidos que atualmente pressionam o governo nas votações da Câmara.
Ímã de empresários
“Não tem esse negócio de pressão (para Cunha). O Henrique Alves recebeu ajuda financeira de vários empresários que tinham expectativa de votar ainda no mandato dele a terceirização, mas isso não aconteceu. Já o Cunha passa por cima da Constituição, tratora e isso dá credibilidade para ele perante esses setores”, avalia Toninho.
A capacidade de aglutinar investidores faz também dos adversários (e aliados) uma referência. “Os parlamentares em torno dele recebem missões e oportunidades, inclusive, de financiamento de campanha. Estima-se que cerca de uma centena receberam de empresas por intermediação do Cunha, que utiliza um método muito agressivo de controle de liderados, constituindo, assim, uma dependência. Ao ponto de receberem ameaças, como um deputado que, ao não assinar um requerimento de interesse do pemedebista, ouviu se não iria precisar dele nos próximos dois anos”, relata Toninho.
Segundo mais financiado
Um levantamento do Brasil de Fato, a partir das votações da terceirização, financiamento privado de campanha e redução da maioridade penal, mostra que, ao menos o número de fieis, é o dobro disso. Ao cruzar os dados, foi possível verificar 213 deputados (41% da Casa) alinhados ao parlamentar nas três situações.
A fidelidade resulta em mais confiança das empresas. O deputado é dono da segunda campanha que mais arrecadou entre os 513 parlamentares eleitos em outubro, conforme aponta o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), com R$ 6.832.479,88. Só perde para Iracema Portella (PP-PI), que atingiu a marca dos R$ 7 milhões.
A empresa que mais doou para sua campanha foi a Rima Industrial (R$ 1 milhão), acusada de integrar a máfia do carvão, em Minas Gerais. Empatada em recursos está a Ambev, seguida por Telemont Engenharia de Telecomunicações (R$ 900 mil), Líder Taxi Aéreo (R$ 700 mil), Mineração Corumbaense Reunida ((R$ 700 mil), Coca-Cola (R$ 550 mil), Iguatemi Shopping Centers (R$ 550 mil), BTG Pactual (R$ 500 mil), Bradesco Saúde e Previdência (R$ 500 mil), Santander (R$ 300 mil), Victor Hugo Demolições (R$ 100 mil) e Safra Leasing (R$ 50 mil).
Com doações de grupos que atuam na saúde privada e nas telecomunicações, Cunha apresentou a PEC 451/2014 (Proposta de Emenda à Constituição) obrigando as empresas a pagarem planos de saúde privados a todos os seus empregados, fortalecendo o setor em detrimento da valorização do SUS. O texto está em análise na Câmara.
Foi também autor de uma emenda à Medida Provisória 653/2014, vetada pela presidenta Dilma Rousseff, que anistiava multas em torno de R$ 2 milhões aos planos de saúde.
Além de ter se posicionado contra o Marco Civil da Internet, que garantiu neutralidade de rede e impediu as empresas de comercializarem pacotes de velocidades e preços diferentes de acordo com o conteúdo dos sites.
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Investigado
A visibilidade no Congresso e intimidades com os empresários, porém, não impediram que Cunha ficasse imune a acusações. Ainda que as investigações não avancem. Segundo o doleiro da Lava Jato Alberto Youssef, o presidente da Câmara teria pressionado empresas por pagamento de propinas em contratos de navios-sonda, no esquema conhecido como Petrolão.
Cunha que saiu da Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro, onde foi presidente durante sete meses, acusado por fraudes em licitações, durante o governo Garotinho. E que foi ligado a denúncias de desvios de recursos da Prece, fundo de pensão da Cedae (Companhia de Água e Esgoto do Rio de Janeiro), na época do chamado Mensalão.
Cria de erros do governo
Para Toninho, além de estudar muito o regimento interno da Câmara e se preparar tecnicamente, a ponto de chamar atenção de assessores econômicos por conta de erros, Cunha contou ainda com uma providencial ajuda para se fortalecer no poder.
“A coordenação política do governo desprestigiou vários parlamentares da base e o Cunha deu oportunidade para eles, que preferem um cara autoritário, polêmico, mas que dá missões. Ele consegue atrair nomes que estão desconfortáveis. Fora isso temos o Michel Temer (vice-presidente da República, também do PMDB) como articulador do Planalto, que não fará enfrentamento ao partido”, avalia.
Além disso, destaca o diretor do Diap, o Executivo falhou ao não apostar em um bloco de esquerda para minar os poderes do PMDB.
“Ao invés de reforçar alianças com partidos de esquerda, o governo adotou uma estratégia que foi entendida como uma forma de esvaziamento do PMDB: apoiar a criação do PSD e do PROS. Ao mesmo tempo, o governo perdeu a base e a oportunidade de criar uma alternativa ao PMDB”, analisou.
Segundo Toninho, nem mesmo o ex-senador Antônio Carlos Magalhães teve tanta fluidez no Congresso. “O ACM era autoritário, mas não dava oportunidade para aliados, não tinha o conhecimento técnico dos trâmites do Congresso e não fazia essa mesma leitura do cenário”, define.
Apenas reforma salva
Diretor Executivo da CUT Júlio Turra defende que somente uma legítima reforma política seria capaz de democratizar o Legislativo e criar barreiras para que figuras se tornem onipotentes dentro da Casa, a ponto de impedir que movimentos ingressem nas galerias da Câmara durante as votações.
Em setembro de 2014, organizações dos movimentos sindical e sociais promoveram uma plebiscito em que quase oito milhões de pessoas disseram sim à uma Constituinte soberana e Exclusiva para analisar reformas do sistema político.
No mês seguinte, um Projeto de Decreto Legislativo da Câmara (PDC) 15087/2014, assinado por 181 parlamentares, foi apresentado pelos deputados Renato Simões (PT-SP) e Luiz Erundina (PSD-SP) para convocação de um plebiscito oficial para definir uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva e Soberana.
“Há dois pontos no projeto que democratizariam o Congresso. O primeiro, o fim do financiamento empresarial de campanha, que tiraria das empresas o poder de definir os eleitos e combateria a capacidade de um personagem como o Cunha fazer outros de refém. E, o segundo, o voto em lista, que ampliaria o papel dos partidos em detrimento da valorização de indivíduos”, defendeu.
Em oposição a isso, a Câmara resolveu votar uma reforma fatiada, com base na PEC nº 182/13 (proposta de emenda constitucional), que volta à pauta nesta semana. Para os movimentos sindical e sociais, a contrarreforma política não cria mecanismos para reverter a subrepresentação no Congresso de mulheres, negros e indígenas, além de outra minorias, e nem cria mecanismos de participação direta da população na democracia.
Como aponta Toninho, somente um modelo que se popularize será capaz de promover uma reforma política realmente democrática.
“Qualquer que seja o caminho, convocando um plebiscito, ou definindo uma Constituinte, ambos dependem da convocação do Congresso Nacional e com esse perfil de parlamentares não conseguiremos isso sem a pressão popular. Reforma não é mudança de legislação, é de cultura. Ou os partidos deixam de fazer alianças com siglas sem identificação nenhuma de projeto em troca de cargo, ou não faremos reforma política nunca.”
Fonte: CUT Nacional, escrito por Luiz Carvalho