A CUT nasceu na tarde de 28 de agosto de 1983 sob clima político e econômico tumultuado. E completa 30 anos com o ambiente ainda agitado pelas manifestações realizadas em junho. Três décadas atrás, o objetivo era claro: o fim da ditadura. Hoje, os inimigos não estão no poder, mas a relação com o governo central é objeto de questionamentos. Com a democracia reconquistada, levou tempo para que a central se firmasse institucionalmente. Consolidada, faltou chegar à tão falada mudança da estrutura sindical brasileira.
O atual presidente, Vagner Freitas, faz a autocrítica, mas antes busca enfatizar a relevância histórica da entidade. “Estamos falando da central que tem 40% dos trabalhadores sindicalizados no Brasil, teve um de seus fundadores eleito presidente da República, que esteve na resistência à ditadura, tem representação em todos os setores da atividade econômica, participação nos fatos históricos da vida nacional, como a luta contra a carestia e pelo fim da ditadura. A participação política na Diretas Já, o impeachment de Fernando Collor, a preocupação com a formação do cidadão participativo, não só reivindicativo”, enumera.
Como fator negativo, em sua avaliação faltou uma crítica “mais contundente” em relação ao papel do Estado. Em um governo dito de coalizão, representantes do empresariado e dos trabalhadores ganharam assento em postos importantes da República, e disputam como podem para que lado pendem as decisões dos poderes. Para Freitas, ainda pendem mais para o do capital. O dirigente lamenta também a não reformulação da atual (e antiga) estrutura sindical, que em sua visão facilita a acomodação dos dirigentes e desestimula a militância dos jovens. Ele mesmo diz que pensaria duas vezes se tivesse 18 anos hoje.
Fora do prédio
Em fevereiro deste ano, parecendo adivinhar o que aconteceria quatro meses depois, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse à direção da CUT que ela deveria atuar mais próximo dos movimentos sociais com pouca estrutura, não poderia se limitar à luta corporativa. “Faça todas as brigas que tiver de fazer, internamente, mas quando terminar a CUT tem de ir pra rua. A CUT não nasceu para ficar dentro de um prédio.”
Mas não se pode dizer que o movimento sindical ficou para trás. O sociólogo Adalberto Cardoso, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), faz uma leitura crítica da cobertura das manifestações de rua pela mídia tradicional, que identificaria os jovens como o moderno e os trabalhadores como o atraso.
“É uma leitura adversária ao mundo do trabalho, uma posição contrária ao trabalho organizado”, observa. “A minimização do movimento sindical interessa a uma elite conservadora.” Segundo o pesquisador, o sindicalismo representa hoje “a principal fonte de elites governantes de estrato popular”. “É contra isso que a mídia no Brasil se bate. É má-fé dizer que esse sindicalismo não existe.”
Mas ele também lembra que esse movimento, CUT incluída, não fez a reforma para, por exemplo, acabar com o imposto sindical. “Sempre fui contra essa forma de financiamento, mas sou obrigado a reconhecer que foi com ela que mantivemos sindicatos com alguma capacidade de mobilização. Se não fosse essa estrutura, não teríamos tido Lula na Presidência”, diz Cardoso. “A CUT sobreviveu, passou pelo furacão dos anos 90, pela grande crise do mundo do trabalho, com essa estrutura”, lembra o pesquisador, para observar que o sindicalismo “foi dizimado no México, enfraquecido na Argentina e destruído no Chile”. Pode-se acrescentar o caso dos Estados Unidos, onde o índice de sindicalização no setor privado fica nos 7%.
Cardoso faz a demarcação histórica. “Quando a CUT nasceu, o Brasil era uma ditadura. Tinha um general na Presidência. Isso significava lutar contra o poder de intervenção, o poder da Justiça do Trabalho, com decisões em geral contrárias aos trabalhadores. Toda a estrutura era autoritária e, no limite, impedia que os trabalhadores se organizassem de maneira autônoma.” E considera que, com Lula, a central chegou ao poder. “A CUT forneceu quadros para várias instâncias do governo. É uma estreiteza de compreensão política dizer que é chapa-branca. Outra coisa são os sindicatos de base, que fazem greve para melhorar as condições de trabalho de seus representados.”
Outro mundo
Alguns dados podem soar inverossímeis para a geração posterior à dos fundadores da CUT. Em 1983, endividado, o país recorria ao Fundo Monetário Internacional. A inflação chegaria a mais de 160% pelo IPCA e superaria os 200% pelo INPC, ambos calculados pelo IBGE. A pretexto de combatê-la, o governo, por meio do então ministro Delfim Netto, o czar do Planejamento, apresentou, entre outros, o Decreto-Lei nº 2.045: os reajustes salariais se limitariam a 80% do INPC. Em julho daquele ano, o movimento sindical – que ainda não tinha uma central – organizou uma greve geral contra o arrocho e a ditadura. Alguns dias antes, os petroleiros organizaram uma paralisação. A resposta do governo, habitual no regime autoritário, foi intervenção em sindicatos. Categorias como bancários, metalúrgicos e petroleiros tiveram suas direções cassadas.