A cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China, detectou os primeiros casos de uma estranha pneumonia em dezembro de 2019. Rapidamente, autoridades locais identificaram um novo tipo de coronavírus, mais tarde batizado de Sars-Cov-2. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a infecção humana pelo vírus Emergência de Saúde Pública em 30 de janeiro de 2020. Quatro dias depois, em 3 de fevereiro, o Ministério da Saúde brasileiro seguiu os passos da OMS e decretou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. Ainda não havia sido registrado nenhum caso da infecção no país, o que só ocorreu no dia 26 daquele mês, em São Paulo.
Dois anos se passaram. A pandemia foi decretada oficialmente em todo o mundo no dia 11 de março. Desde então, o Brasil ocupou por várias vezes o posto de epicentro da doença. A história é marcada pelo descaso e negacionismo do governo Jair Bolsonaro. Campanhas contra vacinas, desdém com a gravida da crise sanitária, escândalos de corrupção envolvendo a gestão federal, quatro ministros da Saúde. Apenas alguns dos fatores que levaram o país a ser o segundo do mundo vítimas da covid-19. Em 2021, ano de maior impacto da doença, fomos o país líder em mortes causadas pelo coronavírus. Isso, sem levar em conta ampla subnotificação, resultado de descaso e caos nos sistemas federais de controle epidemiológico e enfrentamento ao vírus.
Pior dos mundos
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entidade referência em epidemiologia, destaca que morrem quatro vezes mais infectados no Brasil do que a média global. Tragédia anunciada, fruto de apostas contra a ciência do governo federal, como a defesa intransigente de medicamentos comprovadamente ineficazes contra o vírus, como cloroquina e ivermectina.
“Dois anos depois, em 3 de fevereiro , (a comparação entre) os números de casos e óbitos no mundo e no Brasil oferecem uma dimensão deste desastre. Totalizava-se 388 milhões de casos no mundo, e 26 milhões no Brasil, correspondendo a 6,7% do total. Também foram registrados 5,71 milhões de óbitos no mundo, e mais de 630 mil no Brasil, correspondendo a 11% do total. Enquanto no resto do planeta a mortalidade por milhão de habitantes foi de 720, no Brasil ela alcançou 2.932, ou seja, 4 vezes maior. Tudo isso resultou numa calamidade que afetou diretamente a saúde e as condições de vida de milhões de brasileiros”, explica a Fiocruz.
As fases nos dois anos
Todo o cenário da maior tragédia sanitária e hospitalar da história do Brasil evoluiu em algumas etapas, segundo a Fiocruz. Primeiro, foi a da expansão da transmissão das capitais para as cidades menores (fevereiro a maio de 2020). Em seguida veio a primeira onda e sincronização da transmissão no país (junho a agosto de 2020). Após esse período, veio a transição entre primeira e segunda ondas (setembro a novembro de 2020) e a segunda onda propriamente dita (dezembro de 2020 a junho de 2021). Finalmente, vieram os impactos positivos da campanha de vacinação (julho a novembro de 2021) e a atual terceira onda, iniciada em dezembro de 2021.
A Fiocruz destaca o nítido sucesso da vacinação, apesar da resistência e das muitas tentativas de boicote pelo governo Bolsonaro. Contudo, a entidade lamenta a desigualdade regional na distribuição dos imunizantes, assim como ocorre também em outros países. “Em meio à pandemia, problemas que deveriam ter sido enfrentados antes, para trazer mais equidade e eficiência ao processo de imunização, podem tornar populações com baixa taxa de cobertura mais vulneráveis e permitir o surgimento de novas variantes, como observado em áreas mais pobres do continente africano”, afirma a entidade.
Gamma e ômicron
Ao longo de toda a pandemia também foram surgindo variantes do novo coronavírus. No Brasil, a mutação que mais matou foi a gamma, ou P1, que surge no início de 2021. Ela chegou provocando o colapso completo do sistema sanitário de Manaus.
Atualmente, com boa parte da população já protegida, o vírus segue como grande ameaça graças a uma variante identificada pela primeira vez por cientistas sul-africanos, a variante ômicron. Por outro lado, se esta representa um risco menor de mortes, é muito mais transmissível que sua antecessora.
No primeiro período da pandemia, o sistema de saúde observou o aumento de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) nas capitais do país. “Nas primeiras semanas de março (de 2020) ocorreu a expansão da transmissão de capitais e grandes cidades em direção a áreas periféricas, pequenas cidades e zonas rurais, num movimento gradual de interiorização”, explica a Fiocruz.
Além disso, os principais ameaçados eram os mais velhos, com idade acima de 60 anos. “Nessa fase observavam-se grandes filas de espera para internação em UTI e elevada ocorrência de óbitos por falta de acesso, ou acesso tardio aos cuidados de alta complexidade, mesmo após uma expansão acentuada no número de leitos de UTI SRAG/Covid-19, incluindo a abertura de diversos hospitais de campanha no país”, completa.
Primeira onda e transmissão “sincronização”
Porém, apesar do número elevado diário de mortes, na casa de mil por dia, medidas de segurança como distanciamento social foram sendo abandonadas. Pesou a pressão do bolsonarismo, sempre disseminando mentiras, como atribuir a gravidade da pandemia à “histeria da mídia”. “Na fase, a queda contínua das medidas de distanciamento físico foi seguida do crescimento gradual de casos, positividade de testes, internações e óbitos, que estabilizaram em um patamar elevado. Este foi um período caracterizado especialmente por um alto patamar na mortalidade”, ressalta a Fiocruz.
Naquele momento, também começou a chamar a atenção que mais brasileiros estavam morrendo também por outras doenças, já que o sistema de saúde estava sobrecarregado. “Começou a ser observado o aumento do número de casos e de óbitos em gestantes, um forte indicativo que a covid-19 não era apenas a causa direta da morte, mas também causa indireta, por criar empecilhos para a assistência ao ciclo gravídico-puerperal”.
Primeira transição entre ondas
Enquanto países do mundo corriam para adquirir as primeiras vacinas para suas populações, o governo Bolsonaro ignorou dezenas de propostas de farmacêuticas como a Pfizer. Paralelamente, porém, passou a tratar com a indiana Covaxin, em contratos superfaturados negociados e em transações obscuras. A CPI da Covid, além de trazer o escândalo de corrupção à luz, impediu a concretização dos crimes.
Neste período de transição “houve relativa redução do número de casos e de óbitos, com governos estaduais e municipais adotando medidas isoladas de distanciamento físico e social e uso de máscaras, sem que se dessem de modo articulado nacionalmente e regionalmente. Em novembro, os casos voltaram a crescer”, lembra a Fiocruz.
Segunda onda e vacinas
O descaso com o distanciamento físico, as festas de fim de ano (de 2020), a falta de cuidados do governo federal e a chegada do período de férias culminaram no pior período da pandemia para os brasileiros. “Nesse contexto ocorreu rápido crescimento e predominância da variante gamma, atingindo seu ápice em abril de 2021, com valores muito alto de casos e óbitos de março a junho, alcançando picos de até 3 mil óbitos por dia (pela média móvel)”, comentam os cientistas da Fiocruz.
O colapso da saúde foi geral. Em todos os estados do país não haviam leitos disponíveis para atender a demanda de doentes. Filas para atendimento básico e pessoas morrendo sem que sequer recebessem um primeiro atendimento hospitalar. “Esta fase foi marcada pelo colapso do sistema de saúde e pela ocorrência de crises sanitárias localizadas, combinando deficiência de equipamentos, de insumos para UTI e esgotamento da força de trabalho da saúde”.
No dia 17 de janeiro de 2021 a vacinação começou em São Paulo. O Instituto Butantan, em parceria com a chinesa Sinovac desenvolveu o imunizante CoronaVac. O primeiro lote entregue foi pequeno, de 6,2 milhões de doses. Em março, chegaram mais 27,5 milhões de doses, o que acelerou o processo, especialmente em São Paulo, mas também com distribuição de doses para outros estados. Este avanço, entretanto, foi tímido diante da necessidade do país, que entre março e junho, viveu os piores dias da pandemia até aqui.
Impactos positivos
De julho a novembro de 2021 a vacinação avançou com maior velocidade. O resultado foi claro. “Foi um período de redução do número de casos, casos graves e mortalidade. Nesse período, ao mesmo tempo em que a variante delta crescia e se tornava predominante, pôde-se verificar a efetividade da vacinação na redução da transmissão e, especialmente, da gravidade dos casos de covid-19, resultando na queda das taxas de ocupação de leitos de UTI covid-19 para adultos”, afirma a Fiocruz.
Em setembro, 40% da população elegível estava vacinada com duas doses. Então, “o Brasil alcançou uma média diária de 500 óbitos. E em novembro, já com 60% da população vacinada, a média de óbitos diários estava em torno de 250”.
Terceira onda
Novamente, as festas de fim de ano e o fim das medidas de distanciamento físico resultaram no aumento de casos. O número de infectados foi recorde, com o advento da variante ômicron, mais infecciosa. Entretanto, a vacinação freou o avanço brutal da mortalidade, que viria em um cenário sem os imunizantes.
Contudo, o país voltou a registrar mais de mil mortes diárias, neste mês de fevereiro. “O Brasil ainda se encontra nesta fase e há forte especulação sobre que momento da pandemia o país vive e se está caminhando para o fim. Em que pese o fato de a vacinação ter impedido que as internações e óbitos subam em igual velocidade aos casos, o aumento súbito de doentes faz crescer, inevitavelmente, a demanda por serviços de saúde, com impactos nas taxas de ocupação de leitos de UTI”, afirmam os pesquisadores da Fiocruz.
Fonte: Rede Brasil Atual, porr Gabriel Valery