São 132.290 famílias, cerca de 500 mil pessoas, em todo o país que correm o risco de serem despejadas a partir de 31 de março. A data é o prazo final da suspensão das remoções forçadas, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por conta da pandemia.
Com intuito de evitar a onda massiva de despejos e sob o lema "Prorroga STF", manifestações estão marcadas para essa quinta-feira (17) em ao menos 16 cidades do país.
Os atos, reivindicando que o Supremo estenda a vigência da decisão que se deu no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, estão sendo organizados pela Campanha Nacional Despejo Zero e por movimentos sociais.
Entre eles, estão o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento Luta Popular, as Brigadas Populares, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a União de Movimentos de Moradia (UMM), a Central de Movimentos Populares (CMP) e o Movimento de Lutas em Bairros, Vilas e Favelas (MLB).
Em Brasília (DF), o protesto vai até a porta do STF. Na capital paulista, a concentração está marcada para as 13h na avenida Paulista e deve marchar até o centro, onde está o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Protestos também acontecem em João Pessoa (PB), Salvador (BA), Recife (PE), Teresina (PI), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), entre outros municípios.
Como explica Vanessa Mendonça, moradora da Ocupação dos Queixadas onde vivem 105 famílias em Cajamar (SP), "a ideia dos atos do dia 17 é fazer com que o STF prorrogue a ADPF mas que, para além da prorrogação, que os estados e as prefeituras deem alternativas para essas famílias".
Centenas de milhares de pessoas com despejo iminente
De acordo com dados compilados pela Campanha Despejo Zero, articulação nacional que reúne 175 entidades, desde que a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil em março de 2020 até fevereiro de 2022 houve um aumento de 602% no número de famílias ameaçadas de perder a moradia.
Os estados brasileiros em que mais pessoas vivem na iminência de serem removidas à força de suas casas são São Paulo, Amazonas e Pernambuco. Só no estado paulista são 42.599 famílias nessa situação.
Tortura psicológica diante da crise social e econômica
Entre elas, estão as que vivem no Acampamento Marielle Vive, organizada pelo MST em Valinhos (SP). Gerson Oliveira, um dos coordenadores da ocupação, destaca o sofrimento psíquico pelo qual as 450 famílias estão passando.
"É a possibilidade de terem suas casas e suas vidas destruídas com o despejo. A possibilidade real das famílias não terem mais o que comer. O medo é muito grande", descreve.
Surgido em 14 de abril de 2018 a partir da ocupação de um terreno que não cumpria função social, o Marielle Vive tem, como principal símbolo de sua produção agroecológica, uma horta coletiva em formato de mandala de mil metros quadrados.
Em discrepância com a produção autônoma de alimentos saudáveis, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atestam que, só nos últimos cinco anos, três milhões a mais de pessoas começaram a passar fome no Brasil.
Citando o alto índice do desemprego no país - que atualmente atinge quase 17 milhões de pessoas entre desempregados e desalentados - Vanessa aponta que "não tem como pagar aluguel e comer".
"Junto com isso, vivemos o aumento de alimentos, gás e aluguéis", expõe a ativista do movimento Luta Popular.
"Agora com a guerra da Ucrânia e toda essa questão geopolítica, vivemos uma sequência de alta de preços" complementa Gerson Oliveira, do MST, ao exemplificar com a subida do custo do feijão e dos combustíveis.
Saldo organizativo
"Nós estamos bastante preocupados, mas também nos mobilizando e nos articulando para enfrentar esse cenário. Nós sabemos que a ADPF tem muita possibilidade de ser prorrogada, mas pode não ser", salienta Oliveira, lembrando da pressão de "ruralistas e de setores do empresariado" sobre os ministros do Supremo.
"Nunca ocorreu, pelo menos na história recente, de tantos despejos estarem marcados para o mesmo período", avalia Vanessa. "Então a unidade de ação de todos os movimentos é extremamente importante nesse momento. Porque a gente sabe que terra tem, a gente sabe que imóvel vazio tem", afirma.
Oliveira também ressalta o saldo organizativo entre movimentos de moradia das cidades e do campo desde o início da pandemia.
Em sua visão, é necessário que a articulação siga forte para evitar os despejos no próximo período, com ou sem prorrogação do STF . "É justamente uma construção de unidade em torno da defesa dos territórios. Em defesa do direito de lutar", sintetiza.
Gabriela Moncau, Brasil de Fato (SP)