Exames recentes comprovam a alta presença de metais tóxicos, principalmente arsênio, em moradores de Barra Longa, município próximo a Mariana
No último dia 27, representantes de movimentos ambientais e dos atingidos por barragens (MAB) promoveram entrevista coletiva na Assembleia Legislativa (ALMG) para denunciar que o estrago humano da tragédia da Samarco, em Mariana, não terminou.
Entidades apresentaram estudo feito pela USP com 11 moradores de Barra Longa, outra cidade afetada pela lama, que aponta que a maioria das pessoas tem altos níveis de níquel e arsênio, e níveis abaixo do normal de zinco no organismo.
Antes dos exames, o Instituto Saúde e Sustentabilidade, ligado ao Greenpeace, entrevistou 220 famílias do município, que não teve a população transferida e constatou vários sintomas da contaminação.
Abandono
Os moradores de Barra Longa denunciam que não têm recebido nenhum apoio da empresa e de órgãos governamentais, desde o pior desastre ambiental de Minas, que ocorreu em novembro de 2015. O crime ambiental deixou 1,5 mil pessoas desabrigadas e matou outras 19, destruiu o distrito de Bento Rodrigues e poluiu a bacia Rio Doce com metais pesados.
Até agora a Fundação Renova- empresa criada pela mineradora Samarco e suas controladoras, Vale e BHP- não construiu novos vilarejos para abrigar as famílias atingidas.
A especialista em Saúde do Trabalhador, Marta Freitas, denunciou que nunca foi feito estudo para conhecer os metais pesados a que a população está exposta desde o rompimento da barragem. “Só sabemos que as ações de atendimento são insuficientes e que não há monitoramento de pessoas e de trabalhadores que fizeram o resgate”.
Marta Freitas defendeu que as autoridades saiam da defensiva e façam o debate sério sobre a mineração e os riscos de novas barragens ainda maiores que a de Mariana, que continuam sendo construídas. “O desastre de Mariana não terminou e a cada chuva vai poluindo mais ainda o solo e a água que as famílias tomam. O principal crime que estão cometendo é o de não dizer a verdade”, denunciou Marta Freitas.
Vidas comprometidas
A dona de casa Simone Maria da Silva conta que, logo depois da lama, a filha Sofia, de apenas dez meses, começou a ter diarréia e vômito. Segundo a dona de casa, quando a obra da Samarco é interrompida, a saúde da criança melhora, mas quando as máquinas da mineradora voltam a movimentar a lama, o cabelo cai e feridas retornam. Sofia também sente muita dor nas pernas, diz a mãe. “Eu peço socorro na empresa e Prefeitura, mas só me mandam procurar a psiquiatra. Mas vejo que o problema não acabou para minha filha e outras crianças de Barra Longa e que a nossa cidade virou um canteiro de obras exposto ao risco”, denuncia Simone.
Apesar dos visíveis problemas de saúde, segundo Simone, a Prefeitura e a Renova não pagaram nem a passagem para levar a filha a São Paulo para fazer o exame. Na segunda quinzena de março, saiu o resultado mostrando que a criança está com dez vezes mais arsênio que o permitido. “Para a Samarco a saúde da minha filha de três anos vale menos que uma pelota de minério”, diz emocionada.
Outras mães denunciaram que os filhos estão com problemas de pele, respiratório, enxaqueca e perda de memória. Doenças previstas, segundo Aline Bentes, no relatório feito por integrantes da Rede de Médicos Populares logo após a tragédia. “O acúmulo de metais pesados no solo contamina plantações e a água em níveis muito acima do permitido. O arsênio é o mais preocupante, pois gera problemas renais e hepáticos graves e doenças neurológicas como a demência”, explica a médica.
Lentidão
Após a coletiva, a Secretaria de Saúde de Minas informou que vai dar auxílio a quem apresentar alterações nos exames.
O Ministério Público de Minas Gerais cobrou da Renova o reassentamento das famílias atingidas pelo rompimento da barragem da Samarco e o Ministério Público Federal pediu estudos mais precisos sobre os impactos da tragédia na saúde de quem vive nas áreas afetadas. Mas a empresa tem se beneficiado da falta de rigor dos órgãos governamentais.
Letícia Oliveira, da coordenação do MAB, defendeu medidas mais sérias, como o “afastamento dos poluidores”, que continuam movimentando o solo da cidade e agravando o problema ambiental. Ela também cobrou a garantia de exames para toda a população de Barra Longa e de tratamento médico pelo governo do Estado, assessoria técnica para descobrir o nexo causal (causa das contaminações) e a recuperação ambiental da bacia do Vale Rio Doce.
O diretor do Sindieletro Vander Meira, que acompanhou a coletiva, considerou inaceitável que a situação das famílias que sofrem com problemas graves de saúde causados pela exposição à lama da barragem de Fundão pareça invisível para governos, mídia e para grande parte da sociedade. “As empresas literalmente ‘lavam as mãos’, mas não com a água das bacias atingidas. Essa omissão é o ‘produto’ que o Capital entrega para a sociedade enquanto acumula cada vez mais riqueza”, denuncia.
Reportagem de Rosana Zica
Foto de Guilherme Dardanhan (ALMG)