Crime continuado: Mulheres atingidas pela barragem da Samarco, Vale e BHP seguem 5 anos sem reparação



Crime continuado: Mulheres atingidas pela barragem da Samarco, Vale e BHP seguem 5 anos sem reparação

No dia 31 de outubro, sábado, aconteceu o “Ato Político Cultural das Mulheres Atingidas em Defesa da Vida”. O evento foi parte da Jornada de Lutas do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que denuncia os cinco anos de impunidade e sem reparação das pessoas atingidas após o crime da Vale, Samarco e BHP Billiton na cidade de Mariana, na região Central de Minas Gerais.

O rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015, matou 19 pessoas e causou um rastro de destruição e doenças ao longo de toda a bacia do Rio Doce.

A vida após cinco anos

De acordo com estudo do MAB, as mulheres atingidas pelas barragens vivem uma realidade de violação de direitos duplicada, pois enfrentam as situações que lhes foram impostas pelas mineradoras em uma sociedade já desigual para elas.

Um exemplo dessa situação é que até hoje a maioria das mulheres que tiveram suas vidas completamente alteradas pelo rompimento da barragem da Samarco recebe o dinheiro do auxílio financeiro e das indenizações - quando pagas - apenas por meio dos maridos. Somente um terço dos cadastros foi registrado em nome delas, revelam dados recolhidos pelo movimento.

Informalidade, doenças, abalo emocional e trabalho doméstico aumentado

As mulheres são a maior parcela da população brasileira a vivenciar a informalidade, o que ocorre também com as mulheres da bacia do Rio Doce. Elas são menos reconhecidas como atingidas pela Fundação Renova justamente por exercerem mais ocupações informais antes do crime. Ambos os fatores comprometem a independência financeira das mulheres.

“Outra coisa que tem pesado muito é a saúde. A gente já vem denunciando que tem contaminantes no rejeito e o povo que está usando a água que vem do Rio Doce, e os que moram perto de áreas que a lama chegou, estão ficando doentes. E sabemos que quase sempre fica sob responsabilidade das mulheres cuidar de quem adoece, além delas mesmo estarem doentes. E agora, cinco anos depois, acontecem esses agravamentos do contato direto com o rejeito", declara Letícia Oliveira, integrante do MAB.

Fernanda Portes, também militante do MAB, chama a atenção para a sobrecarga emocional das mulheres, que lidam de frente com a quebra dos laços familiares, problemas psicológicos dos filhos ou maridos, mudança de vida, violência doméstica, entre outros impasses.

 “Quem comprava roupa, sapato, material da escola, era eu. Agora tem que ficar pedindo. E o dinheiro não dá”

"Quem fica mais no âmbito familiar são as mulheres. Elas se preocupam mais com a educação dos filhos. Se uma barragem faz com que a escola da comunidade tenha que ser transferida para outro local, é ela que tem que levar as crianças. A alimentação muda, tudo muda. Nessa sociedade, que é machista, racista, patriarcal, os pesos são diferentes", analisa.

Tudo isso atinge as mulheres dentro do contexto geral de desrespeito aos direitos humanos vividos por todos os atingidos, que enfrentam a perda de trabalho e renda, recebimento de indenizações baixas, tentativas de retiradas do auxílio financeiro emergencial (algumas em plena pandemia), falta de reestruturação da comunidade, entre outros. Outra denúncia, é que, passados cinco anos, nenhuma casa ainda foi construída.

Lucro valendo mais do que a vida

Dona Maria Helena Barreto, de 54 anos, mora em Barreto, subdistrito de Barra Longa devastado pela ruptura da barragem de Fundão. Em 2015 ela e o marido perderam os móveis, o engenho de onde tiravam o sustento, as criações de animais e a casa, que foi recentemente reformada pela Renova, mas segue em área de risco. Da Vale/Samarco/BHP, ela continua recebendo unicamente a promessa de uma nova casa mais segura.

Em seu quintal, convive diariamente com os rejeitos altamente tóxicos que vazaram da barragem naquele 5 de novembro. A sujeira não foi retirada. Sua família - que já apresentou diversos problemas de saúde - não recebeu um tostão de indenização. As idas ao hospital e exames foram pagos com dinheiro do próprio bolso.

 “Aqui virou um mausoléu, as pessoas ficam tristes pelos cantos. A minha vida virou hospital”

Ela conta que uma das consequências é a “humilhação” de ter que pedir dinheiro ao marido. "Eu e minha cunhada, a gente trabalhava e tinha o dinheirinho da gente. Vendíamos fruta para fora, mas agora a gente não tem mais nada porque pra eles [Samarco/Vale/BHP] não somos trabalhadoras. O pior de tudo é a humilhação. Aqui em casa, quem sempre comprava roupa, sapato, material da escola, era eu. Agora tem que ficar pedindo. E o dinheiro não dá", desabafa.

Maria relata que a filha, de 18 anos, teve a vista prejudicada e tem fortes dores de cabeça diárias após o rompimento da barragem, um dos principais sintomas de contaminação por metais pesados.

Já o filho, que tem 14 anos de idade, chora até hoje pela perda do rio Doce. "Ô menino que gosta de pescar, viu? Fica falando ‘mãe, eu quero pescar', e eu digo ‘mas pescar onde?’, acabou tudo. Falo com meu esposo que vamos ter que fazer um fosso para ele”.

Maria relata, ainda, ter dificuldade para ir ao médico, já que o transporte de Barreto até Mariana foi cortado após o crime da Vale. Para se consultar, diz que tem que ganhar carona. "Aqui virou um mausoléu, as pessoas ficam tristes pelos cantos. A minha vida virou hospital. A minha sogra ficou tão estressada e triste que teve vários AVCs [Acidentes Vasculares Cerebrais] e faleceu”.

Jornada de Lutas

Até o dia 5 de novembro, o MAB realiza a Jornada de Lutas dos Atingidos e Atingidas "Vale com a injustiça nas mãos: 5 anos sem reparação na bacia do rio Doce”, que começou no dia 5 deste mês. Veja o que está programado para esta semana.

 

3 de novembro:

Ato Internacional: violação dos direitos dos atingidos por barragens no mundo (virtual)

5 de novembro:

Dia de luta - Ações que marcam os 5 anos do crime (virtual e presencial)

Fonte: Brasil de Fato

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