O Projeto Conexões de Saberes sobre o Trabalho, uma iniciativa que promove o diálogo e a construção de conhecimentos a partir das experiências de trabalhadores e acadêmicos (professores e pesquisadores), realizou no início de novembro, na Escola Sindical Sete de Outubro, em Belo Horizonte, um debate que questionou toda a lógica do sistema de saúde e segurança do trabalhador. O projeto é da Faculdade de Educação da UFMG e promove discussões bimestrais sobre temas do mundo do trabalho.
O professor da Universidade de Brasília (UnB), doutor em Ciências da Saúde e especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho, Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira, conduziu o debate. Segundo ele, acidentes de trabalho gravíssimos e fatais devem ser tratados como crimes contra a vida. Ele defendeu a abertura de ação criminal contra os gestores das empresas que tiveram trabalhadores mortos em conseqüência de acidentes de trabalho, com a alegação de que eles não tomaram todas as providências necessárias para preservar a vida dos empregados.
Sindieletro – O senhor defende mudanças no tratamento que se dá hoje para a saúde e segurança nas empresas. Defende que os sindicatos mudem de postura para efetivamente preservar a vida dos trabalhadores. Quais mudanças seriam necessárias?
Paulo Rogério - Todo o sistema de saúde e segurança do trabalhador deve mudar drasticamente, começando pelo zero. É uma necessidade de mudança que chamo de “uma revolução sem armas e que não mata”. O caminho seria a subversão de toda a lógica do processo produtivo de trabalho e uma nova atitude das entidades sindicais. Uma das práticas dessa nova atitude seria os sindicatos buscarem, através do Ministério Público, a abertura de ações criminais contra os gestores das empresas, responsabilizando-os pelas doenças e acidentes de trabalho fatais e os que produzem deficientes físicos.
Outro passo importantíssimo é buscar informações sobre toda a estrutura de funcionamento de poder, com suas leis e políticas, ampliando os conhecimentos além da área de saúde e segurança. E usar as informações para denunciar e criminalizar, fora do Direito do Trabalho, os acidentes e as doenças do trabalho. Se o trabalhador ficar doente ou morrer com nexo causal apontando que a doença e a morte têm a ver com a insalubridade, por exemplo, é preciso processar os responsáveis baseando-se no Direito Criminal e Direito Sanitário. Se o trabalhador ficar surdo ou com a audição seriamente comprometida e se isso tiver relação com o ambiente de trabalho altamente barulhento, então será necessário buscar o Direito Ambiental. Excesso de barulho é poluição sonora.
Sindieletro – O senhor sustenta que a atual estrutura de saúde e segurança do trabalhador não funciona. Por que?
Paulo Rogério - As políticas para a saúde e segurança, a legislação, o posicionamento do Poder Judiciário e as práticas de governo na área são ineficientes e funcionam como uma “imbecilização no trabalho”. Chamo de imbecilização porque fingem que protegem a vida, mas o modelo de saúde e segurança foi criado para proteger só o patrão e não passa de uma “desonestidade intelectual”. Todo o modelo admite as doenças e os acidentes, em total desconsideração com a vida do trabalhador. Cito o exemplo do pagamento da insalubridade. Esse adicional é a prova do crime, pois paga-se o trabalhador para ele se expor aos riscos. Os patrões pagam pela doença e pela morte, eximem-se de melhorar o ambiente e o processo de trabalho. As multas do Ministério do Trabalho são outra prova de um crime. Há multas ridículas, de R$ 200,00, por irregularidades cometidas pelas empresas que expõem os trabalhadores aos riscos. As ações trabalhistas questionando a insegurança não dão em nada. Muitos juízes concluem que são tragédias, mas não são. São crimes. Os empresários calculam riscos e até número de acidentes futuros. Então, os acidentes são previstos.
Sindieletro – E as estruturas montadas nas empresas para a saúde e segurança, CIPAs, setor de medicina do trabalhador, entre outras práticas, essas também não funcionam?
Paulo Rogério - Nada resolve, essas estruturas também só protegem o patrão. O trabalhador sempre é afastado das decisões, suas opiniões não são consideradas, nem mesmo para contribuir na hora que eles, os patrões, decidem quais equipamentos de proteção individual os empregados vão usar. O patrão é o sujeito que manda, e o peão obedece. O peão só é sujeito quando é cobrado e pressionado, quando é apontado como o autor do erro e deve ser punido. O peão nunca é sujeito para definir metas, inclusive metas de Participação nos Lucros e Resultados, definir políticas de segurança e ações de gestão de pessoal. O patrão manda, decide, e pronto.
Sindieletro – Qual o papel do processo de produção?
Paulo Rogério - O processo de produção está matando, está adoecendo trabalhadores. O modelo de produção precisa ser totalmente mudado. Não há como falar em risco sem ter um olhar subjetivo sobre os meios de produção. As mudanças devem começar pelas máquinas. Hoje é o trabalhador que tem que se ajustar às máquinas, mas deveria acontecer o contrário. São as máquinas que têm que ser construídas de acordo com as necessidades do trabalhador. Riscos de doenças e acidentes de trabalho também seriam eliminados se os gestores empresariais respeitassem os trabalhadores, se não atuassem com toda a pressão por produtividade, com a imposição de metas de produtividade e de lucros recordes.