No pódio das maratonas, Charles Marcos Gomes, 41 anos, parece um atleta profissional comum, com seu físico alto e esguio que parece ter sido trabalhado em anos de treino e vida saudável. Só quem conversa com ele descobre sua história dura de abandono, sofrimento e superação.
Charles foi criado no bairro Jardim Laguna, em Contagem, mas nunca conheceu o pai. Ficou órfão de mãe aos 9 anos, quando foi morar com tio, militar, e finalmente foi matriculado. Mas, aos 14 anos, um mal entendido mudou seu destino novamente.
“Saí de casa para jogar fliperama com uma turma na Avenida Afonso Pena, quando apareceu o pessoal da Febem e nos levou”, conta. Na antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem), ele até contou que morava com um tio e uma assistente social o levou para casa no Jardim Laguna. Mas o tio pensou que o garoto estava envolvido com coisa errada e não o aceitou de volta para a Febem.
Liberdade reconquistada
Charles tentou várias vezes fugir da Febem, mas sempre era resgatado. Saiu definitivamente da Fundação Dom Bosco aos 21 anos, com pouco estudo, mas, com o curso de marcenaria e voltou para a casa do tio. “Ele me ajudou muito. Morei lá com ele e passei a vender picolé”, conta. Mas o tio se aposentou e mudou para o interior e Charles voltou pras as esquinas da capital, onde, ao todo, morou 21 anos. Só na rua Itambé, na Floresta, ficou 15 anos, catando material reciclável que vendia para depósitos de BH.
Há apenas sete meses que Charles ganhou um lar. “Meu filho Welington, de 6 anos, veio morar comigo e os motoboys de uma empresa de entrega ficaram com pena de ver uma criança dormindo na rua e conseguiram um quarto barato para eu alugar na Rua Ourissanga, na Floresta”, conta. O aluguel (R$ 380) é pago com o dinheiro da faxina que Charles faz em prédios na região.
Atleta de rua, com orgulho
No meio de tantas batalhas, Charles conta que começou a correr aos 26 anos, na Lagoa da Pampulha, quando era office boy na Secretaria Municipal de Esportes de BH, na olimpíada do servidor, e hoje o que mais gosta é correr. “A corrida me distrai e não deixou que eu me tornasse uma pessoa revoltada, além de me dar uma saúde de ferro. Fui criado sozinho, mas tenho Deus e encontro na Bíblia e no esporte meu ponto de apoio”, conta.
Charles já participou da Maratona de São Paulo, da São Silvestre, e provas em outras cidades. Hoje, mantém a rotina de treinos, correndo até 200 quilômetros por semana.
Neste momento, ele tenta regularizar o cadastro no Bolsa Família do Auxílio Moradia e corre atrás da segunda via da carteira de trabalho já que o original que ‘guardava’ num bueiro da Floresta, sumiu. Enquanto os documentos não vêm, Charles e o filho dividem o almoça do Restaurante Popular. “O café com pão ganho dos funcionários de um sindicato e uma senhora do prédio que limpo doa uma cesta básica por mês e assim vamos levando”. Ele diz que o que mais precisa é de ajuda para participar das maratonas. Para o filho, o sonho é uma bicicletinha.