Desobediência civil tende a aumentar com avanço autoritário



Desobediência civil tende a aumentar com avanço autoritário

O desrespeito às conquistas sociais, por meio da austeridade contra os trabalhadores e os mais pobres, podem impulsionar a estratégia de luta que foi adotada por Mahatma Gandhi e Martin Luther King
Protestos pacíficos individuais ou coletivos, por meio do descumprimento de ordens – a chamada desobediência civil –, deverão se tornar mais comuns com o avanço da política conservadora do presidente Michel Temer (PMDB) sobre conquistas sociais, como a aprovação nesta terça-feira da Emenda Constitucional (EC) 95, que congela por 20 anos investimentos em saúde, educação, ciência, tecnologia e outras áreas essenciais. A opinião é do presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Gastão Wagner de Sousa Campos.
O descumprimento de ordens como protesto pacífico contra um governo considerado opressor por esses desobedientes é um conceito formulado pelo historiador, filósofo e ativista contra a cobrança de impostos norte-americano Henry David Thoreau (1817-1862).

O princípio foi adotado pelo líder indiano Mahatma Ganhhi (1869-1948) no processo da India e do Paquistão do domínio britânico, e pelo líder religioso negro norte-americano Martin Luther King (1929-1968), na luta contra a segregação racial nos Estados Unidos.

"Manifestos baseados em estratégias como não fazer o que as autoridades determinarem, mesmo que seja deixar de preencher um formulário, vão acontecer cada vez mais, porque são determinações inconstitucionais e antiéticas. Ferem manuais da saúde, da educação, ferem a ética do docente, do profissional de saúde", disse.

Conforme ele lembrou, há muitos exemplos recentes de desobediência civil. Um deles foi protagonizado por cientistas que fazem pareceres sobre a produção científica para subsidiar o CNPq, agência de financiamento de pesquisas vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), na concessão de bolsas para os pesquisadores.

"Quando eles chegaram lá, o diretor do CNPq de plantão ordenou que eles fizessem uma classificação dos bolsistas por ordem de mérito, porque iam cortar 30% delas. Quando ele saiu da sala, os pareceristas nada fizeram. Cruzaram os braços ou foram embora. A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a Abrasco tiveram de intervir no caso", conta Gastão.

No final de novembro, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão ordenou que os reitores das universidades e institutos federais cortassem o ponto dos servidores em greve contra a então PEC 241/2016 – atual EC 95/2016. No início de dezembro, os reitores, por meio da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), enviaram ofício ao ministro da Educação, Mendonça Filho, afirmando a impossibilidade do corte.

"O limite da ética está sendo ultrapassado. Na educação, os secundaristas e universitários fizeram ocupações, que são uma forma importante de luta, embora defendamos que estejam articuladas com a comunidade sem impedir o funcionamento. Acho que temos de rever formas de luta que trazem antagonismos, temos de evitar radicalização. Mas a raiva de Temer é tao grande que sobram agressões para quem está perto dele, seus possíveis aliados".

Educação
A presidenta do Sindicato dos Professores no Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel de Azevedo Noronha, a Bebel, tem defendido a desobediência como estratégia de enfrentamento ao atual governo, autoritário, especialmente a partir do congresso da Apeoesp, realizado no final de novembro.

“Não se trata de uma ditadura clássica, com soldados com armas nas mãos, mas das instituições. O congelamento por 20 anos aprisiona investimentos ao longo de quatro gestões. É uma austeridade que não propõe a participação do rico, não tem taxação, e que vai gastar no exterior o dinheiro que deveria circular dentro do país. É o mais pobre que esta sendo taxado, tendo direitos subtraídos”.

Bebel, que tem sido criticada inclusive entre professores por falar em desobediência civil, acredita que o princípio é desconhecido ou mal interpretado. “Não é incitação à violência, como muitos pensam. É um ato pacífico. Mas tem de ter adesão de todos os que serão afetados diretamente pelas medidas", afirma, sem entrar em detalhes sobre como seriam esses atos. "Estamos diante de um governo opressor.

Precisamos envolver a sociedade em torno dessa desobediência civil porque a gente vai morrer de fome, sem remédio, porque o congelamento incide sobre patamares em que já há perda de poder aquisitivo."
A desobediência, porém, não está nos planos de curto e médio prazo dos estudantes. "Ainda temos de convencer a população dos impactos de todas essas medidas e trazê-la para a mobilização. Temos de buscar mobilizações cada vez mais amplas, com vários setores da sociedade", diz a presidenta da União Brasileira dos Estudantes (UNE), Carina Vitral.

Depois de um longo período ocupando escolas e campi universitários contra o congelamento de gastos e a Medida Provisória 746, que reestrutura o ensino médio, os estudantes vão passar a estudar os próximos passos. "A luta não acabou. Está cada vez mais claro para a população que é preciso resistir porque depois da aprovação da PEC virão outras medidas. O governo deverá investir na cobrança de mensalidades na universidades públicas e em alterações do Plano Nacional de Educação, assumindo que estão jogando no lixo toda a construção democrática."

Rede Brasil Atual

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