No ano passado, o eletricista Farley Santos Marques levou uma descarga elétrica durante o trabalho, perdeu as duas mãos e uma perna. “Cada dia está sendo uma luta. Tenho que reaprender a fazer tudo. É muito difícil sem as mãos”, conta ele, que, aos 28 anos, está aposentado por invalidez. Além do trabalho, Marques deixou de fazer atividades de que gostava, como jogar futebol com os amigos.
Aposentadorias por invalidez como a de Marques e auxílios por doença e acidentes de trabalho custaram à Previdência Social R$ 11 bilhões em 2013, último dado disponível. O dinheiro seria suficiente, por exemplo, para construir e equipar 40 mil postos de saúde, ou comprar 140 mil ambulâncias. Entre 2008 e 2013, o desembolso da Previdência com os males causados pelo trabalho chegou a R$ 50 bilhões. Os valores são ainda maiores, porque o órgão não informou quanto gasta com as pensões às famílias das pessoas que morrem em acidentes.
No caso do eletricista, ele conta que, depois do acidente, passou a receber cerca de R$ 2.000 por mês como aposentadoria. O valor é 25% maior do que o salário que ele ganhava na empresa onde trabalhava, uma terceirizada da Cemig. Ele explica que o acréscimo foi concedido pelo INSS por causa das necessidades especiais de sua nova condição. “Eles consideraram que eu precisaria de alguém para me ajudar, porque perdi dois membros superiores e um inferior e não tenho como fazer nada sozinho”, afirma.
Diretos e indiretos. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), os custos dos acidentes de trabalho podem ser agrupados em três categorias: diretos, indiretos e humanos. Os custos diretos são aqueles associados aos tratamentos e reabilitação. Os indiretos são as oportunidades perdidas pelo trabalhador, pelo empregador, pelos colegas de trabalho e pela sociedade, incluindo custos previdenciários, salariais, administrativos e de produtividade. Já os custos humanos são referentes à piora na qualidade de vida da pessoa acidentada e de sua família.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial seja gasto por ano com custos diretos e indiretos de doenças e acidentes ligados ao trabalho. O valor estimado é US$ 2,8 trilhões no mundo, cerca de R$ 8,4 trilhões. A cifra supera em 50% o PIB do Brasil, que foi de R$ 5,5 trilhões no ano passado.
Trabalhador tem braço arrancado em Araxá
“Epidemia Silenciosa” começou a ser publicada pelo O TEMPO há três dias. Desde então, 6.060 pessoas já foram vítimas de acidentes de trabalho no Brasil. Ontem, Bruno Gonçalves dos Santos foi uma delas. Ele teve o braço arrancado enquanto limpava a correia de uma máquina da linha de produção da Vale Fertilizantes, em Araxá, na região mineira do Alto Paranaíba. O trabalhador foi transferido para um hospital em Ribeirão Preto (SP). “A notícia que temos é que ele fez uma cirurgia para reimplantar o braço e agora tem que esperar 48 horas para avaliar se terá alguma rejeição”, afirmou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Extração Mineral, Química e de Fertilizantes de Araxá e região (Sima), Vicente Magalhães de Matos.
Segundo Matos, o acidente pode estar relacionado ao excesso de jornada. “Desde março, a empresa vem descumprindo a convenção. O acordo era para seis dias, com oito horas de trabalho, com quatro dias de folga. Mas, agora, está só com 60 horas de folga”, diz. A empresa está prestando assistência à vítima, mas não retornou aos contatos da reportagem para dar mais detalhes. (APP e QA)
“Dimensão humana não pode ser matematizada”
Os custos dos acidentes de trabalho vão muito além dos gastos previdenciários. Nas contas do professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em relações de trabalho José Pastore, chegam a R$ 71 bilhões por ano, considerando, além dos desembolsos do INSS, os custos para empresas e para o próprio trabalhador. O valor é equivale a 9% da folha de pagamento total do país.
“É uma cifra estratosférica e que mais do que justifica um esforço adicional de prevenção”, diz Pastore, no artigo “O Custo dos Acidentes e Doenças do Trabalho no Brasil”, publicado em 2011, mas que ainda é usado como referência. Ele ressalta a importância de priorizar a prevenção dos acidentes, dizendo que o processo educativo é mais eficaz do que a punição.
“O mais urgente, no caso do Brasil, é fazer os empresários e os trabalhadores entenderem que condição de segurança é parte de um trabalho de boa qualidade de vida, o que, por sua vez, é essencial para competir e vencer”.
O especialista destaca também que os bilhões gastos anualmente não são capazes de medir a dimensão real dos impactos desses acidentes. “Os seres humanos valem muito mais do que todos esses cálculos. A dimensão humana não pode ser matematizada”, ressalta, no mesmo artigo.