Depoimento sugere vale-tudo na venda de ativos da Cemig



Depoimento sugere vale-tudo na venda de ativos da Cemig

Sob as diretrizes do governador Romeu Zema e do seu partido, o Novo, teria se instalado uma espécie de vale-tudo na gestão da Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (Cemig) para diminuir o tamanho e a importância da empresa no mercado, visando torná-la “privatizável”.

Valeu até indicar conselheiros que votaram contra os interesses da Cemig e, assim, viabilizar a venda de ativos importantes por valor irrisório e em condições suspeitas.

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Essa foi a conclusão do depoimento na manhã da terça-feira (26/10/21) de Luis Fernando Paroli Santos, ex-presidente da Light entre 2017 e maio de 2019, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) criada para investigar possíveis irregularidades na gestão e o uso político da Cemig. A estatal mineira foi, ao longo de 13 anos, a maior acionista da Light, a principal empresa de energia que atua no Estado do Rio de Janeiro.

Segundo o relato feito pelo executivo aos deputados da CPI, essa suposta estratégia de desinvestimento e descrédito da Cemig, disfarçada de enxugamento em nome de maior eficiência e foco no mercado mineiro, começou já em janeiro de 2019, no primeiro mês do governo Zema, quando começaram a ser estudadas internamente formas de se desfazer, literalmente a qualquer preço, de ativos importantes da Cemig.

Documento interno

Uma apresentação que circulou na empresa em janeiro de 2019 foi exibida durante a reunião da CPI. Nela, constavam sete alternativas detalhadas para o equacionamento financeiro da Renova, empresa de energia renovável controlada pela Cemig por meio da Light e com grande potencial na geração eólica. O desafio na época era conciliar tanto o pagamento de dívidas quanto os investimentos necessários para o desenvolvimento do negócio.

As opções variavam, isoladamente ou combinadas, entre a venda de instalações e de ações, realavancagem com financiamento externo, oferta pública de ações e até mesmo a recuperação judicial, com os prejuízos para a imagem da companhia que essa última opção representava. A recuperação judicial inclusive veio a acontecer, após a empresa ter sido alvo de uma investigação de evasão fiscal.

Pior opção

Light era lucrativa e não deveria ter sido vendida

“O curioso é que, nas reuniões internas da Cemig, a oitava opção, a pior delas e aquela que foi a escolhida, a venda da Renova por apenas R$ 1, não aparece nesta apresentação”, lembrou o vice-presidente da CPI da Cemig, deputado Professor Cleiton (PSB).

“Como presidente da Light, a maior acionista da Renova, ela tinha solução?”, indagou ao depoente, na sequência, o parlamentar. “As opções que aparecem aí nessa apresentação mostram que sim. Todas elas com prós e contras, mas a Renova sempre foi viável, tanto que existe até hoje, inclusive com ações em bolsa”, respondeu Luis Paroli. A compra de uma fatia da Renova pela Cemig, por meio da Light, remonta a 2011.

O ex-presidente da Light ainda lembrou, ao responder questionamento dos deputados, que a Cemig poderia também ter exercido sua opção de compra da parte da Light na Renova pelos mesmos R$ 1, mas não o fez. “Eu já tinha deixado a Light no momento da venda, mas sempre entendi que a venda da Renova por esse valor não era a melhor opção”, avaliou.

Conselheiros

A venda da participação da Light na Renova, concretizada em outubro de 2019, aconteceu com o aval dos conselheiros indicados pela direção da Cemig, a maioria no Conselho de Administração da empresa fluminense, conforme apontou o depoente.

Um deles, o então presidente da Cemig, Cledorvino Belini, se absteve de votar, conforme alegou em depoimento na semana passada à CPI, justamente por discordar da operação. Logo depois, ele pediu o desligamento do Conselho da Light.

"Ficou claro para nós que ele, um executivo experiente do mercado, preferiu se retirar do Conselho do que ser responsabilizado no futuro", afirmou o presidente da CPI da Cemig, Cássio Soares (PSD).

Ao responder questionamento do relator da CPI, deputado Sávio Souza Cruz (MDB), Luis Paroli contou que, cerca de um mês antes de sua saída, a direção da Cemig substituiu cinco conselheiros no Conselho da Light cujas indicações lhe cabiam, sob o argumento de indicar representantes independentes.

O depoente revelou sua estranheza com o fato, já que o normal seria a indicação de pessoas de confiança, que zelariam pelos interesses da empresa que os indicou, o que aparentemente não aconteceu no episódio da venda da Renova.

O ex-presidente da Light lembrou que o preço atual da ação da Renova, pouco mais de R$ 8, corresponde a aproximadamente R$ 480 milhões como valor de capitalização, bastante semelhante ao da época da venda por apenas R$ 1.

Coincidência

Esse valor de R$ 480 milhões é, coincidentemente, o mesmo supostamente oferecido à direção da Cemig para compra da Renova, conforme informações que chegaram ao conhecimento da CPI, apenas quatro meses antes de o negócio ter sido fechado por um valor irrisório.

“Se essa companhia tiver sequer um copo entre seus ativos, ele vale mais do que R$ 1. Essa operação só foi boa para quem comprou, e vamos atrás dessas pessoas. Se tivessem me consultado, eu daria R$ 2 e a Cemig teria 100% de lucro. O governador Zema vendeu recentemente suas empresas e duvido que tenha vendido o que é mesmo dele, o que não é o caso da Cemig, por R$ 1” questionou Sávio Souza Cruz.

Lucro vira pretexto para desinvestimento

Em janeiro deste ano, a Cemig vendeu o restante de sua participação na Light, também em condições suspeitas segundo o apurado até o momento pela CPI, por R$ 1,37 bilhão.

Luis Paroli lembrou que, na sua gestão, o valor por ação subiu de R$ 13 para R$ 24 e a empresa ganhou fôlego financeiro com o alongamento de dívidas que venceriam a curto prazo e, o mais importante, com resultados operacionais que permitiam o pagamento dos débitos e ao mesmo tempo investir.

“Sei que a decisão de vender ou não cabe ao acionista, mas a Light era operacionalmente lucrativa e a Cemig poderia esperar um pouco e não realizar o negócio com prejuízo”, afirmou o executivo. A venda das ações da Cemig na Light foram concretizadas, segundo ele, em duas fases, com valores em torno de R$ 18 e R$ 20.

A justificativa apresentada ao mercado era a necessidade de a Cemig realizar aportes financeiros na Light superiores ao valor da venda, que, de acordo com Luis Paroli, remontam ao restante de obrigações pendentes ainda da própria compra de parte da Light pela Cemig. “Nos dois anos que presidi a companhia ela deu lucro, e os balanços mostram isso”, resumiu.

 "A Light foi vendida simplesmente porque deu lucro”, criticou Sávio Souza Cruz - Foto:Luiz Santana
“O problema desse governo é que o Estado não pode dar lucro, senão atrapalha os planos do governador. A Light foi vendida simplesmente porque deu lucro”, criticou Sávio Souza Cruz. “A venda da Light é um dos maiores prejuízos recentes do mundo corporativo brasileiro”, emendou Professor Cleiton.

Essa linha de investigação seguida pela CPI apura justamente se há uma estratégia em curso por parte do Executivo de desidratar a Cemig para viabilizar, junto à opinião pública, a privatização da estatal, medida que é defendida publicamente pelo governador Romeu Zema. Para isso acontecer, é preciso primeiro, segundo a Constituição Estadual, de autorização da ALMG.

Partidos

Ao ser questionado pelo relator da CPI, o depoente admitiu ser filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde 1998, mas disse não ser um militante ativo e negou ingerências partidárias quando esteve à frente da Light e nos cargos anteriores que ocupou no setor elétrico, como de diretor da Cemig e de Furnas Centrais Elétricas.

De acordo com ele, além de contrariar as melhores práticas de governança corporativa, a ingerência política pode resultar em punições legais para os gestores, já que as restrições são ainda maiores em empresas públicas. O Executivo lembrou ainda que, de toda forma, a decisão da Cemig de comprar fatias da Light e depois da Renova foram tomadas em administrações estaduais anteriores à petista. 

Abacaxi - O deputado Zé Guilherme (PP) questionou o depoente se ele foi indicado para a Cemig ou para a Light pelo ex-governador petista Fernando Pimentel, o que ele negou. “Esse questionamento não é uma crítica, até acho legítimo. O governo estadual foi eleito e faz suas indicações, é assim que funciona”, pontuou.

Segundo o parlamentar, a decisão da venda de ativos por parte da Cemig se justifica em virtude da necessidade de direcionar mais recursos para ampliar seus investimentos em Minas Gerais.

“A Cemig está 100% focada em atender melhor seus clientes mineiros. A Light foi um péssimo negócio feito pela Cemig, que comprou as ações a R$ 99. A atual direção da companhia recebeu esse abacaxi e teve a coragem de se livrar dele”, avaliou Zé Guilherme.

Prorrogação

Entre os requerimentos aprovados ao final da reunião está o de prorrogação dos trabalhos da CPI da Cemig por mais 60 dias. O pedido foi assinado pela deputada Beatriz Cerqueira (PT) e pelos deputados Sávio Souza Cruz, Professor Cleiton e Hely Tarqüínio (PV).

Fonte: Portal da ALMG, foto:Luiz Santana

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