O relatório divulgado na semana passada pela Volkswagen sobre a época da ditadura é omisso, diz o IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisados), que colhe informações sobre o período. A entidade contesta a argumentação básica da empresa, de que as violações de direitos humanos ocorridas em fábricas foram ações isoladas da área de segurança industrial. Segundo ela, apenas a Volks apontou ao Dops quase 50 trabalhadores, "fornecendo inclusive o número deles na chapeira e a ocupação que trabalhavam".
O IIEP se baseia em relatório, divulgado em setembro, do perito Guaracy Mingardi, anexado ao inquérito em curso no Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo, que faz menção a oficiais de carreira das Forças Armadas "alocados no parque industrial do ABC, sempre no comando da segurança", o que indicaria uma estratégia militar para a região. "O relacionamento especial entre a segurança da Volks e de algumas outras indústrias com a polícia política era pré-programado, não foi fruto das circunstâncias ou do acaso. Portanto, havia um conluio desde o início entre a Volkswagen e o aparelho repressivo."
De acordo com o relatório do perito, as montadoras de veículos "construíram um sistema de vigilância e repressão" no Brasil durante o período autoritário. "E a Diretoria de Segurança Industrial da Volkswagen foi uma das mais eficientes em manter uma aparência de legitimidade, enquanto agia nas sombras como instrumento da repressão política", acrescenta o texto.
Já no relatório do professor alemão Christopher Kopper, contratado pela Volks, se aponta uma "estreita colaboração entre o departamento da segurança (da empresa) e a polícia política". Segundo ele, a montadora foi "irrestritamente leal" ao governo, beneficiando-se financeiramente, mas a colaboração com a polícia política teria sido iniciativa de alguns de seus funcionários, "com conhecimento tácito da diretoria".
Em outro trecho, o professor e historiador afirma que a política da empresa para o movimento sindical começou a mudar no final dos anos 1970, resultando na primeira eleição de comissão de fábrica na unidade de São Bernardo, em 1982. Durante evento no ABC, na última quinta-feira (14), ele se queixou que isso não foi mostrado pela TV alemã, referindo-se a documentário exibido este ano apontando a Volks como provável "cúmplice" da repressão.
Um dos coordenadores do IIEP, o ex-metalúrgico Sebastião Neto, contesta. "Inventar que a cooperação com a repressão foi só até 79 tem a ver com possibilidade de indenizar milhares de demitidos pelas empresas do ABC na longa greve de 80?", questiona. Ainda segundo Neto, no caso da Volks existem mais de 100 boletins de ocorrência "cheios de detalhes e nomes de responsáveis", além de "copiosa documentação" no Arquivo Público de São Paulo. Ele relata também que o coronel Adhemar Rudge, responsável pela segurança industrial da empresa, mandava relatórios a vários diretores.
No trabalho de Guaracy, consta, por exemplo, a reunião realizada em outubro de 1980 na fábrica da Volks em São Bernardo, com aproximadamente 50 encarregados pela segurança industrial de empresas como Ford, Mercedes-Benz e Scania, entre outras. Nesse encontro, Rudge "em poucas palavras informou aos presentes sobre o andamento do movimento sindicalista no ABC" e, mais adiante, um representante da Polícia Militar disse que a PM estaria em condição de prestar serviços caso fosse necessário.
Apesar de a ação no ABC ser mais conhecida, segundo relatos citados pelo perito a montadora também mantinha "laços estreitos" com a polícia política na região do Vale do Paraíba, no interior paulista. O documento faz referência à criação do Centro Comunitário de Segurança (Cecose), reunindo pelo menos 25 empresas daquela região.
"Na prática a camaradagem entre repressão e Volkswagen envolveu não só a colaboração através da troca de informações, mas também repressão ativa da empresa contra funcionários", concluiu o perito.
Rede Brasil Atual