Na recente greve geral convocada pelas centrais sindicais, no dia 14, as atenções mais uma vez recaíram sobre o setor de transporte, sempre visado pela mídia, autoridades e empregadores. A Justiça do Trabalho concedeu liminares que, em alguns casos, determinavam até 100% do efetivo, o que na prática inviabilizava o movimento. Os metroviários pararam em algumas regiões, os ferroviários desistiram na véspera e, no caso da cidade de São Paulo, motoristas de ônibus acabaram não aderindo de última hora, depois de confirmar sua participação. O interior paulista teve ônibus parados, e uma decisão judicial pouco comum, já que, além de permitir a greve, estipulou multa para atos considerados antissindicais, como manter serviços sem negociar com os trabalhadores e usar força policial para reprimir o movimento.
A decisão foi proferida pelo desembargador Jorge Luiz Souto Maior, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, que abrange todo o interior do estado de São Paulo, relator de um pedido de liminar feito pelo Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros. A entidade patronal afirmava que não houve assembleia geral para decidir o movimento e solicitava garantia de pelo menos 80% dos trabalhadores no serviço. O juiz negou a liminar e fixou multa de R$ 1 milhão para cada ato considerado antissindical.
Em seu despacho, o desembargador observa que a Constituição de 1988 “procurou barrar um processo histórico em que o direito de greve foi, concretamente, negado em nosso país”. Mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF), aponta, já se manifestou no sentido de garantir esse direito, “embora boa parte dos entendimentos jurídicos sobre a greve ainda hoje se pautem de modo contrário”.
O artigo 9º da Constituição determina que “a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, sujeitando legalmente os responsáveis por eventuais abusos. “Mas essas especificações atribuídas à lei não podem ser postas em um plano de maior relevância que o próprio exercício da greve”, sustenta Souto Maior em sua decisão. Ele lembra ainda que a Lei 7.783, a Lei de Greve, de 1989, sujeita os empregadores a diálogo com os trabalhadores em caso de greve – o texto fala em manter equipes para assegurar serviços “mediante acordo” entre as partes.
Para o juiz, mais do que a lei, o país está atrasado do ponto de vista da compreensão do que representa uma greve. “É mais uma deficiência de ordem democrática”, diz. Ele acredita que a própria Lei 7.783, de certa forma, reduziu o exercício do direito de greve ao estabelecer requisitos que a Constituição não impõe. Mais restritiva ainda, acrescenta, “é a interpretação que se faz da lei”. Desse ponto de vista, uma mudança legislativa não teria efeito, já que se trata de uma questão mais política.
“(Uma greve) não é a revolução, não é a bagunça, não é a balbúrdia”, afirma Souto Maior. “É uma forma de impor o diálogo, de restabelecer a lógica da negociação.” Sem negar o conflito, lembra. O desembargador observa que esse diálogo compete tanto ao trabalhador como ao empregador. Inclusive para “atender aos interesses inadiáveis da população”, como fala a Carta de 1988. Assim, caberia às partes sentar à mesa para definir a melhor maneira de garantir um funcionamento mínimo, sem se valer de uma intervenção estatal.
Sobre a liberação de catracas, uma posição defendida por sindicalistas para não prejudicar a população, ele se abstém de comentar. “Não compete a mim dizer como os trabalhadores devem fazer uma greve. Isso é fruta da responsabilidade social que se espera que a parte tenha.”
O presidente da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro), Celso Borba, critica decisões da Justiça do Trabalho, como em São Paulo, que estabelecem efetivo de 100% nos horários de pico e de 80% nos demais, além de fixar multas pesadas, como aconteceu na greve geral. “Além de inviabilizar a greve, inviabiliza o sindicato”, afirma.
Apesar disso, a categoria aderiu à paralisação em várias regiões. Ele acredita que uma mudança do ponto de vista legal seria difícil no atual momento político. “Um Congresso desses, com maioria de patrões, não vai defender uma lei de greve que permita aos trabalhadores lutar em pé de igualdade.”
No caso de São Paulo, Celso aponta uma situação inusitada, referindo-se ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), o maior do país, com abrangência na região metropolitana e na Baixada Santista. “A Justiça do Trabalho exige mais da gente que um dia normal do Metrô, que não funciona 100%”, diz o sindicalista, funcionário da empresa há 25 anos. Ele foi um dos aproximadamente 40 metroviários demitidos após a greve da categoria em 2014, reintegrados após longa disputa judicial.
Algo semelhante acaba de acontecer no Rio Grande do Sul, como lembra o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Metroviários e Conexas (Sindimetrô), Luis Henrique Chagas. Depois da greve geral, a companhia suspendeu os contratos de seis diretores da entidade, alegando que eles estavam com material inflamável. “Eles simplesmente estavam ali para panfletear”, contesta Chagas, acrescentando que o próprio boletim de ocorrência atesta apenas que os sindicalistas estavam próximos de uma das linhas. “A empresa se fez de juiz, julgou e aplicou a pena. Foram bastante truculentos”, critica. O Sindimetrô vai recorrer judicialmente. Para o dirigente, o direito de greve ainda é marginalizado no país.
Em Campinas, no interior paulista, centrais, sindicatos e movimentos sociais fizeram um protesto contra a demissão de um funcionário da CPFL Energia ocorrida logo depois da greve do dia 14. A empresa afirmou que a dispensa não tinha relação com o movimento.
O presidente do Sindicato dos Ferroviários de São Paulo, Eluiz Alves de Matos, as decisões da Justiça no setor de transporte coletivo demonstram certo abuso de autoridade. “A lei permite a greve. A responsabilidade sempre fica em cima da gente.”
Rede Brasil Atual