A distribuição de dividendos extraordinários pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) em dezembro passado rendeu R$ 411 milhões aos cofres do governo de Minas. No total, a Copasa distribuiu R$ 820 milhões, o maior valor da história da empresa desde que fez sua primeira oferta pública de ações na bolsa em 2006. Se somados aos dividendos regulares, o montante total distribuído pela Copasa até o terceiro trimestre de 2020 é de R$ 972,4 milhões, sendo pouco mais da metade do governo do Estado.
A maior parte é do governo de Minas porque ele é o acionista majoritário da Copasa, com 50,04% das ações. E, segundo a Secretaria de Fazenda, o recurso extra repassado em dezembro foi utilizado para custear despesas do Estado. “Esse dinheiro foi para o caixa único do Tesouro Estadual e, por ser de livre movimentação, foi utilizado para fazer frente às várias despesas do Estado”, informou a pasta.
A Política de Dividendos em vigor na Copasa, que foi aprovada pela Assembleia Geral em 2018, durante o governo Fernando Pimentel (PT), prevê a possibilidade de pagamento de dividendos extraordinários sempre que a dívida corrente líquida da empresa dividida pelo EBITDA (que é um indicador financeiro que mede o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) estiver abaixo do valor de 2,10 vezes.
O economista e supervisor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em Minas Gerais, Fernando Duarte, explica essa relação dívida e EBITDA, que foi o que permitiu a distribuição de dividendos extraordinários esse ano. “Teoricamente, uma dívida abaixo de duas vezes o EBITDA é uma dívida controlada e relativamente baixa aos olhos do mercado, o que permite à empresa distribuir dividendos extraordinários”, disse.
Ele esclareceu ainda que a Copasa já tinha condições de distribuir dividendos extraordinários no início do ano, mas, por conta da pandemia, optou por adiar. “A dívida estava 1,3 ou 1,4 vezes o EBITDA e o governo já tinha condições de pagar dividendos extraordinários no início da pandemia e todo o mercado esperava isso. Mas, naquele momento, dada a incerteza, o governo recuou. Agora, o governo percebeu que a situação não impactou tão fortemente a questão das receitas da Copasa porque os consumidores residenciais continuaram consumindo e não houve inadimplência significativa, e bateu o martelo pagando agora”.
De fato, os resultados apresentados pela empresa no terceiro trimestre - último relatório disponível - foram positivos. A Copasa teve aumento de receita, de lucro, além de queda nos custos e despesas e redução no endividamento. A própria companhia atribuiu os resultados a diversos fatores, como reajuste tarifário, revisão na base do CadÚnico que levou à migração de clientes da tarifa residencial social para a tarifa residencial - o que resultou em um incremento de receita - e redução de perdas.
Mas, ainda assim, o economista ressalta que o valor de R$ 820 milhões de dividendos chamou a atenção, já que pode comprometer a capacidade de investimento da Copasa. “Existe uma necessidade muito grande de investimento em saneamento e, o governo, ao fazer isso, ele faz uma opção política de não fazer esses investimentos em saneamento”, aponta Fernando Duarte. Ele disse ainda que, desde o governo anterior, tanto Cemig quanto Copasa têm adotado uma “política agressiva” de distribuição de dividendos em detrimento de investimentos.
A mesma lógica é defendida pelo presidente do Sindicato dos dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua-MG), Eduardo Pereira, que no final do ano passado realizou algumas mobilizações e enviou um ofício ao governador Romeu Zema (Novo), questionando a política adotada pela Copasa.
“A Copasa tem um programa de investimentos que ela tem que cumprir todos os anos e, no programa de investimentos do ano passado, havia a previsão de R$ 853 milhões, ou seja, um dinheiro que ela tinha que investir ao longo do ano. Só que ela investiu apenas R$ 269 milhões nos três primeiros trimestres de 2020. Ou seja, não cumpriu o valor de investimento previsto porque mesmo faltando os dados do último trimestre não teria como ela investir quase R$ 600 milhões em três meses”, afirma.
Distribuição de dividendos custou aumento do endividamento da Copasa
No mesmo dia em que aprovou em Assembleia Geral de acionistas, o pagamento dos dividendos extraordinários no valor de R$ 820 milhões, a Copasa aprovou a emissão de debêntures no valor de R$ 500 milhões - que é uma operação de crédito realizada para captar recursos no mercado por meio da emissão de títulos.“Basicamente, a Copasa pegou dinheiro emprestado para pagar dividendos aos acionistas”, afirma o presidente do Sindágua, Eduardo Pereira.
Isso, segundo o economista do Dieese, Fernando Duarte, é comum, permitido e acontece porque o pagamento de dividendos nem sempre está relacionado ao lucro da empresa. “A questão do dividendo extraordinário não tem necessariamente a ver com o lucro, tem a ver com a política de dividendo que prevê essa possibilidade. Então, ela (a Copasa) capta para distribuir o dividendo e endivida a empresa”. No caso da Copasa, nos três primeiros trimestres do ano foram pagos no total R$ 972,4 milhões em dividendos, sendo que a empresa teve lucro de R$ 547,7 milhões.
Ainda segundo o presidente do Sindágua, ele acredita que a redução de investimentos e o endividamento da empresa para pagamento de dividendos faz parte de um objetivo maior do governo de Minas que é privatizar a estatal. “Como o governo do Estado prometeu privatizar a empresa, a gente entende que isso é uma manobra para não cumprir o programa de investimentos para causar insatisfação da população e facilitar a venda da Copasa”.
Fonte: O Tempo, por THAÍS MOTA