Dos R$ 37 bi de indenização da Vale, 70% ficaram fora do orçamento e Zema poderá gastar como quiser



 Dos R$ 37 bi de indenização da Vale, 70% ficaram fora do orçamento e Zema poderá gastar como quiser

O governo de Minas Gerais induziu junto com a Vale os Poderes de Minas Gerais que, desassociado das agonias do povo que representam, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal, Defensoria Pública de Minas Gerais e o Governo de Minas Gerais aprovou a aplicação de 70% do valor recebido de uma indenização, oriunda da tragédia humana ocorrida não por acidente, sim por um crime, em Brumadinho, para ser utilizada fora do que determina a Lei.

Diante deste acordo, a quem recorrer em caso de discordância?

Como se não bastasse, repousa na gaveta do governador há três anos a regulamentação da criação do depósito caução a ser feito por mineradoras como garantia em caso de rompimento das barragens de rejeitos minerais. A cobrança da caução foi incluída na lei que criou a nova Política Estadual de Segurança de Barragens. Fruto de um projeto de iniciativa popular conhecido como “Mar de Lama Nunca Mais” e o dispositivo da mesma lei que determinou um prazo para o descontingenciamento das barragens do mesmo tipo que rompeu em Brumadinho e Mariana, não foi cumprido

A resposta enviada para o Novojornal pelo Governo de Minas Gerais deixa claro a intenção de isentar-se da autoria do acordo.

“Essa foi a construção jurídica entendida como mais adequada pelas instituições compromitentes – Governo, Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal e Instituições de Justiça – para garantir efetividade na execução dos projetos”.

Veja:

 

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Porém, as práticas que estão sendo adotadas demonstram que foi uma estratégia do governador Zema. Diversos políticos ouvidos a este respeito pelo Novojornal afirmaram em tom de ironia; “É uma espécie de caixa 2 do governo de Minas, Zema deixou 25 bilhões, fora do orçamento do Estado, para administrar de acordo com seus interesses, em especial de sua reeleição”.

Esta intenção é comprovada pelo jornalista Luiz Tito em sua coluna no Jornal O Tempo, da quarta-feira 06 de abril.

“Privatizando a Copasa, de leve. A reunião que ocorreu ontem com a presença de representantes de 14 municípios dos 27 atingidos pela tragédia de Brumadinho, além dos que falavam pela Vale e pelo Estado de Minas Gerais, foi, na dimensão dos municípios, minimamente afrontosa. Representantes da mineradora, em nome do atendimento do acordo, querem que em três dias os municípios que estiveram no encontro se manifestem sobre a adesão a um programa de saneamento básico, cuja concepção, projeto e construção serão debitados ao acordo firmado com o Estado e que posteriormente será entregue, para sua exploração, a uma empresa que participará de licitação na Bolsa B3. Ninguém falou como serão indenizados os municípios pelos seus ativos, produto do contrato de concessão em andamento com a Copasa, quem pagará as multas pelo rompimento dos contratos nem se as Câmaras de Vereadores, como manda a lei, serão ouvidas. Uma empresa virá, de São Paulo talvez, para disputar as concessões. Em tão pouco tempo, só se tivesse acesso a informações privilegiadas, o que não é o caso, uma empresa poderia se comprometer com tal participação. Mas não é o caso. Não é. Nunca. Hoje teremos mais informações, em especial de quem esteve na reunião”.

Em 25 de janeiro de 2019, o Município de Brumadinho e todos da Bacia do Rio Paraopeba foram tomados por um verdadeiro mar de lama, em razão da tragédia criminosa causada pelo rompimento da Barragem B1 da Mina “Córrego do Feijão”, ocasionando a perda de centenas de vidas humanas, bem como causando extenso e notável danos ao meio ambiente.

Desde os primeiros dias, iniciou, a interposição de ações judiciais em face da mineradora, tendo como parte autora em quase sua totalidade o Estado de Minas Gerais, através da Advocacia Geral do Estado, e o Ministério Público de Minas Gerais, através da Promotoria de Justiça da Comarca de Brumadinho.

Após muitas discussões, celebrou-se um acordo colocando fim as ações ajuizadas pelo Estado de Minas Gerais e pelo Ministério Público. O Tribunal de Justiça homologou, no dia 04/02/2021, o acordo a quantia R$ 37.726.363.136,47 (trinta e sete bilhões, setecentos e vinte e seis milhões, trezentos e sessenta e três mil, cento e trinta e seis reais e quarenta e sete centavos).

Depois de muita procura, Novojornal obteve cópia do original do acordo entre a Vale e o Governo de Minas Gerais.

Por ser uma questão altamente técnica, recorremos ao reconhecido especialista em direito publico Dr. José Maria Peixoto de Miranda, para nos orientar na realização desta e uma série de matérias que publicaremos a respeito.

Segundo ele; “firmado o acordo, o recurso deixa de ser privado e passa a ter natureza pública, devendo, assim, seguir a regra estabelecida pela Constituição Federal”.

Ocorre que os recursos decorrentes do pagamento da indenização não foram incluídos no orçamento estadual e, muito menos, dos municípios, sendo que estes receberão as obras já concluídas e sem verificação do real valor de sua execução, cabendo à própria causadora do desastre a operacionalização e contratação de empresas para a realização da obra, a serem indicadas pelo Governo do Estado.

Tudo isto porque no acordo firmado, a indenização foi dividida em duas modalidades; “obrigações de pagar” e “obrigações de fazer”.

Será que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal, Defensoria Pública de Minas Gerais e o Governo de Minas Gerais, não sabiam que firmado o acordo, os recursos deixariam de ser privados e passariam a ter natureza pública? Num acordo deste valor, a imaginação popular sobre o que pode ter ocorrido, não tem limites.

Após a assinatura do acordo, no ano passado, foi encaminhado para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais o Projeto de Lei 2.508/2021, requerendo a abertura de crédito adicional somente com relação ao montante de RS 11.060.000.000,00 (onze bilhões e sessenta milhões de reais) no orçamento fiscal do Estado de 2021. O valor representa pouco mais de 30% (trinta por cento) do valor total do acordo.

No imaginário popular fica a pergunta; por qual motivo o valor total não entrou no orçamento? Como é sabido, todo o recurso recebido pelo Ente Federado deve dar entrada em seu orçamento.

O correto seria incluir a totalidade dos recursos, assim como ao ser repassado o valor destinado a cada município, igualmente, também deveria o Prefeito Municipal encaminhar Projeto de Lei para a Câmara Municipal, requerendo a abertura de crédito adicional.

Segundo parecer do Dr. José Maria Peixoto de Miranda: “a entrada no orçamento público é condição sine quo non para que o município possa aplicar o recurso, sob pena de se ferir, diretamente, a Constituição Federal, bem como a Lei n° 4.320/64 e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Repita-se, todo recurso deve dar entrada no caixa único do Ente Federado, assim como os tributos, transferências e demais créditos”.

Prosseguindo: “Com efeito, é amplamente sabido que o art. 167 da Constituição Federal veda que o Poder Público realize QUALQUER despesa sem que esta esteja devidamente incluída nas leis orçamentárias, in verbis:

Art. 167. São vedados:

I – o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;

II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;

III – a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;

§ 1º Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade. (g.n.)

Detalhando a previsão constitucional, a Lei n° 4.320/64, em seu arts. 6° e 35, assim preceitua e nos adverte:

Art. 6º Todas as receitas e despesas constarão da Lei de Orçamento pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções.
……………
Art. 35. Pertencem ao exercício financeiro:

I – as receitas nele arrecadadas;

II – as despesas nele legalmente empenhadas.

Ora, se o valor a ser ressarcido aos cofres públicos é decorrente de um acordo firmado entre o Estado e a mineradora Vale S/A, por qual motivo o valor total não foi incluído nas leis orçamentárias estaduais?

Pior, como poderá um Ente Municipal dar entrada em seu orçamento de eventual recurso, se sequer participou da assinatura do acordo firmado, sendo totalmente estranho no instrumento jurídico homologado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Aliás, como este bem será incorporado ao patrimônio público, sem posteriormente haver a prestação de contas ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, conforme previsto no art. 71 da Constituição Federal?

Teremos que considerar como uma doação da Vale?

Caso seja uma doação, então estaremos diante de mais uma incongruência face ao acordo firmado, que garante o pagamento de uma indenização e não a realização de obras e entrega de bens para doação aos municípios.

Somente a incorporação do bem ao patrimônio público é que garante a sua livre e legal utilização, para que, posteriormente, os cidadãos possam efetivamente usufruir da “indenização” paga pela empresa Vale.

“É necessário que TODO o valor do acordo que será destinado ao Estado de Minas Gerais dê entrada no orçamento fiscal estadual, assim que disponibilizado pela mineradora, nos termos do acordo homologado, não sendo possível que somente uma pequena parte deste valor seja incluída nas leis orçamentárias, como está ocorrendo, sob pena de violação à ordem constitucional e infraconstitucional vigente no Brasil”.

Estamos diante de uma situação sui generis, onde o próprio Estado de Minas Gerais com anuência do judiciário, ministério Público e demais Instituições de Justiça, está delegando à Vale a realização de obras.

Tal afirmação pode ser verificada na mensagem de encaminhamento no Projeto de Lei n° 2.508/2021, de que o restante dos valores será a própria Vale S/A, a responsável por realizar obras e serviços financiados pelo dinheiro que pertence ao povo mineiro e que é objeto de indenização pela tragédia que ela provocou, com o dinheiro que pertence ao Governo do Estado e aos mineiros, podendo ela mesma definir preço, prestador de serviço e outras nuances cujas atribuições são do Poder Público, como definido legislação constitucional infraconstitucional.

Nos atuais termos que serão adotados pelo Governo do Estado de Minas Gerais, a mineradora poderá fazer a entrega de equipamentos cuja qualidade seja duvidosa, adquiridos de fornecedores parceiros dos administradores da empresa a um custo muito mais elevado, em estado avançado de uso, sem garantia do fabricante ou até inúteis à Administração Pública, sem sequer tal compra ser submetida à auditoria do Tribunal de Contas.

Ainda informou o especialista; “Não há, pela própria legislação de regência, possibilidade de a mineradora substituir o Poder Público, seja na esfera estadual ou municipal, sendo certo que aqueles valores que serão destinados aos Entes Municipais DEVEM SER OBRIGATORIAMENTE repassados pelo Governo do Estado.”

Somente após o recurso chegar ao caixa único da Prefeitura Municipal é que poder-se-á dar início à fase de contratação dos serviços ou obras, mediante licitação, com a estrita obediência ao princípio da impessoalidade e da eficiência, permitindo o respeito ao inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, que determina a obrigatoriedade do procedimento licitatório”.

Logo, não se verifica que o caso concreto seja uma das hipóteses previstas para se afastar a regra do procedimento licitatório, sendo certo que a aquisição do bem pela Administração Pública poderá gerar uma economia aos cofres públicos ao realizar a licitação que buscará selecionar a proposta mais vantajosa, em respeito aos princípios da isonomia e da eficiência.

Concluindo; “é necessário que os recursos recebidos a título de indenização por parte da Vale S/A deem entrada no orçamento público, seja no âmbito estadual, seja no âmbito municipal, para que, somente assim, se possa dar início às realizações das obras”.

Enquanto o governador Zema cria uma engenharia financeira e contábil para administrar os recursos oriundos da indenização da Vale, com clara finalidade privatista e eleitoral, centenas de pessoas desabrigadas no município de Brumadinho e outros atingidos pelo mar de lama, continuam morando com a pequena importância paga a titulo de ajuda de aluguel.

E ainda, famílias que perderam seus bens e parentes estão na justiça em busca de reparação, enfrentam um pesado e desleal batalhão de advogados contratados pela Vale, para dificultar e postergar o recebimento das indenizações pleiteadas.

Fontes: Portal Viomundo, por Marco Aurélio Carone, no NovoJornal

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