Não é somente o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) que teria criado um “orçamento secreto” para conseguir apoio parlamentar. Aos moldes do que foi apontado em Brasília, Minas Gerais também possui seus “repasses escondidos”. Documentos obtidos com exclusividade pelo jornal O TEMPO identificaram até o momento R$ 15,3 milhões em emendas ocultas para ao menos dois deputados que se colocam como base do governador Romeu Zema (Novo).
Os “repasses escondidos” são valores além dos R$ 10 milhões de emendas impositivas, que cada um dos 77 deputados estaduais têm direito. Ou seja, recursos “extras”.
Ao contrário do Congresso, que possui a “emenda do relator” para que os parlamentares da base do presidente possam receber as emendas por apoiarem o governo, em Minas, o caminho foi outro. Para destinar recursos escondidos aos deputados, que aceitam integrar a base, o governador dá o sinal verde para os parlamentares agraciados indicarem a destinação por meio das secretarias. Assim, a destinação do recurso fica tendo como origem uma secretaria, mas os deputados assumem a paternidade da verba para o município a que foi enviada.
Um desses deputados, Roberto Andrade (Avante), com base eleitoral na cidade de Viçosa, na Zona da Mata, assumiu recentemente o cargo de líder do governo Zema na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Ele recebeu de forma oculta R$ 8.345.592. Esse valor se soma a outros R$ 4.092.261 que foram tornados públicos.
Quase todo o recurso repassado em emendas escondidas para Andrade teve como destinação as cidades onde ele é mais votado. Para Viçosa e Araponga, as duas na Zona da Mata, foram destinados R$ 2.106.592. Já o pequeno município de Oratórios, vizinho à Viçosa, com pouco mais de 4.000 habitantes, o parlamentar enviou cerca de R$ 400 mil.
Bem perto dali, para Jequeri, foram R$ 330 mil em emendas. Piedade de Ponte Nova e Ponte Nova também receberam esse tipo de emenda, mas os valores ainda são uma incógnita e podem elevar ainda mais os repasses do Estado para a livre distribuição pelo líder do governo Zema.
Os documentos aos quais O TEMPO teve acesso ainda revelam que, sob o título de vários municípios da Zona da Mata, o deputado destinou outros R$ 2,6 milhões, além de “investir” em outras cidades como Alvorada de Minas, Capim Branco, Alto Rio Doce, Ervália, Guaraciama e José Gonçalves de Minas. Todas essas localidades são bem pequenas e receberam montantes entre R$ 25 mil e R$ 200 mil.
Já o deputado Wendel Mesquita, mais conhecido por Professor Wendel (Solidariedade), recebeu, de forma pública, R$ 3.606.167, mas, longe das publicações oficiais, o parlamentar teve acesso a bem mais do que isso, cerca de R$ 7 milhões. A reportagem conseguiu mapear a aplicação dos recursos destinados à distribuição do parlamentar.
Professor Wendel, que cogitou ser vice do prefeito Alexandre Kalil (PSD) na disputa pelo Palácio Tiradentes e agora compõe a base de Zema na Assembleia, aplicou as emendas escondidas para servir suas bases eleitorais.
Para a cidade de Carangola, na Zona da Mata, ele destinou o montante de R$ 1,84 milhão. Para Água Boa, na região do Rio Doce, foram R$ 250 mil. Outras 16 cidades em que o deputado foi votado também receberam verbas que variaram entre R$ 22 mil a R$ 100 mil.
Em Brasília, documentos obtidos pelo jornal “O Estado de S. Paulo” revelaram que o esquema serve para atropelar leis orçamentárias, já que são os ministros, e não os congressistas que deveriam definir onde aplicar os recursos. O mesmo pode estar acontecendo em Minas, já que aqui quem está definindo onde os valores de emendas estão sendo aplicados são deputados estaduais, e não secretários de Estado.
Deputados dizem que indicação não é ilegal
Procurado, o deputado Wendel Mesquita (Solidariedade) disse que houve um “equívoco da reportagem”. Ele nega que tenha indicado R$ 1,8 milhão para a cidade de Carangola e também que tenha feito emendas de R$ 22 mil porque o valor mínimo é R$ 100 mil, no caso de mobiliário para escolas.
Porém, ele admitiu a existência do que chamou de “emendas extras”. “É notório e sabido por todos que todos os governos têm emendas extras. Isso é natural. O que eu recebi de emendas extras foi para a educação, construção de quadras, material mobiliário”, afirmou. “Eu aplaudo o governo, que continue trazendo essas emendas extras para os deputados da base. Que dê também para os deputados da oposição também”, acrescentou o parlamentar.
Segundo Mesquita, não há nada irregular ou ilegal porque é “indicação dentro do Orçamento, tudo conforme exige a legislação”.
“O conceito de emenda extra sempre foi o mesmo, desde que governo é governo. Quem está na oposição chora, como foi no governo Pimentel. Quem era oposição ao governo Pimentel, se tinha alguma emenda extra, não indicava. Hoje quem está na base do governo, se tem emenda extra, indica. Isso é um processo natural da democracia. Não há nada de mal nisso. Não há nada ilegal. Na minha filosofia podia mandar emendas extras inclusive para os deputados da oposição”, concluiu.
Já o deputado Roberto Andrade (Avante) afirma que não são emendas extras porque não há um valor definido que está disponível aos parlamentares. Segundo ele, são indicações.
“Além das emendas impositivas (de R$ 10 milhões), todos os deputados indicam alguns recursos que já estão no Orçamento para ser aplicadas em determinadas cidades em função de que o deputado conhece a realidade de cada região. Então, participa do trabalho da Secretaria de Educação, da Saúde, mostrando as necessidades de cada lugar”, disse.
Ele exemplifica: “Acontece muito: levar para a secretária de Educação que algumas escolas estão caindo. Eu vou e falo: ‘Escola tal e tal está caindo’. Ela vai e faz a intervenção. E, como eu sou um deputado que tem acesso ao governo, ela procura escutar a minha intervenção”, acrescentou. “É por este caminho. Com essa questão das chuvas, por exemplo, deputados que têm cidades atingidas vão lá e levam no governo: tais e tais cidades têm essas demandas”, explicou.
Em nota, o governo informou que “não tem restrição ao diálogo com qualquer parlamentar” que o procurar “para fazer investimentos em Minas Gerais”. “Não existe ‘orçamento secreto’ em Minas. As contas são públicas, e os gastos são realizados dentro da mais estrita legalidade em orçamento aprovado previamente pela ALMG e com prestação de contas ao TCE”, disse em nota o governo.
Fonte: CUT Minas